Morte de Pelé: A cobertura digna de um Rei
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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As circunstâncias pouco ajudaram, mas a mídia brasileira entregou uma cobertura (quase) perfeita.
Victor Bernardo
O que fazer quando a personalidade mais famosa de seu país morre? Coberturas desse tamanho são pensadas e preparadas com antecedência, com muita pesquisa e, por vezes, matérias escritas previamente. Mas, isso não as torna menos desafiadoras.
Muitas vezes, a abordagem é equivocada, transformando a vítima em uma lenda quase perfeita, ou em um monstro que não merece compaixão. No meio termo em que todos estamos, com erros e acertos ao longo da vida, a cobertura da morte de Pelé foi um ótimo exemplo de equilíbrio.
Edson Arantes do Nascimento morreu no dia 29 de dezembro de 2022, em circunstâncias pouco favoráveis para a cobertura da imprensa. A morte aconteceu entre o Natal e o Ano Novo, período em que boa parte das redações já está em regime de plantão, com menos funcionários. Além disso, a mídia precisou dividir suas atenções entre o velório de Pelé e a posse presidencial, que aconteceu dois dias após o falecimento do craque.
Apesar de todos esses fatores, a cobertura foi gigantesca, digna e até surpreendente, com poucas ressalvas. Do tamanho que um Rei merece.
A televisão parou
É padrão na Rede Globo que a programação seja interrompida para anunciar tragédias, atentados ou a morte de uma figura importante. A famigerada música do plantão da emissora é figurinha carimbada em qualquer cobertura dessa magnitude, mas, com Pelé foi diferente.
A Globo não apenas interrompeu o filme Jumper, que passava na Sessão da Tarde, mas cancelou a exibição dos capítulos de “O Rei do Gado” e “Mar do Sertão”, colocando no lugar um especial apresentado por Renata Vasconcelos com a repercussão do falecimento do craque.
O programa ficou no ar até por volta de 19h15, horário em que começaram os jornais locais da emissora – que também deram destaque ao Rei, assim como o Jornal Nacional. No especial, ao longo de mais de três horas, a Globo mesclou entradas ao vivo de São Paulo e Santos com reportagens especiais sobre a vida de Pelé.
Até o SBT, que por várias vezes evitou interromper sua programação por longos períodos, dedicou um plantão estendido à cobertura do falecimento de Pelé, tamanha a importância da figura do Rei.
Record e Band também fizeram seus especiais e, na TV paga, canais de esportes e notícias tiveram foco total em Pelé, mesmo em um dia marcado pelo anúncio dos últimos ministros do governo Lula.
Outras mídias
Se a televisão dedicou muito tempo de tela à morte de Pelé, a mídia impressa ofereceu seu equivalente: capas. A Folha de S. Paulo deu destaque ao Rei nas capas de três dias, o primeiro informando sobre a morte e outros dois falando sobre a repercussão, velório e sepultamento. A mesma linha foi seguida por outros grandes jornais, como o Estado de S. Paulo e O Globo. O Estado de Minas, periódico da terra natal do Rei, deu destaque à notícia em quatro oportunidades.
Diversas rádios de todo o Brasil também interromperam suas programações normais na tarde do dia 29, para veicular uma cobertura especial sobre a morte de Pelé. Em São Paulo, redes como a Rádio Bandeirantes, BandNews FM, CBN e Jovem Pan News destinaram suas programações para entrevistar jornalistas e ex-jogadores sobre a importância de Pelé para o futebol mundial.
Grandes revistas do país, como a Veja e a Placar, também dedicaram edições ao ex-jogador. Foram lançados especiais em serviços de streaming, episódios de podcasts, conteúdos dos mais diversos em redes sociais, reportagens especiais em jornais e revistas, entre outras coisas.
Em resumo, o mundo da comunicação parou, em uma justíssima homenagem ao maior de todos, digna de um Rei.
Nem tudo são flores
Em uma cobertura dessa magnitude, com tantos veículos envolvidos, é claro que haveriam alguns erros. Diversos meios como UOL (mais de uma vez), Exame, O Tempo e outros trouxeram à tona a polêmica relação de Pelé com uma de suas filhas – que ele só reconheceu depois de uma longa batalha judicial, e ainda assim não quis contato.
Claro, foi um erro da parte de Pelé, mas a filha já havia falecido há mais de uma década, e o Rei retomou a relação com os netos antes de morrer.
Não é preciso ignorar erros e pintar pessoas famosas como seres perfeitos. Mas, trazer assuntos como esse logo após o falecimento de alguém me parece uma busca exagerada por cliques.
Campeões mundiais
A maior polêmica, no entanto, não foi diretamente relacionada ao Rei do futebol, e sim às ausências em seu velório.
Explico: cerca de dois anos antes, Diego Maradona morreu. Mantendo a tradição dos “hermanos” de muito respeito à morte (vide as gigantescas homenagens a Evita Perón e Néstor Kirchner, por exemplo), a cerimônia em homenagem ao maior ídolo do esporte argentino teve um quórum de mais de um milhão de pessoas, mesmo em meio a uma pandemia.
O velório foi acompanhado por quase todos os campeões mundiais de 1986, além de outras grandes personalidades do futebol argentino, como Tévez, Goycochea, Mascherano e Gallardo.
No Brasil, apenas dois campeões mundiais compareceram ao velório de Pelé: Clodoaldo e Mauro Silva. Nenhum dos campeões de 2002 esteve na Vila Belmiro para prestar suas homenagens ao Rei.
Isso gerou dezenas de matérias, vídeos, postagens em redes sociais e reportagens questionando e criticando a ausência dos jogadores. Mais uma vez, acredito que se tenha exagerado nas cobranças em busca de cliques. Uma polêmica que tomou proporções muito maiores do que deveria.
O legado de Pelé certamente é reconhecido e tem importância para quem atua no futebol. Mas nem todos tinham proximidade física e afetiva com ele. Foram à cerimônia os contemporâneos do Rei, os que jogaram com ele, os que tinham alguma proximidade, como em qualquer velório. Normal e natural.
Comentaristas se disseram envergonhados com a ausência de nomes como Neymar, Ronaldo e outros grandes jogadores da história do futebol Brasileiro. Como se alguém tivesse o direito de ditar como cada um lida com o luto.
Parabéns à maior parte da imprensa, que fez seu papel com maestria ao noticiar uma das mortes mais impactantes da história do país com muito respeito. Aos jornalistas, ex-jogadores e comentaristas que tanto discutiram ausências ou fizeram questão de levantar pautas polêmicas, lembrem que Pelé foi reverenciado por aqueles que realmente eram o alvo de sua arte: o público.
Gerações diferentes, famílias inteiras, santistas ou rivais, até aqueles que não gostam tanto assim de futebol, milhares de pessoas foram à Vila Belmiro e prestaram suas homenagens. Porque um Rei deve ser adorado por seu povo, não por seus colegas.