Nada a caminho?
- 22 de setembro de 2015
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- Thamires Mattos
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Guilherme Cavalcante
Era a década de 1910. O mundo vivia uma ebulição de acontecimentos que configuraria para sempre toda uma faceta de espectros e ideias construídas. A Revolução Industrial, iniciada no fim do século XXIII, alcançava um novo patamar de desenvolvimento com a chegada da energia elétrica e os prognósticos de ‘fim’ da técnica manufatureira. No campo da filosofia, Edmund Husserl abria um caminho paralelo ao positivismo instaurando as bases para a fenomenologia, continuada por Heidegger e Sartre e que impactou profundamente o pensamento pós-moderno.
Porém talvez um dos fatores de maior impacto provenientes do difícil começo de século XX foi o constante processo de “desencantamento do mundo”, referência ao termo cunhado pelos pesquisadores Malena Contrera e Norval Baitello Jr. Potencializado após as duras guerras mundiais, este processo, surgido dentro de um anti-humanismo filosófico, abrigou dentro de si o crescente levantar das distopias. A rejeição de qualquer tipo de futuro de ‘benesses’ parece impregnar o pensamento pós-moderno.
O vigente ‘pessimismo’ distópico atual traz à memória a apropriada frase do professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Marco Casanova: “Por mais que tomemos parte em um movimento vital cada vez mais frenético, por mais que nos vejamos diante de uma profusão cada vez mais gigantesca de opções de trabalho e diversão, por mais que nossas vivências se acumulem em um ritmo cada vez mais incontrolável, vemo-nos, por fim, em face da sentença; em todos os caminhos, nada a caminho ”.
É importante salientar que o pessimismo moderno, oposto aos antigos ideais utópicos das metanarrativas (leia-se: processos de explicação de mundo que culminavam em sociedades ‘ideais’, como: socialismo, iluminismo e comunismo) se encontra arraigado em toda a vivência técnica atual. Numa vida resumida a “comos” e “para quês”, é difícil imaginar um sentido para os nossos “por quês” e “o quês”, que caracterizam o próprio entendimento do humano como ente. Tal constatação produz uma inquietação ligada ao pano de fundo sob o qual se põe este pessimismo, a qual tento pontuar pormenorizadamente a seguir.
É desnecessário, atualmente, pontuar os avanços das tecnologias. As novas fronteiras digitais e o capital imaterial desenvolvido nestas parecem estabelecer ainda novas fronteiras técnicas. É a era da superexposição das vitrines, da deliberação das próprias correntes sociais como mercadoria e da hiperexposição imagética. Na sociedade atual, essa própria lógica se manifesta na vida do ser humano. As experiências da virtualidade geram a sensação de uma ‘necessidade de reinvenção’ do homem, em uma categoria pós-humana. A própria vivência humana adquire um caráter vazio, já que nem mesmo o ‘domínio’ com relação à materialidade, trazido pela técnica, trouxe uma resposta, ou ao menos perguntas mais intrigantes, quanto a sua própria essência. A era de maior conhecimento científico e hegemonia do consumismo, onde as ‘amarras’ de qualquer absoluto são quebradas, é precisamente a era do vazio.
O detalhe é notar o papel do senso de vazio dentro da vida técnica humana, como bem pontua o filósofo alemão Martin Heidegger: “A vontade técnica absolutiza radicalmente o plano ôntico (do ser em sua atuação), uma vez que posiciona desde o princípio a totalidade do homem como matéria-prima para o desenvolvimento de suas malhas de poder”. Apesar de lançar trevas sobre o futuro, o ser humano ainda tem de conviver com o hoje. E o que o pessimismo distópico tem a ver com a atual vida técnica humana? Ao obscurecer ao homem o caminho para o próprio entendimento de si e do que poderia vir a ser, a técnica atua no próprio senso de desespero futurístico, ao qual não oferece muitas perspectivas, para se impor como mola propulsorado homem hoje desde que este funcione em simbiose à ela, atuando em um plano de fundo de reserva.
A nocividade de um sistema distópico se encontra não no pessimismo que cria com relação ao que virá, mas na obscuridade com a qual coloca os pés humanos no hoje, cegando a própria análise do que o amarra. Deixado às escuras, o ser humano se entrega a sua própria morte como ser. Nem a visão utópica e seu otimismo exacerbado quanto a livre determinação do querer humano por meio da razão ou a visão distópica de um ser entregue ao nada apontam o melhor caminho. É preciso reconhecer que não temos tudo em mãos, e talvez nunca teremos, ao mesmo tempo em que podemos possuir algo. Que esse algo seja ao menos o começo de um caminho incerto, onde sim, não controlamos tudo, em busca de uma relação de pensamento livre das amarras de um pessimismo conformista e de um utopismo irreal. Nosso ser agradece!