One Day at a Time: uma vida comum com “um dia de cada vez”
- 16 de novembro de 2022
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- Theillyson Lima
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A dificuldade de encontrar produções hollywoodianas que retratem latinos sendo apenas pessoas normais.
Helena Cardoso
Encontrar a comunidade latina representada em filmes e séries americanas não é uma tarefa fácil, principalmente se você está procurando por personagens não-estereotipados. A maior parte das produções que mostram essas pessoas apela para sotaques extremamente forçados (Gloria Pritchett, de Modern Family), comunidades marginalizadas e gangues (On My Block), e tráfico de drogas (Narcos).
Produtos que representam esse grupo como apenas pessoas comuns são raros. Entretanto, um bom exemplo é a série One Day at a Time, produzida durante as três primeiras temporadas pela Netflix e durante a quarta pela Pop TV (que pertence à CBS). Mike Royce, co-criador e showrunner da sitcom, também parece perceber isso ao afirmar que “a ausência dos latinos em Hollywood parece deliberada“.
Relevância leve e sem tradicionalismo
ODAAT, como também é conhecida, é um spin off do programa de TV homônimo que foi ao ar na década de 70 nos Estados Unidos. Na nova versão, a vida cotidiana da família Alvarez, cubana, moradora de Los Angeles e nada tradicional, composta por Penelope (enfermeira e militar que foi à guerra no Afeganistão), sua mãe Lydia (abuelita, imigrante cubana que fugiu da ditadura) e seus dois filhos, Elena (adolescente lésbica) e Alex (o queridinho da abuelita), não fica apenas no superficial.
A série traz temas relevantes – como racismo, xenofobia, homofobia e machismo – de forma leve e bem-humorada. Porém, ela não fica resumida apenas a isso. Durante a maior parte, é apenas uma família normal vivendo uma vida normal, com acontecimentos comumente cômicos em cada episódio.
Vida normal
Mostrar a comunidade latina como apenas pessoas comuns sempre foi a intenção de Gloria Calderón, outra co-criadora da sitcom e filha de imigrantes cubanos. Sua própria família foi usada como base para construir a trama e está retratada não apenas em características dos personagens (principalmente em Lydia, a mais – propositalmente – estereotipada), mas também em situações de preconceito que passaram por serem imigrantes nos Estados Unidos.
“A passagem”
O primeiro episódio da segunda temporada (“a passagem”) é um grande exemplo de como a comunidade latina é vista no país. Os Alvarez estão no jogo de Alex, todos gritando, cantando e balançando a bandeira de Cuba, muito animados ao assisti-lo jogar. Ao chegarem em casa, porém, o adolescente explode com todos, afirmando que eles sempre o envergonham.
No dia seguinte, Penelope é chamada na escola, pois Alex deu um soco em um garoto durante uma excursão. Ao ser questionado sobre o motivo da agressão, ele conta que estava conversando com um amigo em espanhol e esse garoto, ao ouvir, gritou “volte para o México”. A partir daí, começa uma discussão entre toda a família sobre momentos de preconceito que cada um passou, mencionando inclusive grandes estereótipos, principalmente quando Elena percebe que se passa por branca, e não latina, por ser mais clara que o irmão.
“Flagrante”
A série mostra também outro lado da violência contra latinos: a violência policial. Na terceira temporada, quinto episódio (“flagrante”), Penelope descobre que Alex está fumando maconha. A mãe começa a explicá-lo que, por ser latino, precisa ter cuidado dobrado: “se um garoto branco como Dylan [amigo de Alex] for pego com um pouco de maconha, ele tem uma história maneira. Mas você… pode terminar preso”. Ela conta ainda sobre a vez que, na adolescência, foi presa por isso. Um policial também latino a liberou, mas fez questão de relembrar que “você não pode fazer essas coisas, é diferente para nós”.
“Amizade tipo intensa”
Outro grande problema enfrentado pela comunidade latina é a deportação, principalmente durante o governo Trump, quando a série foi gravada. O episódio cinco da primeira temporada (“amizade tipo intensa”) é quase inteiramente voltado ao tema. Carmen, amiga de Elena, começa a passar todos os dias na casa dos Alvarez. Penelope pede que a garota vá dormir em sua própria casa, pois planeja dar uma festa para seu chefe, Dr. Berkowitz.
Durante a confraternização, Lydia começa a contar a história de como teve que fugir de Cuba. A partir daí, Scott, colega de trabalho de Penelope, dá início à discussão sobre imigração ilegal. Ele argumenta que se alguém quiser morar lá, que faça isso da maneira correta, ao que Penelope rebate: “há pessoas perseguidas no mundo todo que adorariam vir para cá, mas não podem pois as regras não são iguais para todos”.
Ouvindo isso, Elena a chama para conversar e conta que os pais de Carmen foram deportados para o México, e por isso a amiga está passando tanto tempo lá. Esse é, sem dúvidas, um dos episódios mais pesados e emocionantes de toda a série, e embora o tema seja discutido dentro de uma sitcom, continua sendo tratado de forma sensível e sem perder sua relevância.
Estereótipo não ofensivo
A sitcom, no geral, brinca bastante com estereótipos que, em outras produções, são trabalhados de forma quase ofensiva. A própria menção ao termo é feita de um jeito cômico, como quando Elena encontra Lydia e Schneider (dono do prédio onde moram) dançando salsa na sala (“dá para acreditar nesse estereótipo?”), ou quando flagra Alex roubando pílulas da mãe porque Finn, um amigo, o convenceu a vender na escola (“vai deixá-lo transformar você num traficante latino? Um grande estereótipo?”).
A série quebra padrões não apenas pelos atores e produtores latinos, mas por mostrar esse grupo vivendo uma vida normal, sem foco em tráfico, gangues e preconceitos. A série quebra padrões por mostrar esse grupo vivendo uma vida normal, sem grandes distinções dos americanos comuns. One Day at a Time é um ótimo exemplo não de como latinos são retratados em Hollywood, mas de como deveriam ser.