O luto que não existe: a cobertura jornalística na morte de políticos
- 2 de junho de 2021
- comments
- ABJ Notícias
- Posted in Análises
- 1
A mídia se revela aliada ou inimiga, respeitosa ou insensível. Na morte de figuras políticas, não há termo meio
Hellen Piris
A visão de política que o filósofo grego Aristóteles desenvolveu há mais de 2000 anos, é bem diferente daquela que temos atualmente. Para o filósofo, político era aquele que velava pela felicidade da comunidade e prezava pela ética e moral coletiva. Esse era o conceito da época, mas com o passar do anos essa ideia foi se deteriorando. Há muito tempo o político, independente do seu espectro, deixou de ser visto como aquele que cuida de todos, para ser enxergado como alguém que rouba e mente.
A história conta certas verdades por si mesma, outras continuam no sigilo. Fato é que críticas, levantamentos militantes e reclamações fazem parte do histórico da maioria dos políticos brasileiros. Cada vez mais as pessoas acreditam menos no “desta vez vai ser diferente, vote no…”, e mais se convencem que político não presta. Mais ódio, menos esperança, e a imprensa faz parte destes posicionamentos. Este cenário, somado ao fato de que, devido a pandemia, a morte está sendo enxergada cada vez mais como parte natural da vida, “anestesia” o indivíduo quando a questão é tratar a perda de um político ou de algum ente querido seu.
Há vezes em que o caixão ainda não foi coberto por terra, e discussões sobre a sua carreira política, brigas para ver quem fica com o poder ou comentários negativos sobre o falecido se misturam com o mesmo ambiente de lágrimas de dor, luto, e coroas fúnebres.
Os familiares
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu duas perdas importantes entre fevereiro de 2017 e março de 2019. A sua esposa e seu neto de sete anos. Quando a ex-primeira dama Marisa Lula da Silva morreu, ele já era suspeito de várias irregularidades durante o mandato, e tanto apoiadores como a oposição não demoraram em expressar suas opiniões quando a morte foi confirmada.
Membros do partido lamentaram a perda e ofereceram seus pêsames, já outros aproveitaram o momento de vulnerabilidade emocional para espalhar mensagens de ódio. Alguns chegaram tão longe que até é difícil de entender onde fica o respeito pelo luto. No caso noticiado pelo Jornal da Gazeta, por exemplo, uma mulher chegou no velório da Marisa e foi acusada por militantes do PT de comemorar a morte da ex-primeira dama. Nas imagens, a mulher sorria com uma expressão de triunfo no rosto.
Quando Arthur da Silva, o neto de Lula morreu prematuramente devido a uma infecção generalizada, ele estava na prisão há quase um ano. A defesa do ex-presidente requereu à justiça a sua liberação para participar do velório, dar o último adeus, e o pedido foi aceito. Mas assim como na morte da Marisa, o posicionamento de muitos foi cruel e desumano. Se nem a imprensa nacional se manteve imparcial com relação à maneira de noticiar o fato, sem involucrar questões políticas, os espaços para comentários no Instagram e YouTube se tornaram ambientes utilizados por alguns indivíduos para comemorar a morte do pequeno Arthur.
Diante desta atitude inaceitável, alguns veículos que desaprovaram terminantemente tal desumanidade. O El País foi um deles, e em uma matéria de opinião sentenciou, “aqueles que se alegram pela perda do neto de Lula, que seria o castigo de Deus por ter apoiado como presidente governos como o da Venezuela (…) estão revelando a que ponto de cegueira e insensibilidade humana pode chegar o soberbo Homo Sapiens”.
O político
O diagnóstico foi câncer, mas a esperança insistia pela vida. A morte do ex-prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas, em 16 de maio deste ano, comoveu o país inteiro e repercutiu internacionalmente. O tucano tinha 41 anos e foi o prefeito mais jovem que já governou a cidade.
A partir do momento em que a morte de Covas foi confirmada iniciou-se uma intensa cobertura jornalística. O G1, por exemplo, publicou mais de 30 produtos jornalísticos entre textos e reportagens sobre a morte do ex-prefeito, atualizações, homenagens e retrospectivas da carreira.
Em contrapartida, a CNN Brasil revelou-se com falta de tato ao abordar os desdobramentos da morte do tucano. Matérias e reportagens também foram produzidas para noticiar o falecimento e render homenagens, com tudo, em uma entrevista ao vivo com o líder do MTST, Guilherme Boulos, ele foi convidado a avaliar a gestão de Covas, ao que o político respondeu, “não é o momento para isso”. A resposta dele foi elogiada nas redes sociais, e a atitude da emissora condenada. Mesmo sendo líder do partido opositor, Boulos foi extremamente assertivo em respeitar o momento e deixar questões meramente políticas em segundo plano, comportamento que ao jornalismo poderia ter adotado.
“Tempo!, tempo!”
Você lembra quando era criança e passava as tardes brincando com os seus amigos? Muitas vezes essas brincadeiras envolviam um alto desgaste físico, e quando não dava para aguentar mais depois de tanto correr ou pular, você parava e pedia um “tempo”. Esse “tempo” te permitia recuperar o ar, beber um copo de água fresca ou ir ao banheiro.
Quando um político ou algum dos seus familiares morre, é preciso pedir e dar um “tempo”. Independente da circunstância e dos motivos, a morte dói e causa sofrimento. É um pai, uma filha, um avô ou um amigo que se vai para não voltar mais. A cobertura jornalística é necessária e essencial nestes casos, mas ela precisa e deve respeitar o luto acima de qualquer outro objetivo e interesse. Afinal, a última pauta a ser levantada deve respeitar a vida e história do indivíduo, não apenas sua carreira política.