Para você, quem é o branco no Brasil?
- 29 de março de 2023
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- Theillyson Lima
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A cor que, apesar de todos os privilégios, também tem suas lutas.
Ana Júlia Alem
Você sabe o que é ser branco? Aliás, quem sabe o que é ser branco? Quem definiu o que é ser branco? Olha, vou ser sincera! Quando estava pesquisando sobre o tema, percebi que, na verdade, não sei o que é “ser branca”, de fato. Porém, após um tempo de estudo, entendi que a identidade racial branca não se constrói apenas em função da cor da pele, já que a branquitude não se resume apenas em dimensões corpóreas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a principal característica de pessoas brancas é a ascendência exclusiva europeia, mas, sejamos francos: isso não existe muito no Brasil. Durante o início da colonização, grande parte dos europeus que vieram ao Brasil eram homens, o que fez com que os colonos portugueses se relacionassem com mulheres indígenas ou africanas, dando origem a uma população miscigenada.
Dessas relações, denominadas de acasalamento preferencial, surgiram indivíduos com fenótipos diferentes, como crianças negras com traços europeus. Em seguida, estes com traços europeus casavam-se com os, de fato, europeus, ao passo que pessoas com traços africanos relacionavam-se com pessoas parecidas. Assim, formou-se no Brasil uma população mais “clara”, que, com o tempo foi se autodeclarando como “branca”.
Sendo assim, podemos concluir que “ser branco” atualmente no Brasil não está relacionado às origens de alguém, e sim com os fenótipos que ele possui. Ainda conforme as definições do IBGE, a classificação de cor e raça de alguém é definida a partir de como o indivíduo se autodeclara. Por exemplo, alguns anos atrás, o jogador Ronaldo Fenômeno se definiu como branco, mesmo que seus pais afirmassem que ele era pardo. Então, entendemos que, se um indivíduo se considera branco, pardo, negro, indígena ou amarelo, é como branco, pardo, negro, indígena ou amarelo que ele deve se declarar.
Talvez tenhamos encontrado uma resposta em relação ao que é “ser branco”. Se ser branco não está relacionado somente à origens e fenótipos, e sim como a maneira que alguém se declara, a definição é relativa. Porém, após ter entendido a definição, cheguei a um outro questionamento: será que todos pensam assim? Concluí que não, e é sobre isso que vamos debater nesse texto. Você já ouviu falar de colorismo?
Colorismo branco
Primeiramente, vamos entender o que é Colorismo. Ele surgiu em 1982 quando a escritora Alice Walker definiu o termo em seu livro “If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like?” (em tradução livre: “Se o presente se parece com o passado, como será o futuro?”). É um termo que define a criação de diferentes tonalidades de pele de uma mesma cor com o objetivo de criar mais oportunidades para pessoas com pele mais clara e “dificultar” a de quem tem pele mais escura.
Ou seja, o colorismo diferencia as tonalidades de pele como se isso tornasse um indivíduo menos negro mais semelhante ao branco. Parece meio estranho pensar nisso, mas isso também acontece com pessoas brancas, e chamamos essa prática de colorismo branco. É comum acreditar que pessoas brancas obtenham alguns privilégios apenas por serem brancas, e isso realmente acontece, mas nem sempre da mesma forma.
A artista brasileira Angélica Dass é a idealizadora do Projeto Humanae, que por meio de fotos, busca documentar as reais cores da humanidade para deixar de lado as etiquetas inadequadas associadas à raça. O projeto, que ainda está em evolução, tem como principal objetivo mostrar que o que define o ser humano é a sua singularidade e diversidade.
Ele despertou minha curiosidade, mas duas fotografias específicas me chamaram a atenção (Tonalidades Pantone 58-7 C). Elas retratavam mulheres consideradas brancas, mas com fenótipos completamente distintos. Enquanto uma delas possui cabelos louros, olhos claros e traços europeus, a outra carrega cabelos crespos, olhos castanhos, nariz e lábios mais grossos. Ao refletir sobre essas imagens percebi que, apesar de serem brancas, é muito provável que uma delas tenha tido mais oportunidades que a outra apenas por terem características físicas diferentes. Esse é um exemplo claro de colorismo branco.
Pode ser que com elas isso nunca tenha acontecido, porém, segundo uma pesquisa realizada pela Pew Research Center, cerca de três em cada dez latinos com cor de pele mais clara (29%) passaram por situações de discriminação por causa de sua origem nos Estados Unidos, enquanto 64% com pele mais escura afirmam ter passado pelas mesmas situações. Entre as experiências de discriminação incluídas na pesquisa, ser tratado como se não fosse inteligente é a mais relatada, alcançando cerca de 42% dos entrevistados com pele mais escura. A taxa de pessoas com tons de pele mais claros chegou a 34%.
Com isso, entendemos que os significados construídos sobre sobre a branquitude fazem com que surjam novas diferenças e hierarquias internas. Ou seja, quanto maior a quantidade de traços que a tornem mais próxima do padrão da branquitude, menos efeitos do colorismo serão sofridos. Mas o que faz com que uma pessoa autodeclarada branca se aproxime ou se distancie mais do padrão pré-estabelecido?
O poder do fenótipo em relação às origens
O valor de branquitude, como afirma Liv Sovik em seu livro “Aqui ninguém é branco”, está relacionado diretamente à origem étnica europeia. Portanto, há uma hierarquia entre os brancos que se associa a quanto um branco carrega desta origem. Então, como dito anteriormente, as características físicas, como cabelo, olhos e traços faciais nivelam e influenciam a ideia de origem e ancestralidade.
No Brasil, poucos conteúdos tratam sobre colorismo branco, porém, uma das teses que encontrei continha entrevistas que mostravam exatamente este cenário. Um dos entrevistados disse: “Meu olho é claro, eu tenho cara de europeia, não tenho cara de brasileira. Tem aquele branco meio sujinho, né? Uma cor meio suja, diferente do branco de verdade. O branco ralé é o mestiço, é o sarará, é aquele que tem a pele branca e o cabelo crespo. A pele dele é branca, mas tem traços de negro. Então ele não é branco, é negro”.
“Tem muito nordestino branco. Mas nordestino pra mim não é branco, é nordestino. Uma mistura de português, índios e negros. O nordestino não é quem nasceu no nordeste, por exemplo, o cantor Otho, ele nasceu no nordeste, mas não é nordestino. Ele tem cara de branco europeu, não tem cabeça chata”, comenta outro entrevistado.
Esses são apenas dois relatos de tantos que retratavam o colorismo branco, algo que, mesmo que não pareça, está presente em nossos dias. Ou seja, a ideia construída a partir da ideia de raça faz com que existem graus e graus de branquitude. A desvalorização se encontra em pessoas que, apesar da pele clara, têm fenótipos e culturas diferentes.
Os problemas existentes entre gênero, raça e classe
Além dos problemas encontrados na distinção entre os fenótipos, outro ponto que distancia ou aproxima uma pessoa do padrão estético no Brasil, fortalecendo ainda mais o colorismo branco, é a hierarquia encontrada nos gêneros. Conforme a tese citada anteriormente, feita por Lia Schucman, percebemos que no topo estão homens brancos, seguidos de mulheres brancas, homens negros e, por fim, mulheres negras. Segundo a autora, essa realidade se dá por mecanismos de discrimanação, preconceitos e diferenciação presentes em históricos estruturais.
“Ah, você sabe como é o mundo, né? Nós mulheres temos que ser bonitas, estar com boa aparência e arrumadas sempre que possível. Homens precisam ser bem sucedidos e másculos”, pondera uma das entrevistadas.
Lendo outros depoimentos, entendi que a mistura entre raça e gênero se encontra, principalmente, em relacionamentos amorosos. O que eu quero dizer com isso? Quanto mais acima um indivíduo estiver na hierarquia entre gêneros, mais poder de escolha ele terá para definir com que se relaciona. Tudo isso é consequência de um estigma de padrão de beleza que foi enraizado em nossas cabeças desde que éramos crianças.
Para exemplificar o que disse acima vou utilizar uma fala que me chamou atenção: segundo a entrevistada, ela não se encaixa nos padrões de beleza exigidos. Por isso, ela não tem “poder de escolha” para decidir se relacionar com um homem branco. Entretanto, ela pode escolher homens não brancos. Ou seja, a branquitude dela dá a possibilidade de escolher alguém em um lugar mais abaixo na hierarquia social. Sinceramente, esse pensamento é absurdo. Entendo que podemos escolher pessoas que nos atraem, mas, com certeza, não devemos permitir que os padrões estéticos fechem nossos olhos para alguém simplesmente por não suprir padrões que geralmente são impossíveis.
Outra categoria que mais marca as diferenças internas dentro do grupo “branco” são as condições socioeconômicas de cada um. Claramente existe uma associação do branco à riqueza e acesso aos recursos, e isso também faz com que os indivíduos se aproximem ou se afastem dos significados atribuídos à branquitude. Com isso, entendemos que, no imaginário de parte da sociedade, existe uma linha que divide quem é o branco de elite do branco “normal”. Então, além de todas as divisões enraizadas na sociedade, a condição econômica do indivíduo é mais uma delas.
Viva à nossa singularidade!
Como vimos anteriormente, a branquitude carrega significados de padrões de beleza, socioeconômicos e muitos outros. No entanto, todos podem ser desconstruídos através de vivências que separem a brancura da pele do lugar de poder dado à branquitude.
Para que possamos sair deste cenário em que todos estão divididos, a sociedade como um todo precisa ampliar sua perspectiva histórica e social que envolve as etnias brasileiras. Temos que entender que jamais seremos todos iguais e é isso que nos torna tão especiais. A nossa diversidade nos faz ser quem somos. A nossa singularidade nos define.