O roxo é o meu extremo
- 30 de outubro de 2017
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- Thamires Mattos
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Aliás, quem é o dono da verdade absoluta? E aí mais um extremo. De extremos em extremos caminhamos para a nossa própria ruína. Ver a sociedade roxa, como um hematoma querendo se curar
Kemelly Ferreira
Amanhecia mais uma vez, como normalmente. Levantei-me e decidi que naquele dia me vestiria completamente de roxo. Essa ideia que surgiu do subconsciente me fez pensar em como eu realmente gostava dessa cor a ponto de querer que as outras não existissem. Assim os tons arroxeados iriam prevalecer. Conversei com um amigo que partilhava desse mesmo pensamento e juntos fomos propagando a nossa ideia inquestionável para todo e qualquer que entrasse em contato conosco. Era preciso que todos amassem a cor roxa assim como nós. Claro, muitos discordaram da nossa brilhante ideia, alegando que outras cores tinham a mesma importância ou até mais, entretanto, eles precisavam ser ignorados.
O que mais importava naquele momento era a importância do tom roxo e nossa opinião sobre ele. Juntos, eu e meu amigo, conseguimos reunir um grupo considerável de simpatizantes que lutavam pela mesma causa. Criamos um movimento -“Supremacia ao roxo” – a favor da existência somente da cor roxa e a extinção das demais colorações. Entretanto, em resposta à apaixonada causa, outros grupos foram surgindo, cada um levantando a sua bandeira, ou melhor, a sua cor. Éramos como partidos e defendíamos com unhas e dentes, munidos de argumentos e contra-argumentos, nossos pontos de vista. No fim, já não controlávamos mais a situação. Estávamos todos em uma crise que culminaria em algo mais poderoso. A implícita guerra de extremos decidiu virar “ex”. Cada um desses grupos defensores de seus ideais e direitos declararam sua intolerância uns pelos outros. A guerra então já era (ex)plícita.
Mas a questão é: “por que essas extremas defesas de causas próprias existem”? Claro que essa simples ilustração parece bem exagerada, contudo, é o que ocorre. Grupos minoritários surgem que levantam uma bandeira com ideologias específicas que os distinguem dos demais têm sido a nova moda. Não da estação, mas em âmbito mundial. A questão não se resume à bandeiras ou majoritariamente causas pelas quais lutam, mas a forma com que lutam, ou melhor, como querem impor. Wesley Guerra, colaborador voluntário sênior no Núcleo de Estudos Multidisciplinar de Relações Internacionais (Nemri), explica que o extremismo não se refere à diversidade de opiniões, mas “à falta de diálogo entre os implicados e do posicionamento exacerbado”.
A pergunta ainda fica: “como surge esse extremismo todo?” O ponto não é o surgimento, mas o que provocou tal ideologia militante. Falemos do Daesh – popularizado como Estado Islâmico – e da sua existência. Seus ataques, cada vez mais assustadores tem ultrapassado as fronteiras sírias e iraquianas há um bom tempo. Ataques terroristas ocorridos na França, Espanha, Bélgica, Turquia, Alemanha, Reino Unido e até manifestações recentes no próprio “quintal de Trump”, em Los Angeles. Mesmo sem ligação direta, o Daesh reivindicou o ataque. A custo de quê? Será que esse terrorismo e o extremismo louco surgiram das jazidas de petróleo? Assim, do nada? Claro que não!
A situação é tão calamitosa que alguns apelam para o humor. A maioria, para reflexão sobre atos que parecem de autoria de qualquer coisa existente, menos humana. Mas é fruto humano, inacreditavelmente. Desde que os EUA realizaram a ocupação do território iraquiano em 2003, com intuito de intervenção e proteção a nível mundial, as oposições locais, cada vez mais crescentes, foram se tornando algo a mais. Maior que qualquer preocupação precedente sobre algum arsenal bélico iraquiano até agora não provado de existência. A intervenção dos EUA só intensificou a formação de grupos fundamentalistas islâmicos do Oriente Médio. Algo que lembra bastante a Lei da Ação e Reação proposta por Newton. Ou então podemos citar a ascensão da Alemanha nazista após dura penalização depois da Primeira Guerra Mundial. Mas será essa uma justificativa para achar um culpado por fomentar no outro o extremismo?
“As pessoas são donas de sua verdade e de sua realidade e não estão abertas ao diálogo, essa falta de intercâmbio cimenta as crenças e o extremismo cresce em ambos os lados dificultando ou impossibilitando o diálogo intercultural e inter-religioso. Sendo necessário compreender a essência do extremismo para não instaurar um sistema que seja extremista por temor a ser invadido por outro”. – Wesley Guerra
A utilização de palavras de ordem para fomentar movimentos extremistas vem sendo uma das técnicas utilizadas pelas mais variadas tribos. Provocando linhas de separação, fronteiras, isolando o “lado de cá e o lado de lá”. Com discursos que tendem a provocar algum tipo de identificação com o receptor e sua forma apelativa e justificadas por exemplos de vitimização, cada vez mais surge o costume de viver em tribos. A dissociação entre defender causas e a causa maior que é viver em sociedade tem sido a arma letal. Desde quando as causas são mais importantes que as pessoas?
Se eu tentasse, hipoteticamente, extinguir toda e qualquer existência de cores do mundo para deixar somente a minha cor preferida, em quem eu estaria pensando primordialmente? E quando inicio discursos para tentar impor minha forma de pensar a uma grande quantidade de pessoas me utilizando de discursos que englobam benefício social, não seria uma forma insana de egoísmo? Onde está um pouco de empatia que nos restou?
Podemos considerar essas atitudes como selvagens para o mundo em que vivemos? Queremos e fazemos de tudo para sobressair, ter o melhor salário e posição de destaque. Chegar ao topo não importando o que aconteça, pois se trata de uma forma de sobrevivência nessa selva civilizada. Não seria um dos fatores que contribuíram para que o nosso foco principal fosse o próprio umbigo e tudo o mais que gira em torno dele? Quando há somente esse foco, o que importa mais? Logo, eu faria de tudo para alcançar meus objetivos e impondo minhas ideologias independentemente das consequências externas (fora do meu interesse).
Entretanto, estamos matando simplesmente por matar. Estamos impondo questões só para provar o quanto estamos certos sobre tudo. Aliás, quem é o dono da verdade absoluta? E aí mais um extremo. De extremos em extremos caminhamos para a nossa própria ruína. Aí sim eu chegaria ao meu objetivo: ver a sociedade roxa como um hematoma querendo se curar.