Rir para não chorar? – A desvalorização do cinema brasileiro
- 12 de maio de 2021
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Uma análise do sentimento de inferioridade que impede o progresso do cinema nacional brasileiro
Ana Clara Silveira
Muita gente ainda alimenta a ideia de que o cinema brasileiro não tem nada a oferecer além de sensualidade e comédia barata. “Filme brasileiro? Só palavrão!”, era o que ouvia quando criança. Nasci no final dos anos 1990, e confesso a minha frustração em não ter sido ensinada a valorizar o que é nosso. Mas não sou a única. Vários outros brasileiros também deixaram de consumir produtos audiovisuais nacionais por acreditarem que era uma perda de tempo.
Convenhamos que o berço do cinema brasileiro está longe de ser luxuoso e valorizado. Essa arte nasceu em um contexto marginalizado e ainda luta por investimentos para executar produções maiores. Nos faltam políticas públicas que incentivem e velem pelos nossos artistas e pela nossa arte. Nem sequer as indicações e premiações esporádicas parecem trazer à tona o sentimento de que somos capazes de criar bons enredos e ter produções melhores. Mas há um ponto em que concordamos: o brasileiro sabe rir, principalmente de si mesmo.
Criatividade na veia
Há quem diga que temos os melhores memes do mundo. Nos outros países, quiçá pensem da mesma forma. Mas, entre tantas características raras no cinema nacional, filmes de comédia que retratem nossos desafios cotidianos têm uma adesão positiva dos brasileiros. Ainda que não premiados, na roda de amigos os bordões apreendidos em filmes como “Minha mãe é uma peça”, “De pernas pro ar” e outras criações não passam despercebidos. Até porque, volta e meia reproduzimos as expressões em nosso cotidiano.
No entanto, a comédia nem sempre se consolida sozinha. Existe uma mistura que penso ser um caminho assertivo para alcançar mais visibilidade no contexto internacional, e maior sentimento de pertencimento aos brasileiros. As críticas sociais garantem um bom roteiro, influenciam a escolha de trilhas sonoras exóticas e trazem um tom mais relevante ao filme.
O Auto da Compadecida é um exemplo clássico. O longa foi produzido com base na peça teatral de Ariano Suassuna. A graça se dá pelas aventuras de dois amigos nordestinos que sobrevivem a base de golpes. A mistura de regionalismos, religiosidade e outros aspectos garantem boas risadas, mas não dispensam as reflexões. Além dele, o filme “Ó Pai, Ó” também traz à tona um excelente ponto de discussão quanto às questões sociais, mas não deixa de lado o humor. Obras como essa comprovam o potencial brasileiro para boas produções, principalmente associadas a comédia.
O futuro que nos espera
Ainda podemos considerar que o cinema brasileiro está em um estágio embrionário comparado às produções de Hollywood, mas não podemos dizer que somos ignorantes quando o tema é o riso. Se nos falta conhecimento técnico, sobra criatividade para esse gênero. Mas tamanha ignorância e comparação com outros países, nos fazem rechaçar uma característica forte da nossa cultura, e possivelmente um caminho palpável para produções futuras de sucesso.
Somos doutrinados a crer na nossa própria mediocridade, nutrindo um sentimento de inferioridade que impede qualquer progresso, e não apenas no cinema. Mas quanto a esse tema, vale lembrar: o imaginário brasileiro precisa ser o primeiro a mudar em busca da valorização do que é nosso. A partir desse ponto, quem sabe a gente pare de “rir de nervoso” quando o tema for cinema nacional e comecemos a “rir por último e melhor”.