A pauta é de quem paga a conta
- 26 de abril de 2017
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- Thamires Mattos
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A mídia é carregada de ideologia, é uma empresa gerida pelo capitalismo e por isso trabalha a serviço de determinados grupos. Assim sendo, o interesse de quem a mantém sempre falará mais alto
Luciana Ferreira da Silva
Tão utópico quanto o socialismo de Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier, é a ideia de imparcialidade midiática. Alguns “inocentes” defensores da mídia algoz acreditam que esta, e aqui destacamos principalmente o jornalismo, trabalha exclusivamente a serviço da sociedade. O quarto-poder, o qual se posiciona como os ouvidos, olhos e voz daqueles que não têm vez em meio ao domínio de uma poderosa elite.
Pois bem, o socialismo utópico pregava a criação de uma sociedade igualitária e ideal, alcançada graças à boa vontade burguesa. Essa classe surgiu ainda na época feudal e por ser menosprezada pela nobreza tinha no comércio a única forma de subsistência. Esse flashback na história serve para mostrar que toda instituição, classe possui um discurso mantenedor, mesmo que de forma implícita.
A escritora Sylvia Moretzsohn, no livro Pensando contra os fatos: jornalismo e cotidiano – do senso comum ao sendo crítico, remonta a origem do jornalismo ao século XIII, com informações marítimas divulgadas em folhetins e comerciais atendendo a demanda mercantilista da época. Se tomarmos como certo os dados divulgados por Moretzsohn podemos observar desde seus primórdios um jornalismo parcial e tendencioso.
Devolta ao presente, nos deparamos com um crescimento impressionante, e em alguns momentos inacreditável, de frentes fundamentalistas com um discurso extremista, machista, preconceituoso e xenofóbico, mas que curiosamente vem ganhando força. Mais intrigante ainda, é o fato de grande parte destes discursos, proferida por uma elite capitalista (os burgueses da modernidade), ter ganhado adesão da massa. Uma mesma massa que antes clamava pela igualdade, pelo fim da divisão, da segregação. E a mídia, vista por alguns como os olhos da sociedade, dos sem vozes, na verdade parece se deliciar em ora divulgar esses discursos, ora destroná-los. Qual seria motivação para justificar essa postura midiática?
Analisemos os fatos: Donald Trump, o até então mito estadunidense, parecia desagradar à gregos e troianos, mas de uma hora para outra saltou do Olímpio para realidade dos semideuses e meros mortais. Bastou chegar o grande dia das eleições para constatar que Trump foi elevado ao poder por aqueles que outrora afirmavam jamais votar no candidato. A mídia executou com presteza seu papel de apresentar as atrocidades discursivas do republicano, mas não deu muito certo e ele ganhou.
A virada de 2016 para 2017 parece ter esquentado mais ainda a relação “amorosa” entre mídia e Trump. Já na primeira visita oficial à sede da CIA, o presidente norte americano afirmou estar em guerra com a mídia, de acordo com matéria divulgada pela revista Veja. “Eles estão entre os seres humanos mais desonestos na Terra”, declarou o diplomata. Segundo ele, as fotos apresentadas pelos veículos de comunicação em sua posse não mostraram de fato a multidão de 1,5 milhão de pessoas ali presente. Além disso, Trump responsabilizou a imprensa pela tensão entre ele e a CIA. E a troca de farpas entre mídia e Donald parecem não ter fim. Todavia, como tudo na comunicação tende a pender para o mais conveniente, não nós surpreenderíamos se daqui um tempo esses opostos fossem flechados pelo cúpido da cortesia e fizessem as pazes.
Ainda na América, mais especificamente no Brasil, Jair Bolsonaro tem se mostrado um novo Trump e a mídia, ainda que de forma aparentemente tímida, segue acompanhando os passos do possível candidato à presidência da república para 2018 e mostrando para quem quiser ver como de fato é o político.
Interessante, se não impressionante, ser esta a mesma mídia que tempos atrás “elegeu” Lula, perpetuou o reinado do PT com Dilma, desbancou o partido trabalhista de sua cadeira patronal, elevou Temer ao poder e agora parece se manter calma e fazer jus ao seu papel de imparcialidade. Pelo menos enquanto convém, a relação entre Temer e os veículos de comunicação parece ir à mil maravilhas. Por quanto tempo? Parece redundante, mas somente o tempo poderá nos dizer.
E o tour pela impressa sul americana não encerra sua parada no Brasil. A mesma mídia viajou de mala e cuia para Colômbia, a fim de “imparcialmente” informar sobre a situação das Farc e do governo colombiano. O não dos colombianos ao acordo de paz parece ter chocado o mundo e os meios de difusão da informação, por meio de fortes imagens de choro, desespero, se preocupou em supor que aquela poderia não ser a melhor hipótese.
Na matéria Colombianos disseram não ao acordo de paz com as Farc do G1, por exemplo, existem poucos argumentos que justifiquem esse não. Apenas nas duas últimas linhas o veículo mostra alguns motivos pelos quais parte da população votou pelo não.Embora, outra matéria já tivesse sido divulgada (Por que a Colômbia disse “não” ao acordo de paz com as Farc) apontando alguns porquês do resultado, o leitor que não acompanha o desenrolar desse assunto e não viu essa última matéria, possivelmente poderá desenvolver a ideia de que o “não” da sociedade surgiu sem argumentos.
Do início do acordo até sua concretização muita coisa foi mostrada pela mídia. Veículos como BBC e El País Brasil pareciam tentar se manter o mais próximo possível da neutralidade. Outros, como G1, apresentavam notícias oscilantes. Em alguns momentos, como na matéria intitulada Colômbia firma (de novo) a paz com as Farc: qual é o próximo capítulo dessa saga?, parecia ser o governo o culpado pela demora no processo. Em outros, os guerrilheiros eram chamados de rebeldes, dando uma noção pejorativa ao grupo. Observamos mais matérias nas quais o presidente da Colômbia é sempre mostrado como agente que busca o acordo, enquanto as Farc parecem não se prontificar a dar o ponto pé inicial para esse processo.
Enfim, são vários os exemplos, e não é nosso objetivo neste curto espaço deixar o leitor chateado com o excesso de informações. Até porque você pode entrar no site dos veículos e visualizar as reportagens a qualquer momento. O que aqui se tentou fazer é conscientizar de que nada nesse mundo é imparcial. A mídia é carregada de ideologia, é uma empresa gerida pelo capitalismo e por isso trabalha a serviço de determinados grupos. Assim sendo, o interesse de quem a mantém sempre falará mais alto. No final das contas, fala-se bem de quem paga as contas.