La Zika
- 5 de abril de 2016
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- Thamires Mattos
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Um jornalismo equilibrado lida com conceitos e fatos de forma respeitosa, ainda que sujeito a linhas editoriais. No caso do Zika Vírus, campo minado da informação, El País atravessa a batalha com toda a delicaza.
Emanuely Miranda
Ele é um velho conhecido do brasileiro, porém ninguém gosta de conhecê-lo. As embarcações da Europa do século XIX o trouxeram de visita. Apareceu pela primeira vez no Brasil em 1898 e, desde então, não saiu mais daqui. Se chove e faz calor, ele se sente convidado às casas dos brasileiros. Se a temperatura está elevada e tem água parada, ele chega e faz morada. Tem cerca de meio centímetro de comprimento, mas consegue perturbar uma nação com mais de 204 milhões de habitantes e faz um estrago gigante. Seu nome? Aedes aegypti, vulgo mosquito da dengue.
O fim da picada é que, agora, além de transmitir dengue, febre Amarela e Chikungunya, o mosquito também provoca o Zika vírus. Além do que, existe uma relação (ainda em estudo) entre o Zica e a microcefalia. Se uma gestante teve a doença, o feto pode apresentar microcefalia ou síndrome de Guillain Barré. A população pouco sabe sobre isso e recorre aos veículos de comunicação para amealhar informações sobre o assunto.
Nesse contexto, o El País, jornal espanhol diário, com uma versão para internet no Brasil, alimentou suas páginas com notícias sobre o problema. O jornal manteve o leitor atualizado ao abordar as repercussões da doença, ações do governo e desdobramentos dos estudos científicos, além de informar qual deveria ser o comportamento do cidadão frente à epidemia. O jornal supriu a carência de informações sobre o tema na medida do possível.
Como todo veículo, assuntos de relevância são explorados para magnetizar e fidelizar leitores. No entanto, a exploração não pode ser abusiva a ponto de demonizar a doença e apavorar a população, saturada de dubiedades sobre o assunto em pauta. Aliás, os especialistas pediam calma para combater a doença e o jornal não podia contribuir para que acontecesse o contrário disso. O El País assumiu uma postura pragmática e, portanto, adequada.
Diante de uma epidemia e de uma população que pouco sabe sobre ela, o veículo deve ter cautela para não alarmar os leitores. A objetividade e o foco na realidade são virtudes dos jornais profissionais que prezam por seus princípios. A construção do drama em cima dos fatos ou até a maximização destes revela-se maléfica para os informados e, talvez, benéficas para os informantes.
O Zika vírus foi uma pauta pertinente para os jornais de oposição ao governo. O aparecimento do problema foi uma oportunidade para criticar a ineficiência do governo em relação à saúde no Brasil. Em tempos de crise política, sugerir a fraqueza do sistema de saúde brasileiro contra a força do mosquito foi uma ideia perspicaz para desmantelar um governo já frágil por causa de uma economia desregulada e desgastado por causa de denúncias de corrupção.
El País, entretanto,apresentou equilíbrio ao trazer notícias sobre o Zika Vírus. Seus títulos foram minimamente tendenciosos e o jornal distribuiu as culpas baseando-se no critério de merecimento. Todas as instâncias foram cobradas. O cidadão recebeu sua culpa por deixar a água parada dentro da residência, visto que para combater o Zika é necessário exterminar o mosquit e as condições para que ele se reproduza. A responsabilidade do governo também foi lembrada nas páginas do jornal. Em reportagem, do dia 4 de fevereiro de 2016, o jornal noticiou: “Em meio a uma crise política e outra econômica que já se arrastam há um ano e levaram a cortes em todas as áreas do Orçamento, incluindo a saúde, a presidenta brasileira procurou descolar a crise do zika de seu Governo, afirmando que o vírus ‘não tem nacionalidade’. A gestão no combate ao Aedes aegypti tem recebido críticas até do próprio ministro da Saúde, Marcelo Castro, que assumiu a pasta em outubro passado. Ele afirmou que o Brasil está ‘perdendo a guerra’ contra o mosquito”.
O jornalismo atende os interesse da população quando faz sua voz ecoar nos veículos. No caso do Zika Vírus, cobrou-se atitudes do Executivo em relação à epidemia. Nas páginas de El País, as estatísticas evidenciaram a fragilidade da saúde nos países da América Latina. Entre eles, o Brasil foi o mais infectado pela doença.
Houve, também, espaço para mostrar as atitudes dos governos latinos a fim de combater o Zika Vírus. O jornal anunciou, por exemplo, que os ministros de saúde do Mercosul acordaram medidas como a realização de campanhas de prevenção, controles nas fronteiras, novos protocolos e a criação de um grupo especial para monitorar a propagação do vírus.
Além de levantar questionamentos sobre a educação das pessoas, a atuação da ciência e a eficiência dos governos, o mosquito atuou como um agente catalisador nos debates que envolvem opiniões feministas e direitos reprodutivos da mulher. Em reportagens sobre o drama das mulheres que engravidam em tempos de Zika, o aborto foi discutido como uma alternativa para fugir da microcefalia. As mulheres carregam um bebê no ventre e dúvidas na mente. Ao analisar os dados divulgados e a escolha das fontes, subtende-se que o El País é a favor da legalização do aborto nesses casos.
O Zika Vírus inflamou a crise política do Brasil e os discursos feministas. Nesse cenário, opiniões e medos circulam e se chocam. O jornalismo precisa lidar com todos os conceitos e fatos circulantes respeitando os princípios e os limites da linha editorial. Para um jornal, essa situação é um campo minado e o El País passeou por ele com delicadeza.