Ordem e progresso?
- 25 de outubro de 2016
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- Thamires Mattos
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A política brasileira é pauta universal nos últimos dias. A retranca: Golpe de Estado
Victória Coelho
2014, ano de eleições presidenciais. Uma das mais emblemáticas da história do país. Faltando pouco para o aguardado mês de outubro, uma tragédia abalou os brasileiros e os simpatizantes de um dos candidatos à presidência. Eduardo Campos faleceu, vítima de um acidente aéreo. O clima de luto no mês de agosto transformou-se em tensão dois meses depois. O resultado das urnas confirmou: não havia um presidente eleito. As votações foram para o segundo turno e a tensão transformou-se em euforia para os petistas. Dilma foi eleita, mais uma vez.
Ruas e avenidas dos diversos estados do país do verde e amarelo ficaram repletas de bandeiras vermelhas. Os petistas vibraram por mais uma vitória consecutiva do seu governo. No dia 26 de outubro finalizava-se o momento impar que é uma eleição presidencial, mas o que nem todos imaginavam é que a partir daquele dia, uma guerra havia se iniciado.
Que comecem os jogos
2016, ano que ficaria marcado na história do pátria amada. A Rio 2016 teria essa função, o evento suntuoso prometia emblemar a trajetória do Brasil. Mas as Olímpiadas nem haviam começado e 2016 já mostrava a que veio. O jogo começou, nesse caso, na capital do Brasil. No dia 12 de maio de 2016, a presidente Dilma Rousseff foi afastada de sua função pelo Senado Federal e, três meses depois, o senado aprovou o processo de impeachment da presidente que foi apartada definitivamente do Palácio do Planalto.
Passaram-se mais de 90 dias desde o afastamento até a perda do mandato de Dilma e a palavra golpe ecoou nas mais variadas formas de se comunicar. A mídia, as redes sociais, os políticos e o povo: “foi golpe”, “não foi golpe”. Para o cientista político, Rafael Moreira, os brasileiros vivem uma conjuntura na qual o “binarismo” tem imperado, e qualquer um que use o termo golpe rapidamente passa a ser associado com o PT ou com o governo Dilma. “O que acabamos de presenciar no Brasil foi um golpe parlamentar, mas no caso de um regime presidencialista como o nosso, os mandatos são fixos, estabelecidos desde a Constituição de 88, e por mais que um presidente tenha pouca base de sustentação no Congresso e pouca popularidade, seu mandato deve ser respeitado até o fim, até porque se paga o preço por isso nas urnas”, argumenta.
Diante de todo esse contexto complexo, uma certeza: a presença ativa dos veículos de comunicação. Formadora de opinião, a idolatrada “salve, salve” grande mídia deixou a desejar. Thiago Sousa, universitário da geração Y, já faz parte de um grupo de mais de 144 milhões de eleitores. O estudante lamenta que poucos dos seus compatriotas buscam entender a política brasileira. “A mídia, muitas vezes, faz o jogo das elites ou simplesmente presta serviço para uma determinada ideologia, ou seja, constantemente a mídia é tendenciosa”, afirma.
Qualquer semelhança seria mera coincidência?
O contexto político de 2016, não é algo inédito. Ao se falar em golpe, se pode voltar muito no tempo. Esta não é uma prática recente. Em 509 a.C., por exemplo, os membros da dinastia Tarquin, liderada por Lúcio Júnio Bruto, derrubaram o rei de Roma, “Tarquínio, o Soberbo” e estabeleceram a República Romana. Mais recentemente, de volta às terras uma vez mais ouve-se falar em golpe. Dessa vez, em 1964. Na emblemática data o presidente João Goulart, foi destituído de seu cargo.
O historiador Fábio Darius classifica o Golpe Civil-Militar de 1964 como um processo rápido, sistemático, antidemocrático e violento de desestruturação do Brasil em todos os sentidos. “O que houve na verdade foi um cerceamento das liberdades individuais, professores e estudantes presos, a extinção de disciplinas elementares como Filosofia e Sociologia, causando um retrocesso de décadas em nosso país, retrocesso do qual ainda não nos recuperamos”, enfatiza. O golpe de 64, como acabou popularmente conhecido, “ficou marcado pelas corrupções múltiplas jamais esclarecidas, mortes incontáveis e uma sensação de falsa segurança e de um falso crescimento econômico, visto que as parcelas de tudo isso pagamos até hoje”, completa.
É claro que não existen indícios da relação da mídia com o golpe perpetrado lá na longínqua Roma, em 509 a.c., mas no que concerne ao Golpe de 64, a utópica imparcialidade e a tão discutida manipulação se fez presente na cobertura midiática. “Foi um momento em que a mídia fatalmente convenceu grossas camadas da população brasileira, principalmente da classe média, a acreditar que o país estava se alinhando aos ideais soviéticos”, esclarece Darius.
Em 1964, o jornal Correio da Manhã apresentava um editorial contra Goulart que dizia: “Basta: ‘não é possível continuar neste caos em todos os sentidos e em todos os setores. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro. Basta de farsa’”. Em 2016, o jornal O Estado de São Paulo apresenta um editorial contra Dilma com título: “Chegou a hora de dizer basta”. Alguma similaridade?
Para Moreira, qualquer semelhança, não seria mera coincidência. O cientista político explica que ambos os governos (vigentes em cada um dos contextos – 1964/2016) não eram comunistas, longe disto. No entanto foram taxados desta forma por determinados setores da sociedade simplesmente por promoverem como eixo central de suas agendas políticas a redução das desigualdades no país. “Ambas as conjunturas econômicas eram de crise, argumento utilizado para justificar os dois golpes; ambos os golpes, apesar de terem sido levados adiante por atores políticos distintos, tiveram ar de ‘legalidade’ e evitaram usar o termo golpe para se referir ao que fizeram”, aponta. Moreira também observa que, embora estas constatações sejam óbvias, precisam ser apontadas, visto que em nenhum momento da história aqueles que perpetraram golpes usaram o termo para se referir a suas ações.
Para o cientista político, em ambas as situações, a palavra golpe foi alterada. “Os militares de 1964 usaram o termo ‘revolução’ e os políticos que chegaram ao poder agora, em 2016, usaram o termo e o mecanismo do ‘impeachment’ ”, ressalta.
Opposition to the Coup (Oposição ao golpe)
A mídia brasileira se empenhou em disponibilizar conteúdos sobre o atual contexto político de forma constante. A mídia internacional, não ficou atrás. Contudo, sua forma de cobertura e apresentação desses conteúdos se difere em muitos aspectos.
Segundo a jornalista Tatiana Maia, a mídia internacional seleciona o que é notícia e o que não é em termos de agenda política e em função da distância para o local onde está havendo o fato a ser noticiado. Para ela, os golpes políticos não têm uma cobertura uniforme da mídia internacional, ela varia.
A jornalista conta que, em sua dissertação de mestrado em Jornalismo Internacional, analisou a cobertura que três jornais ingleses deram para a ditadura militar brasileira entre os anos de 1964 e 1985. “O jornal Daily Mail, por exemplo, noticiou a queda do governo em 1964 com apenas uma foto da primeira dama brasileira e uma legenda dizendo que a ‘bela Maria Thereza Goulart’ estava exilada com os filhos. Já o The Guardian e o The Times falaram sobre o golpe de forma mais profunda, porém, de acordo com as suas ideologias”, comenta.
O distanciamento físico e emocional dos jornalistas também é um fator relevante que diferencia as mídias nacional e internacional. “A mídia internacional possui maior liberdade, a mídia estrangeira não depende dos anunciantes brasileiros, é mais ‘fácil’ fazer um bom jornalismo falando do vizinho do que de si”, ironiza a jornalista. No Brasil, os governos, muitas vezes, são os maiores anunciantes dos veículos de comunicação. Tatiana ainda opina sobre a cobertura feita no exterior sobre os fatos de 2016. “Ao que me pareceu, a cobertura dos principais jornais europeus e do New York Times foi balanceada, mostrando os dois lados da situação absurda que o Brasil vive agora. Se eu fosse resumir o tom da cobertura internacional em apenas uma palavra, eu não diria que esta palavra é ‘golpe’, eu diria que é ‘incerteza'”, reflete.
A jornalista também acredita que o foco das coberturas foi mostrar a instabilidade política que o país vive, evidenciando que até um golpe de estado pode ser dado por meios “legítimos”. Tatiana também aponta que um dos diferenciais que potencializam a qualidade da cobertura fora do Brasil são as leis contra “propriedade cruzada”, que é a proibição de que uma empresa de comunicação possua, na mesma cidade, mais de um veículo. Caso que não ocorre no Brasil e que, no fim das contas, complica a neutralidade e a qualidade das coberturas.
Que mídia é essa?
Antes, durante e após as eleições presidenciais, a mídia disponibilizou centenas de conteúdos sobre o tema. Títulos e manchetes impactantes ao leitor/ espectador crítico, sensacionalista. Para a revista Veja, por exemplo, “Eles sabiam de tudo”, “De forma exclusiva, o Jornal Nacional revelou uma bomba sobre o Governo do PT”. As retrancas foram incontáveis. A mídia, inconscientemente ou não, obrigou seu espectador a tomar uma posição maniqueísta em relação ao assunto. Os veículos de comunicação, por vezes foram acusados de se tornar partidos políticos, sendo assim chamados de golpistas. O golpe midiático foi por vezes discutido. O público-alvo, influenciado e consequentemente manipulado reflete as opiniões apresentadas nos jornais e revistas.
Para Moreira, o papel da mídia, infelizmente, gera em uma parcela dos espectadores, uma espécie de aceitação ao golpe. “A sociedade não tem se mobilizado a ponto de reverter o cenário de golpe e o apoio que a imprensa dá ao governo (formando boa parte da opinião pública) desmobiliza a população ainda mais”, enfatiza.
“Meu Deus, e se democracia for isso mesmo? ”
Sobre os acontecimentos deste fatídico 2016, o desenhista e jornalista Millôr Fernandes questionou a democracia, assim como muitos questionam o “golpe”. Assuntos relacionados, obviamente. Segundo Darius, sempre que a democracia é afetada, um golpe acontece. “Golpe, o povo leva diariamente quando, por causa da corrupção endêmica de nosso país, pessoas morrem vítimas da violência ou da falta de leitos hospitalares, ou morrem sob outros aspectos, quando falta educação de qualidade”, argumenta. Quanto ao futuro do país, resta manter a esperança por dias melhores. Quanto à mídia, que siga os dizeres da bandeira tupiniquim, que trabalhe com ordem para que assim, progrida.