
Teve clima de Copa do Mundo, sim!
- 5 de março de 2025
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- Theillyson Lima
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O Oscar 2025 mostra que exaltar a cultura brasileira é necessário para que nossas histórias ganhem espaço e reconhecimento no mundo.
Isabella Maciel
A cobertura da mídia brasileira do Oscar 2025 atingiu um nível inédito de engajamento, impulsionada pelas indicações do filme “Ainda Estou Aqui” em três categorias. A presença do Brasil na premiação gerou uma enxurrada de notícias, análises e expectativas que transformaram o evento em um verdadeiro fenômeno nacional e reconhecimento internacional.
O dicionário Oxford Languages define ufanismo como “a atitude de quem se orgulha de algo com exagero, com um patriotismo excessivo”. E essa definição se encaixa perfeitamente na forma como o Oscar foi tratado pela mídia brasileira neste ano. O foco na premiação ultrapassou a simples valorização do cinema nacional e se tornou uma celebração quase patriótica.
O sentimento ufanista ficou evidente desde o início da temporada de premiações. Com a vitória da atriz Fernanda Torres no Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama, a mídia nacional intensificou sua cobertura, traçando paralelos com a ascensão do cinema brasileiro no cenário internacional e criando um clima comparável ao de uma Copa do Mundo.
A explosão do interesse pelo Oscar
Historicamente, a cerimônia do Oscar sempre teve um espaço garantido na cobertura jornalística brasileira, mas a intensidade observada em 2025 foi sem precedentes. Portais de notícias anunciaram o início das votações com semanas de antecedência, explicando detalhes sobre quem vota, onde assistir e quais eram os horários exatos da transmissão.
Além disso, a Globo, emissora com mais audiência do país, alterou sua grade de programação para transmitir o Oscar ao vivo, diminuindo tempo de tela que é tradicionalmente direcionado ao carnaval, uma decisão surpreendente considerando que eventos como o Carnaval na Globo e Big Brother Brasil raramente recebem esse tipo de alteração. Ajustes como esse devem acontecer para ampliar o acesso ao público. Esse movimento reforça a dimensão que a premiação ganhou na percepção do brasileiro.
Euforia nacional
A cobertura e a repercussão do Oscar 2025 não ficou só nos principais portais de notícias, se espalhou por diversos setores, influenciadores, políticos e marcas se envolveram na discussão, impulsionando ainda mais o engajamento do público.
A Sapucaí parou para anunciar o resultado do Oscar, o carnaval de Olinda contou uma participação especial de um boneco de Olinda de Fernanda Torres.
A atriz, questionada pela revista Quem durante a première de “Ainda Estou Aqui”, tentou conter as expectativas do público: “O filme é maravilhoso. Mas não entrem em clima de Copa do Mundo. Não tem essa de ‘vai perder’ ou ‘vai ganhar’. Já ganhou. A gente tem um filme lindo e com uma aceitação enorme. É maravilhoso trazer essa mulher incrível para o reconhecimento público. O filme abre uma janela para essa mulher [Eunice Paiva]”.
Mesmo com esse apelo, o sentimento de vitória antecipada já estava consolidado entre os brasileiros. A internet foi a loucura, com disparo de memes dizendo: “vai ter clima de copa do mundo sim!”, “atriz de slaps and kisses”, e “ Fernanda Torres totalmente premiada” As redes sociais se encheram de campanhas, torcidas organizadas e inúmeros memes.
A CNN aproveitou a deixa e utilizou a frase dita pela atriz em títulos de matérias como, “Em clima de Copa, ‘Ainda Estou Aqui’ concorre a 3 Oscars neste domingo”, “Crítica reage a ‘Ainda Estou Aqui’ no Oscar: Clima de Copa do Mundo”, “Oscar: com primeira indicação, Letônia também tem clima de Copa do Mundo”.
O impacto na produção de conteúdo
O alcance gerado por “Ainda Estou Aqui” também influenciou na forma como os portais de notícia produziram conteúdo sobre o filme. Veículos como G1 e Quem adotaram práticas de transmídia, legendando entrevistas antigas de Fernanda Torres em português e inglês, para ampliar o alcance internacional do material.
Esse cuidado estratégico não se repetiu em outras entrevistas de artistas brasileiros, evidenciando como a repercussão internacional do filme moldou a abordagem da mídia. A valorização do filme não se deu apenas pelo seu conteúdo artístico, mas também pelo papel histórico que ele carrega ao abordar a memória da ditadura militar brasileira.
A trama que narra a trajetória de Eunice Paiva, ativista e advogada que enfrentou a repressão durante a ditadura militar, resgata uma história que ainda encontra barreiras para ser contada. A obra ilumina uma ferida aberta na memória nacional, dando voz às vítimas e suas famílias, que por décadas sofreram com o silêncio imposto pelo regime. O filme se torna, assim, não apenas uma produção audiovisual, mas um ato político de resistência e preservação da história do Brasil. E as indicações que o filme recebeu colocaram um holofote na história do país.
O futuro do cinema brasileiro
O fenômeno do Oscar 2025 levanta questionamentos sobre a forma como a mídia nacional cobre eventos internacionais e como isso pode influenciar a percepção do público sobre conquistas culturais. Até que ponto o ufanismo ajuda a valorizar o cinema nacional? E quando ele se torna um exagero que pode resultar em frustração coletiva?
Independentemente do resultado final, a trajetória de “Ainda Estou Aqui” e sua recepção no Brasil mostram que o cinema nacional tem espaço e potencial para disputar grandes premiações internacionais. O desafio agora é transformar esse entusiasmo momentâneo em um apoio contínuo para que novas produções brasileiras alcancem cada vez mais reconhecimento.
Valorizar o cinema nacional é necessário, mas essa valorização precisa ir além do palco de grandes premiações. A cultura, a história e as narrativas que compõem o audiovisual brasileiro merecem ser exaltadas não apenas na euforia da temporada de prêmios, mas no dia a dia, como um reflexo da nossa identidade e da nossa memória coletiva.
A maior vitória do filme é abrir espaço para que o Brasil seja visto, ouvido e lembrado, levando ao mundo histórias que por muito tempo foram invisibilizadas. Que esse reconhecimento sirva como impulso para a valorização contínua do nosso cinema e da nossa história.