Que a mídia salve a rainha!
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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Uma análise da cobertura da morte da rainha Elizabeth II nos principais jornais do UK, USA, e Brasil.
Cristina Levano
Após 70 anos no trono, com a idade avançada de 96 anos, a Rainha Elizabeth II, que tinha o recorde do reinado mais longo da história do Reino Unido, faleceu em 8 de setembro de 2022. Essa notícia teve um impacto profundo em todo o mundo, especialmente em seu país natal.
Os primeiros sinais de alerta foram percebidos cedo na quinta-feira, quando havia boatos de que a família real estava correndo para estar ao lado da rainha nos seus possíveis últimos momentos, enquanto o Palácio de Buckingham emitiu um comunicado incomum expressando preocupação com a saúde da monarca. Até que, às 14h30 (horário Brasília), o triste anúncio foi feito na BBC World News: a Rainha Elizabeth II havia falecido às 11h10.
A notícia chegou aos jornais de mãos dadas com a necessidade de apurar os fatos para a cobertura da morte. Naqueles dias, na TV, você acompanhava conteúdo que ia desde documentários homenageando e narrando a trajetória da monarca até minutos de silêncio. Era um momento histórico que não podia ser deixado de lado.
Ainda assim, enquanto muitas pessoas choravam pela morte, outros se levantavam para protestar contra a monarquia. Perante essa situação, que posição deveriam tomar os meios de comunicação? Deveriam abrir espaço na cobertura de luto para falar dos problemas no governo da rainha e a crise do Reino Unido? Como honrar a memória de alguém que é considerada uma figura polêmica? Muitos pontos a serem abordados e muitos jornais a serem analisados.
A saturação no Reino Unido
Frases como “Obrigado”!, “Você cumpriu o seu dever”!, “Nossa amada rainha descanse em paz”, “Nossos corações estão partidos”! Durante essa primeira semana de luto, o rosto do monarca invadiu as capas de quase todos os jornais no Reino Unido, inclusive os econômicos como o Financial Times.
Para muitos dos que acompanharam a cobertura do Reino Unido naquele momento poderia gerar a impressão de que o país estava passando por uma crise de histeria coletiva. Os meios de comunicação britânicos estavam completamente saturados com a cobertura da lamentável perda da rainha. Na segunda-feira, 12 de setembro, era praticamente impossível encontrar outra notícia que não estivesse falando alguma coisa da família real, já que quase todos os canais transmitiam sem parar a cobertura do funeral, afinal era a rainha. Não era para menos.
A BBC, que se supõe ser uma emissora de serviço público encarregada de fornecer comentários racionais e equilibrados sobre assuntos atuais, se desviou para discussões sinceras que iam desde aparência da pele da Rainha até quais seriam os novos cachorros reais.
Antes do próprio funeral, a atenção da mídia se concentrou na imensa fila de pessoas que esperavam prestar homenagem ao caixão da monarca. Essa fila se estendia por 8 km, e muitas pessoas passaram mais de 24 horas em pé sob o frio e a chuva, o que resultou em centenas delas adoecerem ou se sentirem exaustas devido à espera. Mas os jornais preferiam questionar as razões por trás da decisão de David Beckham de mostrar sua emoção enquanto usava um chapéu no evento e narrar como esperou 14h na fila para se despedir da rainha.
Poderia se pensar que a razão por trás dessa histeria coletiva reside na crença universal de que todos adoram a Rainha e apoiam fervorosamente a continuidade da monarquia. No entanto, para muitos isso está longe de ser verdade. De acordo com uma pesquisa realizada pela YouGov, antes do falecimento da Rainha, quase 1/4 dos habitantes do Reino Unido acreditava que o país deveria abolir a monarquia, e essa opinião inclui quase um terço dos jovens de 18 a 24 anos.
Muitos julgaram a falta de abordagem das outras crises do Reino Unido durante esses dias como uma estratégia do governo monárquico para esconder os buracos da sociedade e o lado escuro da monarquia. Embora a mídia britânica seja amplamente reconhecida como uma das mais respeitadas do mundo, não se pode ignorar que muitos de seus integrantes fazem parte da elite, fazendo com que as decisões editoriais estejam sob influência do governo. Mas era um momento de comoção mundial, realmente seria ético e necessário abordar aquele tipo de assunto durante os dias de luto pela morte da Rainha ?
USA: preparando a homenagem
Assim mesmo as principais redes de televisão dos Estados Unidos, como a CNN, ABC, CBS NBC, interromperam sua programação regular para transmitir a notícia, e muitos afiliados da Fox também se juntaram à cobertura ao vivo da Fox News.
Como a maioria dos grandes jornais, essas redes de televisão tinham pacotes informativos abrangentes que narravam a história de sua ascensão ao trono, seu casamento, o nascimento de seus filhos (e netos e bisnetos), a trágica morte da Princesa Diana e a morte de seu marido, entre outros momentos marcantes e controvérsias de seus 70 anos de reinado. Apesar da expectativa de sua morte devido à idade avançada da rainha Elizabeth, essas histórias foram impactantes, minuciosamente detalhadas e abrangentes.
É importante destacar que as redes de televisão continuaram com sua cobertura muito tempo depois do anúncio oficial. A CBS News manteve sua cobertura por cerca de uma hora após a notícia, enquanto a ABC News e a NBC News estenderam sua transmissão ainda mais. Enquanto isso, os jornais americanos, como o Washington Post, o New York Times, o Wall Street Journal, o Los Angeles Times e o USA Today, apresentaram em seus sites manchetes destacadas reservadas apenas para as notícias mais impactantes.
Falando sobre a CNN, este é um dos momentos em que a rede brilhou com mais intensidade. Com repórteres no Palácio de Buckingham e em Nova York, a cobertura da CNN incluiu uma análise profunda sobre a vida e o impacto de Elizabeth, bem como a opinião do povo britânico sobre seu reinado e o que o futuro reserva quando o Príncipe Charles assumir o trono como Rei Charles III. A CNN reuniu mais de uma dúzia de especialistas em realeza, além de seus próprios correspondentes, para capturar plenamente a magnitude deste momento histórico.
Brasil: interesse público
Assim como nos jornais estadunidenses, a mídia brasileira também tinha correspondentes acompanhando de perto todos os acontecimentos frente ao Palácio de Buckingham e separaram um espaço para realizar a cobertura especial. O rosto da rainha também era vista na capa dos jornais, mas a saturação de informação, não foi tão sentida quanto a dos meios britânicos.
A maior parte dos jornais brasileiros como a Globo, Folha de São Paulo, Bandnews entre outras, tentaram manter a imparcialidade, abordando assuntos que narram o acontecimento, homenageie e expliquem as repercussões da perda no âmbito global e em especial como isso afeta a política e economia brasileira.
Inclusive, a cobertura deste sucesso foi positiva para algumas redes televisivas. Por exemplo, durante os dias de cobertura do óbito da rainha a GloboNews teve uma audiência 48% acima da média das quatro quintas-feiras anteriores. O canal registrou também uma audiência 53% maior do que a soma da concorrência.
No entanto, é necessário levar em consideração que a mídia brasileira dependia da informação entregue pelos seus correspondentes, e de alguma forma também dos veículos britânicos e anunciantes do governo europeu.
Em um contexto de notícias que operam 24 horas por dia, em que diferentes canais de televisão competem pela audiência, ou em uma era de redes sociais onde empresas de tecnologia lutaram por cliques e atenção do público, em especial quanto tem um grande acontecimento, é comum questionar decisões dos diversos jornais, e da mídia em si.
Por outro lado, também temos que reconhecer que por ser um momento histórico, não tem como alguém querer ficar por fora. Afinal, o objetivo da existência dos meios de comunicação é informar.