Informação que muda atitudes
- 27 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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A falta de instrução é um dos grandes causadores do “discurso de ódio ao estrangeiro”. Muitos desconhecem a situação do Haiti, sequer entendem a crise que o próprio Brasil enfrenta.
Juliana Dorneles
A migração de estrangeiros para o Brasil é um dos assuntos atuais que gera certa polêmica. Em quatro anos o número de haitianos no país dobrou, chegando a quase 8.500. Essa migração trouxe consequências e dividiu o país em dois grupos de opiniões: os que concordam com a ação humanizada de receber os refugiados e os que acreditam que a vinda dos estrangeiros só trará prejuízos para o país.
Já parou para pensar se o Brasil deve ou não acolher os Haitianos? Se sim, por quê? Esta pergunta traz consigo a uma importante reflexão. Uma resposta mal intencionada ou a ausência de resposta pode levar o brasileiro à práticas terríveis, como incorrer na xenofobia, por exemplo.
A falta de instrução é um dos grandes causadores do “discurso de ódio ao estrangeiro”. Muitos desconhecem a situação do Haiti, sequer entendem a crise que o próprio Brasil enfrenta. Assim, atos xenofóbicos se tornam uma válvula de escape para o brasileiro que vê o país em meio a uma crise política e principalmente econômica.
Camila Asano, coordenadora de Política Externa da ONG Conectas (instituição que visa a promoção da efetivação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, no Sul Global – África, América Latina e Ásia), responde a pergunta acima, levantando três aspectos que devem ser pontuados. O primeiro motivo pelo qual o Brasil deve acolher os Haitianos é em consideração a pobreza que o país se encontra. Para se ter noção, o Haiti é um dos países mais pobres das Américas e ainda sofre as consequências do terremoto que os atingiu em 2010.
Outro motivo é a ligação que o Brasil tem com o Haiti, por participar da missão da ONU que visa ajudar o país a restaurar a ordem e promover a paz. Além disto, o governo brasileiro firma a postura, no plano internacional, de defensor de políticas migratórias em favor dos direitos humanos.
Outro fator que influencia, positivamente ou não, a postura dos brasileiros com relação aos refugiados é a mídia. Os meios tem um forte poder de controle e persuasão sobre a opinião do povo. Como a mídia se comporta frente a situação?
O tema da imigração haitiana é abordado pela maioria dos jornais brasileiros. Obviamente nenhum deles apoia, explicitamente, a xenofobia, mas alguns, pintam a imigração como algo ruim, principalmente quando ilegal. É importante ressaltar, no entanto, que em 2015 o número de reportagens que se posicionou contra a entrada dos haitianos no Brasil diminuiu, em relação a 2013 e 2014.
Exemplos de casos de xenofobia aconteceram em grande número na cidade de Curitiba, local que já tem um histórico de preconceito. Aproximadamente metade dos haitianos que foram buscar uma vida melhor no Paraná se hospedaram na capital. A postura da Gazeta do Povo (maior e mais antigo jornal do estado) é admirável. Muitas reportagens foram feitas repreendendo fortemente a xenofobia e apoiando os direitos humanos dos refugiados. O título “Agressões a haitianos mostram o pior lado de Curitiba: racismo e intolerância”, já transmite a ideia de desaprovação do jornal com relação a postura do povo curitibano.
Já Carta Capital toma uma postura de contrastes. Em alguns momentos lutando contra o preconceito, por acreditar que ele é real e presente; em outros, idealizando o Brasil como um país solidário e hospitaleiro. Reportagens publicadas pela revista criticaram duramente a xenofobia mostrando as dificuldades que os refugiados enfrentam. Em contrapartida, há matérias que, de certa forma, fantasiam o Brasil como sendo um país que está de “braços abertos para receber os refugiados” (palavras da presidenta na abertura da Assembleia Geral da ONU).
Pegando o gancho das ideias da Carta Capital , o pesquisador Gustavo Barreto afirma, baseado em uma análise de mais de 11mil edições de jornais e revistas entre 1808 a 2015, que a noção de que o Brasil é um país hospitaleiro, não passa de um mito. Em sua tese de doutorado ele defende que a aceitação é seletiva, com diferenças entre europeus e africanos. O brasileiro espera outro imigrante. O rico, branco e europeu. Se não for o estrangeiro idealizado, o imigrante acaba inferiorizado e considerado culpado das mazelas do país injustamente.
A ignorância dos brasileiros com relação às dificuldades que o país enfrenta, acaba levando o povo a cometer atos xenófobos contra estrangeiros que, muitas vezes, nem tem relação com a questão da crise. A mídia, possuindo o poder de solucionar ou agravar tais situações, deixa de fornecer o conhecimento que a sociedade precisa para enfrentar a xenofobia.
Noticiar que existem casos de maus tratos e preconceito não é o suficiente para acabar com a cultura preconceituosa. É necessária uma postura mais pontual da mídia. Quando aconteceu em 2014, por exemplo, a Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio, a imprensa praticamente ignorou. Não se viu nos grandes jornais sequer a notícia de que acontecia o encontro. Tampouco chegou até o leitor a contextualização e explicação da situação do Brasil e quais as decisões que foram tomadas nesta importante conferência. Com um potencial tão grande em mãos, a mídia não deveria simplesmente agir de forma leviana e superficial e sim se esforçar para fornecer ao leitor informações que possam mudar atitudes.