Qual será sua escolha?
- 22 de setembro de 2015
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- Thamires Mattos
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Aline Oliveira
1999 pode ser considerado o ano da profecia. Período em que o mundo oscilou, movido por teorias diversas, entre dúvidas sobre o fim da vida como conhecida, o fim do planeta. Seria o apocalipse? Neste mesmo ano, os irmãos Wachowski criaram e produziram o filme Matrix. Uma obra emblemática, rica em significados, que referencia literatura, religião, filosofia e outras ciências. O enredo se foca em Thomas Anderson/Neo, um hacker (nas horas vagas) e programador de sistemas da empresa de sotware MetaCortex (no horário comercial). Aparentemente, o mundo de Neo é perfeito, mas tudo não passa de uma ilusão. A realidade é que a humanidade está submetida a uma tirania das máquinas. O planeta vive uma espécie de caos derivado da épica batalha entre homens e máquinas. Com a derrota da humanidade para a inteligência artificial, as máquinas passam a criar humanos em série, como uma plantação. A utilidade da espécie se torna, unicamente, prover energia para o funcionamento das rivais. A vida que cada homem vive, não passa de uma simulação computadorizada que é conectada à sua mente, que sobrevive em estado de coma permanente. Uma realidade distópica, onde o homem, dominado e controlado, sequer se dá conta de tal estado.
Os Wachowski produziram, ainda, 2 continuações para o filme. Em síntese, a triologia critica a relação do homem com o Capital. Enfatizando aspectos que, longe de serem reflexões distópicas de um futuro distante, já fazem parte da realidade presente. Momento em que o homem só é valorizado pelo que tem a oferecer a um sistema. Assim como a humanidade é fonte de energia para o abastecimento das máquinas em Matrix, no mundo real ela é apenas fonte de renda para o capitalismo. Perde sua humanidade e se torna material que movimenta a economia do sistema (sua energia). Aceitar tal condição (como humano), se conformar com esta realidade, é conceder ao Capital força de dominação. É pela passividade humana que o capitalismo submete, influencia o pensamento, potencializa o poder midiático de convencimento e manutenção do status quo . Uma mídia que produz simulações da realidade, que cria e impõe símbolos capazes de exercer mais poder sobre o homem que a própria realidade. Conceitos defendidos por Jean Baudrillard, em seu livro Simulacros e Simulações. A obra é bastante referenciada no filme e embasou as abstrações de seus criadores.
O conformismo social e a falta de esperança em algo melhor/diferente (características de realidades distópicas), se tornam reais, se estabelecem por meio da atuação das mídias em conluio com o sistema. Produzindo na humanidade a incapacidade de reconhecer a realidade e a necessidade de aceitar ilusões que são oeferecidas pelo governo e pela mídia. O simulacro se torna a verdade e desta verdade (a ilusão) quem pode discordar? Com que argumentos, com quais provas? A mídia atua como um meio de manutenção do sistema economico-social vigente. E mesmo que faça críticas a organização, pode-se notar que seu efeito objetiva apenas sedimentar no imaginário popular o fato de que “as coisas assim são” e que nada se pode fazer.
Lazarsfeld e Merton, em suas teorias sobre o efeito das mídias na sociedade, afirmam que quando um meio comunicativo se volta ao atendimento da massa, automaticamente, se organiza em função de interesses comerciais. Portanto, renuncia, “imediatamente a seus objetivos sociais quando estes se mostram incompatíveis com os lucros econômicos”. Ao invés de levar a sociedade a um estágio de reflexão para crescimento e mudança, para a descoberta do “real”, se presta a construção de simulacros que visam à uma espécie de ilusionismo de controle. E se por acaso remoto, o homem entra em contato com o verdadeiro, o real, é incapaz de entendê-lo, aceitá-lo, vivê-lo.
Quando Neo, logo no início da saga, se encontra com Trinity, vê-se frente a única motivação capaz de quebrar o ciclo de conformismo. Ela lhe diz: “é a pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui, assim como eu”. Para que Neo conhecesse a verdade era necessário que ele tivesse dúvidas a respeito da realidade em que vivia. Era necessário que percebesse incongruências no sistema, na ilusão oferecida, e a necessidade de explorar questões e pontos pouco discutidos. Em comparação com a realidade presente, há uma ausência de questionamentos. Uma ausência de percepção reflexiva. E somente isto é capaz de movimentar a sociedade para longe do conformismo, do simulacro, da falta de esperança quanto ao futuro. Sem perguntas não há debate. Sem debate não há produção de conhecimento. E sem conhecimento não pode haver libertação e crescicmento. O conhecimento desperta a ação. E é porr meio dela que o homem se liberta de sua situação dependente e ilusória.
Morpheus, que lidera a rebelião contra a Matrix, revela a Neo a existência de um mundo real e de outro simulado. Oferece a verdade ou a conformação, uma escolha: pílula vermelha ou azul. Ao escolher a pílula vermelha, Neo está agindo contra a Matrix e o que foi imposto a ele. A cada vez que a humanidade se volta à dúvida, questiona o imposto, está escolhendo a pílula vermelha. E com isto, se libertanto do poder manipulatório exercido pelo sistema e pela mídia. Em uma nada sutil referência bíblica, “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Neo representa o Mito da Caverna de Platão. Ao acordar do sonho produzido pela Matrix, sente dor ao exergar, afinal, é a primeira vez que abre os olhos. Tal qual os moradores da caverna do grego, vivendo em um mundo de sombras, de fracas alusões ao real, Neo finalmente fica cara a cara com o sol. Os filmes também são uma alusão ao poder da escolha do sujeito.
Em seu primeiro encontro com Neo, Morpheus levanta alguns questionamentos: “Você já teve um sonho Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não conseguisse acordar desse sonho? Como você saberia a diferença entre o mundo dos sonhos e o mundo real?”. A escolha de conhecer a verdade tecnicamente, pertence somente a Neo. Mas não seria isto outro mecanismo de conformação midiática? O engano de nos fazer crer que há escolha possível? Escolher já não seria outra simulação? Existe a possibilidade de libertação da Matrix contemporânea? A pílula vermelha realmente poderia nos libertar do controle exercido pelos meios, pelo sistema, pelo capital, ou não passa de placebo?
Pior que isto, seria a possibilidade de escolha ser real, mas conscientimente recusada. Queremos nos libertar? Porque desejaríamos isto? Cypher, em um dos interessantíssimos diálogo do filme, exprime em palavras o sentimento de uma sociedade massificada, mediocrizada e alienada. “A ignorância é uma benção”. Que tipo de escolha é esta?