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Quando o afeto vira espetáculo

  • 3 de setembro de 2025
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  • Theillyson Lima
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A exposição de crianças nas redes sociais pelas próprias famílias escancara práticas de adultização, exploração e riscos de violação da privacidade.

Amanda Talita

A divulgação frequente de fotos, vídeos e momentos pessoais de crianças nas redes sociais deixou de ser apenas uma tendência; transformou-se em uma prática comum para muitas famílias, sobretudo quando os pais são conhecidos ou desejam criar uma presença digital. Essa é a situação de muitos filhos de artistas, famosos da mídia e influenciadores digitais, que já vêm ao mundo e iniciam seus primeiros passos sob os olhares atentos e muitas vezes críticos dos internautas de todo o país.

Ainda no útero materno, mas já com milhões de seguidores nas redes sociais. Além de serem registros afetivos, essas postagens tornam a infância um espetáculo público, o que pode ter efeitos profundos e duradouros no desenvolvimento emocional e social das crianças.

O fenômeno se intensificou com o surgimento de plataformas como Instagram, TikTok e YouTube, que priorizam a visibilidade e o engajamento. Curiosamente, quanto maior a audiência, mais intensa se torna a exposição, criando um ciclo difícil de interromper.

Sob o olhar do outro

Crianças pequenas não têm a maturidade cognitiva e emocional necessária para decidir sobre a divulgação de sua própria imagem. Assim, essa responsabilidade recai sobre os responsáveis. Uma vez que a imagem que parece inofensiva, anos depois, pode tornar-se motivo de constrangimento, bullying ou até ser usada de maneira criminosa em perfis falsos e redes de exploração.

Só em 2023, a SaferNet Brasil recebeu mais de 15 mil denúncias de pornografia infantil na internet, muitas delas envolvendo imagens inicialmente compartilhadas pelos próprios familiares, sem intenção criminosa. O que hoje parece apenas uma lembrança inofensiva, publicada para amigos e parentes, pode se tornar, amanhã, anos de terapia.

A exposição também acarreta riscos reais de segurança. Fotografias que retratam rotinas, lugares visitados e costumes familiares frequentemente servem como pistas úteis para indivíduos de má-fé. Quando esses materiais são disponibilizados em perfis públicos, eles criam um autêntico “mapa” da vida da criança. Não é por acaso que especialistas em cibersegurança alertam que criminosos usam exatamente esses dados para realizar fraudes e simular sequestros virtuais. O Ministério da Justiça registrou um aumento de mais de 30% nesse tipo de caso entre 2021 e 2023, frequentemente impulsionado por informações fornecidas, mesmo que involuntariamente, pelas famílias.

Briga de adulto?

O caso de Virginia e seu filho José ilustra bem esse fenômeno: após compartilhar com seus seguidores a internação do próprio filho, a apresentadora Virginia Fonseca postou um print das visualizações e celebrou o engajamento em suas redes sociais decorrente da exposição de um momento tão delicado, com seu bebê que estava apenas com cinco meses na época.

Conhecida por postar sua rotina diariamente nas redes sociais, a influenciadora “alimenta” seu engajamento, utilizando a imagem dos filhos, que consequentemente viram figurinhas, vídeos e assuntos de comentários feitos por internautas, muitas vezes sem controle nenhum.

Quando adultos transformam suas vidas pessoais em espetáculo nas redes sociais, quem mais sofre são os filhos. Neymar, por exemplo, já foi envolvido em disputas públicas entre mães de seus filhos, e o efeito colateral mais evidente é que as crianças acabam completamente expostas, usadas como moeda de conflito.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, temos Luana Piovani, que ao expor seu relacionamento com o ex-marido Scooby, seus filhos se tornam figuras centrais nas discussões públicas, direta ou indiretamente. Postagens, indiretas e repercussões online moldam a percepção que as crianças têm de sua própria vida familiar, fazendo com que eventos privados sejam constantemente interpretados e comentados por terceiros.

Há inúmeros exemplos que ilustram esse cenário. Influenciadoras aparecem dançando e usando roupas hipersexualizadas desde cedo, enquanto cantores e atores mirins muitas vezes têm seus primeiros contatos com a mídia mediados por interesses financeiros de familiares. É o caso de Melody, cujo pai explorava a percepção de que ela tinha apenas 13 anos, aproveitando-se disso para gerar engajamento, lançar músicas e repercutir polêmicas ao longo dos anos. Outro exemplo é Larissa Manoela, cujos pais conseguiram se apropriar de grande parte do patrimônio que ela construiu e atualmente nem participam de sua vida.

Entre registro afetivo e exploração

Registrar a infância sempre foi uma forma de preservar memórias familiares, mas com essa popularização, tudo ficou diferente. O que originalmente seria lembrança pessoal passa a ser consumido por um público externo: aniversários, primeiros passos e momentos delicados da criança tornam-se materiais de entretenimento, engajamento e até lucro.

Perfis que antes eram voltados para moda, lifestyle ou humor acabam se transformando em vitrines centradas no bebê. Plataformas digitais evidenciam que o público, muitas vezes já fiel, passa a consumir quase exclusivamente postagens sobre a vida do filho, que se torna protagonista de cada vídeo, história ou foto.

Pesquisadores do desenvolvimento infantil, como Sonia Livingstone (London School of Economics), destacam que a observação constante nas plataformas digitais pode alterar a percepção de autonomia das crianças. Ao notar que cada ação ou expressão gera uma reação pública, elas tendem a desenvolver ansiedade, baixa autoconfiança e dificuldades em estabelecer limites entre vida privada e pública. Assim, a formação da identidade deixa de se apoiar apenas em experiências familiares e passa a ser moldada também por aprovações, comentários e comparações externas.

Não é uma questão de proibir o registro afetivo. É legítimo comemorar conquistas, registrar momentos e compartilhar experiências. A distinção reside na intenção e no controle: ao passo que o registro emocional mantém as lembranças, a exploração digital converte a vida da criança em um cenário para interesses alheios, impactando seu desenvolvimento e limitando sua liberdade de escolha.

Infância não é mercadoria

Ao se acostumarem a avaliar seu valor por meio de curtidas e comentários, muitos jovens passam a entender que o reconhecimento e o pertencimento estão atrelados à aprovação dos outros. Isso impacta a formação da identidade e as relações interpessoais, uma vez que emoções e atitudes passam a ser moldadas para o público em vez de para o indivíduo.

A exposição constante também leva à comparação social, competição entre colegas e sensação de inadequação, além da sexualização precoce. Além disso, a comparação com imagens e padrões idealizados pode levar a sentimentos de ansiedade, insegurança e, em casos mais graves, depressão. Isso é constatado por uma revisão da literatura científica realizada pela UNIFESP, que vincula o uso excessivo de redes sociais a transtornos como ansiedade e depressão.

Quase metade das crianças não controla quem tem acesso ao que é compartilhado, aumentando o risco de contatos indesejados, roubo de informações pessoais ou assédio. Do ponto de vista legal, a divulgação de imagens e detalhes sem cuidado pode violar direitos fundamentais à privacidade e à proteção da infância, com possíveis consequências para os responsáveis.

Entre janeiro e julho de 2025, o Brasil registrou 49.336 denúncias anônimas de abuso e exploração sexual infantil na internet, um aumento de 18,9% em relação ao mesmo período de 2024, segundo relatório divulgado também pela SaferNet Brasil. Esses casos representam 64% de todas as notificações de crimes cibernéticos recebidas pela organização, evidenciando a dimensão do problema no país.

O relatório também alerta para o uso crescente de tecnologias, como inteligência artificial, para criar imagens e vídeos de abuso sexual infantil, incluindo deepfakes, o que amplia ainda mais os riscos enfrentados pelos menores.

A recomendação é que os adultos estabeleçam limites, reservem momentos longe das telas e valorizem experiências e conquistas que não dependam de aprovação externa. Incentivar a autoestima e a confiança pessoal, de forma que a criança aprenda a se reconhecer e se valorizar independentemente da reação de terceiros, é essencial para um desenvolvimento saudável. 

 

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