Kobe Bryant: a morte anula os erros?
- 11 de outubro de 2023
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- Theillyson Lima
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Mito do basquete, pentacampeão da NBA e duas vezes medalhista olímpico de ouro, também foi acusado de estupro durante a sua carreira.
Gabrielle Ramos Venceslau
Se você acompanha a NBA, principal liga de basquete profissional da América do Norte e é fã do esporte, provavelmente conhece um dos maiores ala-armadores da história. Kobe Bryant, que jogou profissionalmente a sua vida toda no time Los Angeles Lakers, teve uma morte precoce aos 41 anos devido a um acidente de helicóptero.
Além de gerar comoção, a tragédia também relembrou uma polêmica vivida pelo jogador. Em 2003, ele foi acusado de estupro por uma funcionária de um hotel do Colorado, Estados Unidos. Na época, o jogador era casado e confirmou a relação sexual, contudo, afirmou que havia sido consensual.
O caso foi para o tribunal e só foi arquivado quando a vítima não compareceu ao julgamento. Um acordo de indenização extrajudicial foi firmado entre Kobe e a vítima, mas o incidente impactou a carreira e reputação do astro, que não conseguiu recuperar completamente a sua imagem com o passar dos anos.
Essa situação levou pessoas como Evan Rachel, atriz, modelo e cantora americana, a questionarem a forma como se reverencia um astro, após a sua morte. “O que aconteceu foi uma tragédia. Estou com o coração partido pela família do Kobe. Ele é um herói no esporte, mas também é um estuprador. E todas estas verdades podem existir ao mesmo tempo”, tweetou.
Vida e morte
Nascido em 23 de agosto de 1978, na Filadélfia, nos Estados Unidos, Kobe Bryant cresceu em meio ao contexto do basquete profissional norte-americano, uma vez que seu pai, Joe Bryant, era jogador profissional da liga. Já ao terminar o ensino médio, com 17 anos, foi recrutado para a NBA e desde então, revelou-se como um dos maiores jogadores de basquete profissional da história.
Kobe foi campeão da NBA por cinco vezes, sendo o MVP, jogador mais valioso, das finais em dois anos. Também ganhou medalha de ouro nas olimpíadas de Pequim e Londres, 2008 e 2012, respectivamente. Além disso, foi o primeiro atleta da NBA a ganhar um Oscar, pelo curta de animação Dear Basketball em 2018.
O jogador também fundou a “Kobe and Vanessa Bryant Family Foundation”, que tinha como objetivo inspirar e financiar famílias através do esporte. Apesar de admirado por sua performance nas quadras, Kobe também era conhecido por demonstrar arrogância e individualidade na sua forma de agir e falar.
Em 26 de janeiro de 2020, um acidente de helicóptero foi responsável por matar o jogador. Além dele, oito pessoas também foram vítimas da queda da aeronave, dentre eles, sua filha, Gianna Bryant. A tragédia aconteceu na cidade de Calabasas, na Califórnia, nos Estados Unidos, em meio ao trajeto para um jogo.
A Investigação do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos Estados Unidos concluiu que o piloto do helicóptero agiu de maneira imprudente durante o voo, pois tentou pilotar a aeronave em alta velocidade apesar das péssimas condições climáticas. Esta conclusão gerou diversos processos judiciais, da esposa do jogador, Vanessa Bryant, contra a empresa responsável pelo translado.
Como a morte do jogador foi retratada
Diversos veículos publicaram notícias sobre a morte de Kobe Bryant, mas além de informar sobre o acidente, a maioria deles também fez uma espécie de memorial ao astro. Entretanto, quase em totalidade, os veículos focaram nas partes boas da carreira do jogador profissional, excluindo as polêmicas, como o caso do estupro.
O Globo Esporte publicou uma matéria que explicava o acidente em detalhes e mostrava homenagens feitas por jogadores da NBA para Kobe. Mas após detalhar o acontecimento, o portal também contou a trajetória da vida do jogador desde a sua infância até a sua aposentadoria, como terceiro maior pontuador da história.
A narrativa conta os desafios do jogador em sua carreira, premiações que ganhou e recordes que bateu. Também frisa aspectos da personalidade do jogador, como a liderança, caráter, estilo e papel na popularização do basquete. Contudo, o ocorrido no Colorado não é citado.
O portal de notícias das olimpíadas e a ESPN seguem o mesmo raciocínio, explicam o acidente e homenageiam o astro. A BCC relembrou os principais momentos da carreira do atleta em números, mostrando a quantidade e quais títulos Kobe recebeu. Em nenhum momento, o adjetivo estuprador é atrelado a ele.
Já o UOL, além de homenagear o jogador profissional, lembrou de todos os pontos da carreira dele. O portal realizou um especial, no qual recorda como Kobe Bryant se transformou na maior lenda do basquete desde Michael Jordan, também mostra os seus títulos, a sua família, mas não deixa de explicar as polêmicas. Desde a do estupro, quanto a outras que envolvem rivais de sua carreira, por exemplo.
Apesar disso, o UOL não chama o jogador de estuprador ou opina sobre o caráter e integridade de Kobe. Apenas dedica uma parte separada no especial para explicar o ocorrido. Dessa forma, não finge que o estupro não aconteceu, mas conta com detalhes como o caso se desenvolveu na época.
Kobe Bryant: astro ou estuprador?
Indo contra as repercussões positivas da vida do astro em quadras, Felicia Sonmez, uma jornalista do The Washington Post, decidiu relembrar o caso de estupro de Kobe Briant após a sua morte. Em seu Twitter, ela publicou um link de uma matéria do The Daily Beast, de 2016, com a manchete “O caso perturbador de estupro de Kobe Bryant: a evidência de DNA, a história do acusador e a meia-confissão”.
Na época, a jornalista foi afastada por tempo indeterminável de seu emprego e, após receber diversas mensagens de ameaças de morte, deletou o tweet. Mas se pronunciou sobre o caso afirmando que qualquer figura pública deve ser lembrada em sua totalidade, mesmo que esta figura pública seja amada e essa totalidade inquietante.
O posicionamento da jornalista provoca um questionamento sobre se é correto relembrar polêmicas e erros do passado logo após a morte de algum famoso. Afinal, o momento de luto é difícil, principalmente para a família e amigos próximos. Mas ao mesmo tempo, é certo anular todos os erros e fingir que nada aconteceu?
Nesses casos, a mídia precisa retratar os casos com clareza, sem omitir os fatos. Pois o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação, segundo o artigo 7 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
Paralelamente, nem todos os famosos tiveram o mesmo privilégio de Kobe Bryant, de serem lembrados positivamente mesmo após atos controversos de suas vidas. Por isso, não se deve aproveitar da situação para ganhar visualizações em cima de uma polêmica. Em vida ou em morte, todas as pessoas devem ser tratadas com respeito. O fato dela ser famosa não interfere na ética da situação, de acordo com o artigo 13 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.