
O cansaço criativo disfarçado de nostalgia
- 23 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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Indústria cultural aposta em versões atualizadas de obras consagradas, mas até que ponto essa nostalgia representa renovação ou mera reciclagem criativa?
Amanda Talita
Não é de hoje que a indústria cultural parece obcecada com o que já funcionou. O remake — versão refeita de uma obra anterior, seja ela um filme, uma série, uma novela, um jogo ou até uma música — virou fórmula recorrente. Mas, longe de representar uma homenagem criativa, boa parte desses projetos falha em entregar relevância, personalidade ou sequer uma justificativa para existir.
A justificativa geralmente é acompanhada de um sentimento de nostalgia. A alegação é que a revisão de clássicos reforça a ligação entre gerações e possibilita uma atualização de tópicos. Contudo, muitas dessas novas versões nem sequer apresentam algo verdadeiramente revolucionário. Na realidade, observamos narrativas quase idênticas, com poucas alterações estéticas, apresentadas como novidades. Neste ciclo, o inédito – o genuinamente novo – vai sendo sufocado.
A aposta em histórias já conhecidas revela uma indústria que teme arriscar. Investir em algo que já teve êxito é mais simples do que apostar em ideias inovadoras. No entanto, essa lógica, além de escassa, é desleal para os criadores que ainda lutam para apresentar perspectivas distintas, personagens inéditos e histórias audaciosas.
E o público percebe essa sensação de vazio. A resposta a diversos remakes atuais demonstra um esgotamento generalizado. O uso excessivo do termo “reconhecível” provoca apatia. É como uma canção que se repete frequentemente: no começo, traz conforto; posteriormente, torna-se irritante. Quando a arte se converte em receita, ela perde sua força. Portanto, antes de considerarmos o remake como uma homenagem ou uma reinvenção, devemos nos questionar: ele realmente se faz necessário? Ele introduz um novo nível de leitura ou simplesmente reitera algo que já foi melhor explicado?
Entre o passado e o vazio
O problema é que, em muitos casos, o remake não apenas falha criativamente, mas também financeiramente. Um exemplo notório é o do remake de Pan (2015), uma tentativa de reimaginar a história de Peter Pan com grandes nomes no elenco e um orçamento de mais de 150 milhões de dólares. O filme foi um desastre comercial e crítico. Arrecadou apenas 128 milhões mundialmente, o que gerou um prejuízo estimado de mais de 80 milhões para a Warner Bros. A crítica foi unânime ao apontar que o longa não entregava nada de novo e se apoiava em clichês já esgotados. Essa tentativa de reciclar uma história já conhecida resultou em um fracasso retumbante — e se tornou exemplo emblemático de como nem sempre a nostalgia garante bilheteria.
Além do risco financeiro, o remake mal executado compromete o valor simbólico do original. Quando uma obra é refeita sem propósito, ela acaba reduzindo a potência do que foi contado anteriormente. O clássico de Hitchcock, Psycho, foi reconstruído por Gus Van Sant em 1998 em uma versão plano a plano, sem alterações de linguagem ou contexto. O que poderia ser uma homenagem virou um exercício vazio, sem emoção nem impacto. A crítica foi dura e o público reagiu com indiferença. Ao tentar replicar a obra-prima quadro por quadro, o remake revelou sua fraqueza: faltava alma. O que no original era tensão, mistério e inovação, no novo se tornou artificial e sem sentido.
Este padrão revela um mecanismo que sufoca o inusitado. De acordo com a Guild of Writers of America, em 2022, apenas 35% dos roteiros adquiridos por grandes estúdios eram originais. O restante se baseava em franquias, livros, enredos já adaptados para o cinema ou personagens já conhecidos. A estrutura de mercado que valoriza o já comprovado restringe o espaço para autores audaciosos e roteiristas com vozes singulares. Assim, o universo cultural se torna menos diversificado, e a variedade de narrativas dá lugar à repetição.
Criar é arriscar
Apesar da nostalgia servir como uma porta de entrada, é o desconhecido que instiga, comove e transforma. Existem exceções significativas, como Suspiria (2018), que recria o terror de Dario Argento com uma profundidade estética e simbólica distinta, ou Cobra Kai, que renova o universo de Karatê Kid com atualizações sociais e emocionais que se conectam diretamente com o presente. O que as distingue são as intenções: não se trata de replicar, mas de dialogar, provocar tensão e acrescentar. Segundo a escritora e atriz Phoebe Waller-Bridge, “o perigo é o que dá vida a uma história”. A arte, sem perigo, morre de tédio.
Criar ainda é insubstituível. Ao invés de persistir em versões recicladas, é necessário dar espaço para o que ainda não foi expresso. A autêntica reinvenção não reside na imitação, mas na audácia. O que impulsiona o cinema, a música, o teatro e a literatura não é a comodidade de reconhecer o que já vimos, mas a surpresa de descobrir o que nunca imaginamos existir. A audiência merece ser estimulada. Para persistir, a arte necessita de coragem, não de repetições.