Só 273?
- 30 de outubro de 2017
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- Thamires Mattos
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Números não trazem histórias, nem nomes e muito menos emoção. A cobertura da Veja sobre o terremoto no México e as consequências de uma transmissão de informação baseadas em meros números
Thamiris Senis
É possível que desde a sua quinta série [atual sexto ano], você tenha aprendido sobre terremotos, tufões, furacões, entre outros grandes problemas que o planeta Terra sofre. Com o passar dos anos essas catástrofes se mostraram cada vez piores, principalmente em países situados no círculo de fogo do Pacífico, como o México. Você deve ter visto diversas reportagens falando sobre o último terremoto na capital do México que deixou mais de 200 pessoas mortas. A questão é: até onde os veículos midiáticos estão dispostos a ir a fim de conseguirem total atenção do público nas matérias que publicam?
O terremoto no México fez muitas vítimas, 273 para ser mais exata. Mas geralmente os números não cumprem o papel de chamar atenção, nem mesmo se a cada minuto o veículo de informação atualizar a crescente de vítimas, como a revista Veja planejou fazer. Era preciso olhar mais de três vezes no dia para conseguir ficar bem informado, já que os números não paravam de crescer. Mas a verdade é que números não trazem humanização, números normalmente são comparativos. Talvez por isso o número 273 não pareça nada assustador e tão pouco doloroso, afinal o terremoto de 1985, no México mesmo, deixou milhares de mortos. Quem sabe a Veja tenha entendido que o título da matéria já dava o número e por consequente o público não precisaria clicar para saber mais já que o conteúdo não mudava. E agora?
A primeira matéria publicada no site da Veja sobre o terremoto trazia o título. “México sofre novo terremoto, de magnitude 7,1”, estampado em letras grandes e taxadas acima da matéria. As demais traziam o aumento de vítimas, 200, 230, 250… entende? Sempre números. Números não trazem histórias, nem nomes e muito menos emoção. Por diversas vezes você deve se deparar com matérias que trazem números e, possivelmente você começa a ter uma imunidade a números pequenos, começa a comparar, e então parece que o seu lado humanitário vai sumindo aos poucos. Graças a essa imunidade hoje conseguimos ver as fotos e ler reportagens assim facilmente.
E por falar em fotos, a Veja se preocupou com a nossa curiosidade e tratou de montar uma galeria cheia de fotos tiradas nos momentos mais exatos. Aquele em que as pessoas precisaram correr sem conseguir salvar nada, aquele em que o prédio da escolinha caiu, os cachorros farejadores, entre muitas outras imagens interessantes. Decerto algumas fotos são chocantes, mas sinceramente ninguém tem muita paciência de ficar passando imagem por imagem e só se deparar com poeiras e cachorros com viseiras. A moça que saiu correndo, parecia desesperada, mas não sei seu nome, não sei se ela acabou fazendo parte do número 273.
E se criarmos uma linha do tempo dos maiores abalos sísmicos até hoje? Péssima ideia Veja. Fazer uma retrospectiva de desastres não parece nenhum pouco humano. Ainda mais quando se dá cinco linhas para cada desastre. Talvez seja essa desumanização que faz tanto mal ao Planeta Terra. Provavelmente seja isso que nos faz passar pelos números e não os respeitar, não respeitar a dor, a tristeza e nem a história de cada família que perdeu vidas importantes nessas catástrofes.
Eis que no fim do túnel surge aquele furo. Aquela história que dê certo mudaria todo o enfoque dado ao terremoto até agora. Disseram que escutaram um grito, um pedido de socorro. Outros afirmam que a máquina feita para encontrar calor humano nos escombros detectou uma criança logo abaixo os escombros da cozinha. Logo foi dado a essa menina o nome de Frida Sofia. Jornais de todo o mundo passaram a noticiar tal acontecimento. Claro, a Veja não poderia ficar de fora. Na reportagem eles falam sobre uma mãozinha vista saindo dos entulhos pedindo por socorro, um chorinho bem abafado também poderia ter sido escutado. Mas nada de resgatar a pequena. Foi uma pressão tão grande em cima dos bombeiros e demais profissionais que trabalhavam no socorro, que o chefe da missão precisou vir a público e afirmar que não havia nenhuma Frida Sofia, eles nunca tinham visto ou ouvido nada. Pois bem, nem mesmo o único rosto, a única história mostrada [de verdade] que fez todos pararem para acompanhar o desfecho, era verdade.
Lamentável. Mas o erro foi “concertado” através de uma matéria no site da revista, que fazia um gancho ao terremoto de 1985, quando uma família havia inventado que seu filho Monchito estava preso sob os escombros da casa, só que tudo não passava de uma mentira.
Então as reportagens continuam iguais. Nada de diferente, sem Frida, sem Monchito. Os números vão continuar crescendo, e quanto mais crescem mais indiferentes a eles nos tornamos. É fato dizer que os jornalistas estão se tornando cada vez mais frios, isso acaba fazendo parte da profissão. Mas acima da profissão, temos humanos criados ou evoluídos, para ter um caráter humanitário. Os números deveriam causar espanto, o certo seria olhar para o 273 e pensar que são 273 famílias incompletas agora. E se mesmo assim ainda não lhe parece tão assustador, te desafio a contar, isso mesmo. Conte, do 1 até o 273. Quem sabe você perderia uns minutos importantes do seu dia. Ou então te desafio a pensar em 273 reais a mais na sua conta hoje, faria diferença? Quando pensar no número 273, pense diferente.