Uma só carne
- 5 de setembro de 2017
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- Thamires Mattos
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Operação Carne Fraca: O escândalo, palavra repetida em todos os veículos à exaustão, só se fez porque a mídia o elevou a tal posição
Emanuely Miranda
A Polícia Federal do Brasil, costumeiramente associada e vangloriada pela Operação Lava Jato, deflagrou outra iniciativa no dia 17 de março desse ano. Nome igualmente sugestivo: Operação Carne Fraca. As empresas JBS e BRF foram acusadas de adulterar a carne vendida no comércio interno e externo. As instituições respondem pelas marcas Seara, Swift, Friboi, Vigor, Sadia e Perdigão. Todas conservavam uma reputação favorável perante a população. Entretanto, o cenário mudou a partir do pressuposto de que os produtos consumidos vinham com adicionais inesperados.
JBS e BRF foram acusadas por comercializar carne estragada, alterar data de vencimento, maquiar o aspecto dos produtos vendidos e utilizar substâncias supostamente cancerígenas. Havia um esquema de propina entre as empresas e a fiscalização. Dessa forma, as irregularidades eram desconsideradas e as marcas seguiam incólumes no mercado.
O escândalo, entretanto, modificou as preferências dos consumidores. Inseguranças surgiram. Segundo a Economática, a JBS sofreu um decréscimo de R$ 16,3 bilhões em valor de mercado desde que a operação foi deflagrada. Esse montante negativo advém não apenas da impopularidade surgida no Brasil. O desempenho das vendas para o exterior caiu de igual modo. Os compradores internacionais descredibilizaram a carne brasileira.
O G1, portal de notícias da Globo, informou no dia 27 de março que a média diária de exportações caiu 19% desde o começo da Carne Fraca, iniciada dez dias antes. No dia 10 de maio, quase dois meses após o princípio das dores, o G1 noticiou que os compradores da carne brasileira passaram a pagar um valor menor pelo produto.
Em trecho do “Jornal das Dez”, veiculado pela GloboNews e reproduzido no site do G1, o comentarista político Gerson Camaroti adjetiva os resultados da operação como “estrago”. Dessa forma, há o entendimento de que o descobrimento do oculto foi maléfico. Os danos causados não deviam ser atribuídos ao comportamento indevido das empresas ao invés de caírem na conta daquela que as investiga? A investigação não seria um serviço à sociedade? Durante todo tempo, o site acompanhou o andamento das ações da Polícia Federal e atualizou as repercussões da mesma. As notícias a respeito dos impactos negativos foram de extrema constância.
O El País, frequentemente merecedor de elogios, optou – como sempre – pelo trajeto oposto em relação ao G1. “Operação Carne Fraca: o esquema podre que ronda os frigoríficos do Brasil”, encontra-se em um dos títulos do jornal online. O site ainda entrelaçou as propinas com o Executivo. Afinal, para veículos esquerdistas, oportunidades que desmerecem o governo golpista sempre são bem-vindas e aproveitadas. Esse tipo de ligação foi evitada pelo G1, filho da Globo.
Nessa dicotomia, BBC chegou perto de um equilíbrio. O site de origem britânica destinado ao público brasileiro produziu uma quantidade menor de conteúdos, mas investiu na profundidade. Uma das sacadas de reportagem foi sapiente. O propósito foi contar a história do nosso país pelos olhos da pecuária partindo dos engenhos de açúcar e chegando à contemporaneidade. A tecnologia, por exemplo, catalisou os processos do ramo e o conjunto da obra fez com que o Brasil alcançasse a posição de segundo maior exportador mundial de carne bovina. Para esse imponente país, os tumultos fomentados pela Carne Fraca foram tiros nos pés.
A BBC fez questão de ressaltar o tamanho da ferida que se formou nos pés do gigante. Dados semelhantes aos do G1 foram divulgados pela página. Em uma das reportagens, lê-se o seguinte: “Escândalo da carne ameaça mercado asiático, conquistado a passos lentos pelo Brasil”.
O escândalo, palavra repetida em todos os veículos à exaustão, só se fez porque a mídia o elevou a tal posição. É intrínseco ao jornalismo querer dar informações com celeridade e exclusividade. Nessa ânsia, surgem equívocos, sensacionalismo e tendenciosidades. Eis o terreno fértil para a criação de pós-verdades! A alienação, gerada pelo comodismo, constrói um exército de crentes devotos em premissas infundadas.
O alarde causado é refrigério. Poucos se importam em esclarecer a veracidade das polêmicas. BBC e El País buscaram esclarecimento. Embora os dois portais de notícias tenham trazido entrevistados de mesma formação profissional, os resultados das entrevistas não foram idênticos. Enquanto o jornal de origem espanhola adotou uma postura levemente mais severa, o britânico foi mais ponderado.
Os engenheiros de alimentos que foram entrevistados pela BBC informaram que o uso do papelão consta apenas como embalagem dos produtos e não como ingrediente, ao contrário do que se pensou generalizadamente. Além disso, algumas substâncias tidas como nocivas são permitidas em menor quantidade. O problema se encontra na exorbitância das mesmas. Outra exorbitância foi identificada nas coberturas realizadas pelo jornalismo. Os especialistas apontaram um sensacionalismo desnecessário e prejudicial.
Em todo caso, BBC e El País concordaram com o fato de que houve uma maximização dos fatos. Não há motivo suficiente para interromper abruptamente o consumo da carne. Ainda há marcas confiáveis no mercado. Basta ter o olhar atento, consultar as origens, exigir fiscalização e questionar sempre aquilo que chega aos ouvidos como verdade. Se por um lado pode haver um apaziguador que acoberta os supostos criminosos, por outro existem aqueles que militam em prol de uma demonização sem racionalidade esclarecida. Cada qual escolhe sua narrativa e segue.
No entanto, apesar de seguirem em caminhos divergentes,os veículos de comunicação apresentam semelhanças indiscutíveis. A despeito da divergência, todos estão fadados aos mesmos princípios que exigimos para chamarmos algo de jornalismo correto. Além disso, as ideologias de cada linha editorial precisam ser consideradas e isso é excelente até mesmo para a formação de opiniões dos leitores. Os interesses do mercado também estão na pauta. Cada um serve ao seu respectivo senhor e não tem como fugir. Todos servem. Esse intuito de alinhamento entre princípios, ideologias e vontades são inerentes a toda e qualquer redação. Os jornalistas são como irmãos diferentes que se repelem, porém ignoram o fato de que são filhos da mesma mãe.E, por serem da mesma família, são todos uma só carne.