Uma vida a sete chaves
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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O limite da mídia em coberturas polêmicas e sensíveis.
Bruno Sousa
Certamente, você já se reuniu com sua família para desfrutar de programas de entretenimento, culinária, telejornais e outros de sua escolha. Nesses momentos, é provável que tenha ouvido alguns desses famosos bordões pronunciados por diversos apresentadores brasileiros: “ô loco meu”, “quem quer dinheiro?”, “corta pra mim!”, “é verdade!”, “olhaaaa”, “acorda menina”, “olá, boa noite, tudo bem?”. Esses são apenas alguns chavões que marcaram a história da televisão brasileira.
Entre os donos desses bordões, há um que gostaria de destacar, e para isso vou deixar algumas dicas sobre o programa. Ele era transmitido nas noites de domingo, no SBT. O apresentador tinha o sonho de se tornar dentista. Ainda não sabe de quem estou falando? Tudo bem, vou dar mais duas dicas: ele aproveitava seu tempo livre no trabalho para escrever cartas com sugestões de brincadeiras para o dono do SBT e, infelizmente, teve uma morte trágica ao cair do sótão. Agora, já sabe de quem estou falando? Se você pensou em Antônio Augusto Moraes Liberato, mais conhecido como o famoso Gugu, você acertou!
Em uma era em que os dados valem ouro, tudo gira em torno da informação. Porém, até que ponto se controla o que é divulgado? Quando paramos para observar a história de Gugu, é notável que a sua vida pessoal não era exposta na mídia. Certamente por uma decisão dele. Talvez por isso as descobertas de casos tão polêmicos após sua morte, que até hoje não estão 100% resolvidos, causaram um rebuliço na mídia. Mas será que Gugu gostaria de toda essa exposição?
Um dia normal em Orlando
Vamos direto ao ponto. Penso que não devo me delongar nas linhas desta análise falando sobre quem foi Antonio Augusto Moraes Liberato, mas sim, o que foi revelado após sua morte. Era 20 de novembro de 2019, um dia normal em Orlando no Estados Unidos. O sol brilhava forte, fazia calor e Antônio havia acabado de chegar de uma viagem. Quando chegou em casa, foi recebido com muito carinho por sua família, cumprimentou a esposa com um abraço forte e um beijo. Logo correu para brincar com os filhos e matar um pouco da saudade.
Porém, como fazia calor, Gugu resolveu subir até o sótão, onde ficava o sistema de ar da casa. Ele não sabia que poderia ser perigoso. A base do teto era feita de gesso e ele não suporta o peso humano, por conta disso, o correto seria andar sob as vigas, mas Gugu andou sobre o forro de gesso que acabou cedendo e levando a uma queda de quatro metros, provocando sua morte. Ele até foi levado para o hospital, mas depois de dois dias veio a confirmação do óbito. O neurocirurgião da família deu o motivo: morte encefálica. Esse relato foi contado por sua esposa Rose Matteo em uma entrevista feita pelo Fantástico.
“Seus abutres”
A morte gerou uma baita repercussão na mídia. A forma como noticiaram o falecimento de Gugu Liberato causou revoltas em seus fãs. Fatos que não haviam acontecido foram inventados. No jornal Diário do Amanhã a manchete tinha a seguinte frase: “Gugu caiu de telhado quando tentava colocar enfeite de Natal”. Mas não! Não era isso que havia acontecido. O furo jornalístico a todo custo causa incontáveis barrigadas – termo utilizado para os erros de informação amplamente divulgados -, por conta da competição entre emissoras e marcas. Por cometerem esses vacilos, muitos comunicadores recebem críticas nas redes.
No portal de notícias UOL, os jornalistas foram chamados de “abutres” e o apresentador Rodrigo Faro de “hipócrita” pelos telespectadores. Isso aconteceu no domingo, quando todas as emissoras de TV se desdobravam em homenagens ao apresentador. Rodrigo Faro foi flagrado pelas câmeras perguntando como estava a audiência de seu programa na Record, justamente quando era exibido um vídeo lembrando a trajetória de Gugu.
A questão que fica é: os números de audiências ou visualizações compram a (falsa) sensibilidade? O papel da imprensa de informar, não dispensa sua responsabilidade de lidar com os envolvidos com empatia. Isso significa que o ideal é esperar um depoimento oficial da família sobre a situação e não inventar fatos para ganhar audiência. Se torna perceptível a falta de respeito com um momento tão delicado que a família Liberato estava passando.
O testamento
Depois desse fim trágico da vida de Gugu, se engana quem acha que tudo ficou em paz. A morte do famoso apresentador levantou muitas polêmicas que alimentaram programas de fofoca na televisão e outros formatos, como revistas e podcasts, por dias. A primeira questão em alta foi a leitura do testamento. A confusão já começou por aí, pois estava testado que quem herdaria a fortuna de Gugu, correspondente a 1 bilhão de reais, seriam os três filhos com 50% e os cinco sobrinhos com 25%. Mas, cadê a parte que corresponde a esposa? O clima ficou tenso.
A promessa “na riqueza e na pobreza” não fazia parte dessa história, pois ambos optaram por não se casarem no civil. Mesmo assim, Rose tinha direito a parte da herança do marido, já que eles tinham uma união estável. De acordo com a sua defesa, o relacionamento entre eles era comprovadamente duradouro, público, contínuo e com objetivo de formar família. Isso, judicialmente, dava a Rose muitos direitos sobre a herança, em teoria.
Desde então, ela entrou com o processo para lutar pelos seus direitos dessa união. Porém, houve um atrito com a relação dos filhos. Aliás, tudo o que envolve dinheiro sempre leva a “briguinha”. João, o filho mais velho, não se conforma com o fato de sua mãe receber parte da herança. Já as gêmeas Marina e Sofia se posicionaram a favor da mãe nessa batalha. Segundo Rose, tudo se resolveu quando os filhos prepararam uma festa surpresa no seu aniversário em fevereiro de 2020.
A mídia diz o contrário. Caso resolvido? Não. Pais, irmãos e sobrinhos do Gugu alegam que nunca houve um relacionamento sincero naquela casa. Em entrevista ao Fantástico, a mãe do apresentador diz: “ele nunca teve nada com ela. Ele vivia complementarmente separado dela”, e termina dizendo: “isso eu afirmo e juro, porque eu sei”. Quem está falando a verdade?
Um relacionamento incubado
Nessa mesma época, um chefe de cozinha chamado Thiago Salvático surge alegando ter uma união estável com o apresentador há oito anos. Em entrevista a Léo Dias, ele afirma que acompanhou os momentos mais difíceis da vida de Gugu e que juntos já viajaram mais de 50 países juntos. “Eu sim vivi com ele e o amei de verdade”, ressalta.
Antes de continuar gostaria de destacar a abordagem de Léo Dias sobre os fatos. Aparentemente, Thiago recebeu instruções claras de Léo Dias sobre sua entrevista. Em vários momentos, ele titubeia e demonstra insegurança e busca por respostas do entrevistador. Durante a conversa, o possível amante troca olhares duvidosos e chega até a dizer: “posso comentar aquilo que falei antes de entrarmos ao vivo?”. Após esse momento, o apresentador tenta remediar a situação, como se houvesse algo de errado, mas segue de forma seca e sem graça.
Voltando sobre o saber ou não da esposa, me questiono: Rose sabe desse suposto relacionamento? Ela comenta que a vida íntima do Gugu não compete a ela e que a única coisa que a importava era o seu relacionamento íntimo com o apresentador. Independente de secundários.
Como eu, a mídia também levantou questões: A vida do seu cônjuge não te desrespeita? Sinto que Rose se contradiz e mente com relação a ter conhecimento sobre o segundo relacionamento do seu esposo. Em uma carta escrita à mão por ela, no ano de 2010, e que foi levada a júri, consta as seguintes frases: “eu sei que você se encontra com alguns rapazes”, “eu sei que posso mudar essa situação com orações e jejum”, “sua família tem ciúmes de você comigo”, “eu o amo e sempre amarei”.
Será que realmente Rose não sabia do atual caso? Segundo a defesa dela, Rose estava sob efeito de remédio e não sabia do que estava escrevendo, e complementa dizendo que na época eles tinham passado por um briga e escreveu a carta com o intuito de salvar o seu casamento.
Processo atual
Muitos anos se passaram e ainda não se resolveu o caso da fortuna de Gugu Liberato. Inicialmente, Thiago desistiu do processo, mas depois voltou a processar alegando que o juiz foi preconceituoso. Em junho, o Tribunal de Justiça reverteu essa decisão. Para complicar, surgiu um suposto filho de Gugu chamado Ricardo Rocha. Em entrevista ao Domingo Espetacular, ele conta que sua mãe afirma que teve relações com Gugu e que ele é o pai de Ricardo. Se isso for comprovado por um teste de DNA, Ricardo terá direito a parte da herança de Gugu.
No caso de Rose, a ministra do Supremo Tribunal de Justiça suspendeu sua ação que buscava o reconhecimento de uma união estável com Gugu. Se essa união fosse comprovada, Rose herdaria metade da fortuna, enquanto os sobrinhos ficariam de fora do testamento. Agora, uma investigação está em curso devido ao suposto filho de Gugu, e se sua paternidade for comprovada, o testamento poderá ser anulado.
Audiência das emissoras
O caso atraiu muita atenção, levando a um aumento nas audiências das emissoras durante momentos cruciais do processo na justiça. Em 2020, o programa Fantástico alcançou sua maior audiência em seis meses, e a herança de Gugu foi uma das principais discussões. Nesse ano, quando o episódio foi retomado, Globo e Record competiram pela audiência. A reportagem da Globo alcançou uma média de 19,1 pontos, enquanto a Record teve 9,1 pontos e o SBT registrou 8,0 pontos.
No entanto, a grande reviravolta ocorreu quando a Record exibiu a primeira entrevista de Ricardo Rocha, que afirma ser o filho mais velho de Gugu, resultado de um relacionamento do apresentador com uma babá. A atração da Record obteve 9,0 pontos com um pico de 10,0, enquanto a Globo alcançou 20,4 pontos e o SBT registrou 7,7 pontos.
Enquanto as emissoras competiam nas audiências, fico a pensar sobre qual seria o interesse da Rede Globo em uma cobertura tão completa sobre a vida de Gugu. O apresentador estava vinculado à Record, uma concorrente com a qual a Globo tem relações adversas. Imaginei que a cobertura da morte do apresentador seria mais simples e sucinta, como foi, por exemplo, o “Jornal Nacional” sobre a morte de Marcelo Rezende, em 2017.
De acordo com uma matéria no Portal de notícias UOL, as razões por trás dessa decisão podem ser resumidas da seguinte maneira: a Globo estava evitando comprometer sua reputação ao não ignorar a realidade, especialmente devido à pressão das redes sociais; a morte de Gugu é um tema de grande interesse público, garantindo uma audiência repercussão para qualquer meio de comunicação, o que a Globo não poderia se dar ao luxo de perder. Inclusive, Gugu já teve uma breve passagem pela Globo; por último, reconhecer Gugu como um dos maiores comunicadores do Brasil é uma responsabilidade evidente para a Globo.
Cobertura jornalística
A cobertura jornalística sobre todo o caso Gugu foi informada de maneira sensacionalista. Sabemos que a mídia tem o poder de influência na opinião pública, e nesse caso, a exposição da vida de Gugu afetou não apenas a sua memória, mas também a imagem de sua família. Portanto, é preciso refletir sobre esses limites éticos da mídia e a importância de respeitar a privacidade das pessoas, mesmo que sejam “figuras públicas”.
A informação precisa ser de forma responsável, sem utilizar a vida íntima de indivíduos como moeda de troca para obter audiência ou aumentar a circulação de seus veículos. A exposição indevida da vida pessoal de Gugu Liberato e sua família evidencia uma falta de sensibilidade e responsabilidade por parte da mídia. É essencial que a sociedade demande um jornalismo mais ético, que respeite a dignidade e a privacidade das pessoas, mesmo em situações de grande interesse público.