SBT: jornalismo e política em meio a tragédia
- 5 de junho de 2024
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Análise da cobertura padrão, porém, não isenta de polêmicas e com um “toque” de política, do SBT News e SBT Rio Grande nos primeiros dias da tragédia no estado gaúcho.
Cristina Levano
Quando desastres naturais atingem comunidades, a cobertura jornalística desempenha um papel vital ao informar, esclarecer e conectar a sociedade com os acontecimentos que afetam milhares de vidas. A abordagem dos meios de comunicação pode influenciar significativamente a percepção pública sobre os acontecimentos, mostrar a necessidade de ajuda e mais recursos, ao mesmo tempo que também revela a posição do veículo frente a crise. Esse dever e a necessidade de uma cobertura empática e respeitosa se vê claramente quando se acompanham eventos trágicos como as enchentes no Rio Grande do Sul.
Nenhuma cobertura, em especial quando falamos de tragédias, está isenta de receber críticas, mas é importante aprender com os erros e acertos . Afinal, não é fácil manter o equilíbrio entre objetividade e empatia em tempos de crise. Nesse contexto, o SBT News e o SBT Rio Grande, embora estejam relacionados entre si, adotaram abordagens diferentes em seus noticiários.
SBT RS: cobertura padrão
Embora algumas cidades do estado já tivessem sofrido estragos devido aos temporais, foi só no dia 28 de abril, que o SBT Rio Grande realizou uma reportagem sobre o assunto. Claro que este não foi um acontecimento sem precedentes, pois já tinham anunciado dias antes que fortes chuvas atingiriam o estado, mas não se esperava que passaria de alagar algumas estradas a cidades inteiras.
Ainda assim, no dia 29 do mesmo mês, a programação do jornal continuou como de costume, com notícias gerais do estado, do país, até deu tempo de cobrir a crise climática na China, mas só se abriram espaço a uma conexão ao vivo com um repórter em Livramento, no qual se mencionou que casas se inundaram durante o fim de semana, e que a situação poderia se agravar. No entanto, aparentemente para o SBT Rio Grande, não era necessário fazer pelo menos uma reportagem sobre.
Mas o aumento voraz das chuvas levou a que no dia 30 de abril o SBT RS realizasse uma cobertura completa sobre as enchentes no estado, acompanhando desde o programa do meio dia, os impactos das chuvas nas 65 cidades do estado. Mantiveram uma cobertura padrão, com repórteres no lugar dos acontecimentos, imagens de como se encontram as cidades atingidas e inclusive entrevistas com meteorologistas.
Desde então, o jornal não parou de acompanhar a tragédia de perto, sem atrapalhar os resgatistas, policiais e tratando com respeito e empatia as vítimas durante as entrevistas.
SBT NEWS: toque de política
Por outro lado, o SBT News, tardou em anunciar os impactos das enchentes. Só no dia 1 de maio abriu um pequeno espaço do programa “Brasil Agora”, para uma breve reportagem informando que as chuvas já tinham deixado 6 mortos e deixado famílias desabrigadas em 77 cidades no estado. Depois continou por mais de 50 minutos informando sobre as últimas atualizações na política nacional e internacional.
Claro, o programa “não podia” deixar passar que esse era o dia do trabalhador, por isso, enquanto milhares de famílias tentavam procurar um refúgio, o programa matutino finalizou com um “tenha um bom dia, feliz dia do trabalhador”. Nada contra que o jornal tenha continuado com a cobertura de outras notícias no país e no mundo, mas os apresentadores, como bons jornalistas, deveriam ter mais cuidado na forma em que vão conduzir o resto do noticiário.
Algo similar aconteceu com na programação do Primeiro Impacto e no Poder Expresso, nos quais só se reservaram máximo 10 minutos, quase no final da programação, para acompanhar a crise climática nas terras gaúchas, depois o programa continuou como de costume. Já à noite, o SBT BRASIL, abriu o jornal com as últimas atualizações sobre a situação do estado. À medida que a crise continuava se agravando, o jornal foi aumentando o seu foco em atualizar sobre as últimas mudanças na região gaúcha.
Desde o 2 de maio as cabeças da maioria dos programas do telejornal estavam relacionadas às “Últimas atualizações da tragédia no Rio Grande do Sul”, e desde então, até o dia que este texto foi publicado, o telejornal continua abrindo o programa do dia falando sobre as enchentes.
Embora no início as enchentes e seus impactos no Rio Grande do Sul tenham sido pouco abordados, as reportagens apresentadas estavam feitas de maneira adequada, cada informação foi providenciada com muito senso, e cuidado. Ainda assim, senti a falta de uma programação especial com uma cobertura mais abrangente do estado, no início da tragédia.
O jornalismo “barrado”
A SBT se destaca por dar abertura para que os entrevistados expressem seu sentir, descontentamento e contem suas experiências sem cortar a entrevista quando em meio a conversa este menciona ou reclama do governo. Contudo, essa abertura traz consigo o risco de que a pessoa brinde uma informação errada ou incompleta, difícil de comprovar ao vivo, algo que pode trazer consequências até legais para o jornal. Da mesma forma, como toda cobertura jornalística, em especial se o veículo está envolvido diretamente na política, não está isento de polêmicas.
Um claro exemplo disso aconteceu durante o programa Tá na Hora do dia 08 de maio, quando o SBT veiculou uma reportagem que mostravam caminhões com donativos para os gaúchos e entrevistaram caminhoneiros que afirmavam estar sendo barrados nas estradas por fiscais da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para serem pesadas e taxadas, pedindo notas fiscais e autuação.
Entretanto, a ANTT negou essa informação e esclareceu através de uma nota que os veículos de carga passam por balanças nas rodovias, por um procedimento simplificado de fiscalização, e são liberados para seguir viagem. “Não há solicitação de nota fiscal nem aplicação de multas sobre veículos que transportam donativos,” anunciaram.
Alguns dias depois que este pronunciamento foi ao ar, a emissora teve que enfrentar ser chamada de disseminadora de fake news, internautas exagerando o deturpando a informação em discurso de ódio contra a solidariedade passar por processos legais.
Mas a SBT se manteve firme, seguros de que o que mostraram era verdade, informando que se tivessem errado, teria pedido desculpas, ainda assim, para evitar que o problema escale a maiores níveis, retiraram a reportagem do ar.
Segundo a autora da reportagem, Márcia Dantas, “em relação à denúncia dos caminhoneiros, nós apenas reportamos o que aconteceu com a nossa equipe. Houve uma fiscalização, houve multa, nós reportamos isso e a ANTT disse que iria rever essas multas. A situação foi essa e existe uma burocracia que, às vezes, atrapalha a chegada das doações. Mas eu não quero polêmica com isso,” explicou nas suas redes sociais.
Ela continuou dizendo que o seu objetivo como jornalista é fazer com que as pessoas sejam ajudadas de forma mais rápida. “A gente não quer atacar o governo, não queremos atacar lado A ou B, quem falou a verdade ou quem não falou. Nós fizemos a denúncia, a ANTT atendeu ao nosso chamado e mandou uma nota. Esse é o nosso papel”, concluiu a jornalista.
Mas enquanto tudo isso acontecia, persistia a incerteza do público por saber “quem está falando a verdade?” Abrindo uma porta para refletir no papel do governo, os conflitos de interesses políticos, e até mesmo povo, terminam “barrando” e atrapalhando a função do jornalismo em meio a crises. E não podemos esquecer que a mídia tem o poder de influenciar percepções e ações, e sua responsabilidade aumenta exponencialmente em tempos de crise. Portanto, é essencial que os veículos de comunicação mantenham precisão, respeitem a ética, e realizem a cobertura com empatia e bom senso.