#VaiTerTodosDeTurbanteSim
- 16 de agosto de 2017
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- Thamires Mattos
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O respeito começa quando as pessoas são vistas simplesmente como pessoas. Sem rótulos. Sem segregações. É assim que se resolve o tabu da apropriação cultural e do racismo
Sabryna Ferreira
Contrastando os tempos coloniais, ser negro, hoje, tornou-se algo popular. Não porque a miscigenação seja real e inegável, mas porque a herança africana passou a ser assumida e valorizada por seus herdeiros. Os cachos estão na crista de sua onda. Mas também há quem use um símbolo bem característico da cultura afro para escondê-los nos seus maus dias.
Como boa parte dos símbolos de qualquer cultura tem um significado, a cultura africana é cheia deles. As danças e celebrações, os ritos religiosos, as vestimentas e adereços. Tudo remete a uma história. História esta que teve altos e baixos, idas e vindas até chegar ao Brasil. Mais especificamente,no metrô de Curitiba, 517 anos depois, coroando a cabeça de Thauane Cordeiro, de 19 anos.
O caso teve grande repercussão. Isso ficou nítido nos 8 links anexados à pauta que me foi entregue, sem contar as demais manchetes, artigos e colunas que se alastraram pelas conexões da internet. Thauane virou pauta porque a “apropriação cultural” é a pauta da moda na mídia. Para uma melhor compreensão, cara (o) leitora (o), permita que a própria Thauane conte-lhe o ocorrido.
“Vou contar o que houve ontem, pra entenderem o porquê de eu estar brava com esse lance de apropriação cultural:
Eu estava na estação com o turbante toda linda, me sentindo diva. E eu comecei a reparar que tinha bastante mulheres negras, lindas aliás, que tavam me olhando torto, tipo ” olha lá a branquinha se apropriando dá nossa cultura”, enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era branca. Tirei o turbante e falei “tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus.”, Peguei e sai e ela ficou com cara de tacho. E sinceramente, não vejo qual o PROBLEMA dessa nossa sociedade em, meu Deus!
#VaiTerTodosDeTurbanteSim
Melhor é saber da história pela própria Thauane, porque se a (o) leitora for deixar a informação a cargo de Metrópoles a naturalidade da jovem será uma incógnita. Talvez isso seja irrelevante diante do câncer que motivou a moça usar o turbante.
Já Estadão, Folha e Extra limitaram-se a noticiar a repercussão polêmica do caso em matérias pequenas. Ou seriam notas grandes? Talvez essa seja a única reflexão que os veículos propuseram a quem os lê.
Quando brancas usam turbantes
Mais crédito pode ser dado a The Intercept Brasil só pelo texto extenso e bem trabalhado de Ana Maria Gonçalves. A escritora critica, começando com uma contextualização histórica, a comercialização da cultura negra e enfatiza a importância de sua representação simbólica. Ana Maria conclama todos aqueles que querem enfeitar a cabeça (ou seja lá que outra parte do corpo) com símbolos da cultura alheia a assumirem as implicações de ostentá-los. O texto reflete os mais válidos argumentos da negritude contra a apropriação cultural. A reivindicação por respeito à história e ao simbolismo cultural é mais que válida. Na verdade, é o mínimo a se fazer.
Não se pode fechar os olhos para todos os maus bocados pelos quais o povo negro foi obrigado a passar através dos anos. The Intercept deixa isso bem claro. Cultura é identidade, e é na sua própria que o povo negro busca forças para continuar lutando.
Mas pensar num brasileiro reivindicando direitos sobre a “cultura” de outro país soa contraditório, uma vez que o Brasil é o maior exemplo de tal prática – sendo a hibridização cultural a sua identidade. E se, em vez de objetificarem a sua cultura – como algo registrado em cartório e com firma reconhecida pelo dono – os negros-brasileiros (e não originalmente africanos) se colocassem como pertencentes a essa cultura? Ficar sob esse guarda-chuva é tão válido quanto brigar por ele.
Quando pessoas com câncer usam turbantes
El País, nas palavras de Eliane Brun, dirige-se diretamente à Thauane. Cheia de respeito pela cultura africana, Eliane reconhece os privilégios de ser uma mulher branca num país como o Brasil e rechaça o racismo praticado por seus semelhantes – no passado e no presente. Mas vai além disso, ela aponta para quem colocou o turbante na cabeça daquela mulher branca: a leucemia mieloide. A reflexão proposta pelo texto é colocar-se no lugar do outro e os limites de tal ato. Mas Eliane não dá uma resposta, nem poderia. Ela nunca esteve sob uma pele negra, assim como a da mulher repreensora, e nem esta, por sua vez, no corpo doente de Thauane.Lê-se nas entrelinhas de El País um convite a desviar o olhar do macro e enxergar o micro, o individual. Percebe-se um convite à tolerância mútua e ao respeito. Mas também à integração, à apreciação da diversidade.
O respeito começa quando as pessoas são vistas simplesmente como pessoas. Sem rótulos. Sem segregações. É assim que se resolve o tabu da apropriação cultural e do racismo. Será que sob esse guarda-chuva não cabe uma mulher (com leucemia) que admira um turbante e, além de se sentir bem com ele, precisa dele para sentir-se bem?