O mimimi do racismo explícito
- 13 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Analisar questões de racismo em terras tupiniquins exige um mergulho histórico e cultural. Estas raízes nos cegam ao ponto de acreditar que reclamar sobre a parcialidade preconceituosa de uma mídia arrogante é ter “mente fechada”
Aline Oliveira
Em um país como o Brasil, nascido da miscigenação, é estranhamente comun presenciar casos de racismo. Ouvir uma garota de 8 anos de idade chamar seu colega de sujo e nojento por ele ser negro, chamou minha atenção. Ver aquele garoto chorando apertou o meu coração. Essa não foi a primeira vez que assisti em primeira mão o racismo acontecendo, mas fiquei perplexa ao ver uma criança pronunciar palavras tão cruéis.
Analisar questões de racismo em terras tupiniquins exige um mergulho histórico e cultural. Fomos colonizados por portugueses que trouxeram africanos para trabalho escravo. Após anos de luta, chega a ablição (1888) via Lei Áurea. A “lei”, no entanto, não produziu qualquer libertação ou oportunidade para que negros desfrutassem dos benefícios da elite branca. As palavras rudes, os olhares tortos, a falta de consideração e respeito continuaram e continuam a existir, mesmo depois de quase 140 anos. Os negros continuam escravos de um estereótipo, de um comportamento construído. Ainda sofrem os resquícios da escravidão em permanente luta por uma utópica igualdade. Igualdade jamais conquistada.
Segundo o discurso mídiatico, o Brasil não é racista, pois é um país miscigenado. Que vez ou outra apresenta algum caso de racismo, mas de forma rara e isolada. O interessante é que dentro da própria mídia o racismo é empunhado explicitamente. Capas de revista, âncoras de telejornais, apresentadores de reality shows, elenco de novelas e seriados são uma maioria branca. Há negros na grande mídia, sem dúvida, mas representados de forma superficial e pejorativa. Mais irônico ainda é saber que metade da população brasileira é composta por afrodescendentes. Fato ostensivamente desconsiderado dentro da mídia! O documentário A Negação do Brasil evidencia que a falta de espaço do negro dentro da dramartugia brasileira é pura e afrontosamente uma questão de estética.
Programas de humor nas emissoras de televisão propagam o racismo. Poderia citar dezenas de exemplos de sátira perpetrados por humorísticos como Zorra Total (Globo) e Pânico (Band). A personagem Adelaide, do programa Zorra Total, é descrita como uma negra pobre, feia, burra, que incomoda os passageiros do metrô pedindo esmolas, se veste mal e aparenta viver em um estado deplorável. Outro personagem é o Africano de Pânico. Ele é apresentado como um animal selvagem, imbecil. Clara referência ao tratamento dispensado aos negros durante a escravidão. Ambos os personagens denegridem a imagem do afrodescendente por meio de esteriótipos negativos e falaciosos. Infelizmente esse tipo de humor se tornou comum no país fazendo com que uma pretensa opinião pública desconsidere os casos como forma de preconceito. É normal ver humoristas pintando seus rostos de tinta preta e ridicularizar o negro. O problema do racismo acaba esquecido em uma sociedade alienada e acomodada como a atual.
O racismo também se apresenta no jornalismo. A falta de divulgação do preconceito racial ou a cobertura parcial de alguns casos mostram como esse tema não tem recebido a atenção necessária. Casos como o da jornalista Maria Júlia, do jogador de futebol Aranha, ou do ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, expressam exatamente isso. A pergunta óbvia seria: mas nestes casos a mídia não abordou o racismo sofrido pelos envolvidos? De fato. Mas isto não muda outro fato: o de que a cobertura só durou um momento. Depois do #SomosTodosMaju o que mais se falou sobre o caso? O que aconteceu aos agressores da jornalista? Silêncio da mídia. Só a passagem do tempo e o interesse esquecido. A ausência de uma cobertura assertiva quanto ao assunto é prova de que a mídia exerce um tipo de preconceito radical.
Outra forma explícita de racismo é a representação da mulher negra como objeto sensual. Representação mais explícita que a Globeleza (Globo), impossível. A mulher negra, muitas vezes chamada de mulata, passa a se tornar símbolo de sensualidade carnavalesca. Mero objeto sexual, tal qual na escravidão, quando eram objetificadas e usadas pelos senhores brancos. Ver essas mulheres sambando nuas na televisão é lugar comum. Tanto quanto o racismo dentro da mídia se tornou lugar comum na sociedade. Reclamar sobre a parcialidade preconceituosa de uma mídia arrogante é considerado mimimi de gente chata e com mente fechada. É mais do que tempo de abrirmos nossos os olhos (castanhos) para a necessidade de uma postura questionadora e de protesto frente a esta representação falsa de uma realidade maquiada.