Farol em meio à tempestade
- 24 de outubro de 2016
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- Thamires Mattos
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No El País é possível perceber o exercício jornalístico maduro que se aproxima do ideal de promover discussão e crescimento entre as pessoas sem incitar a discórdia e intolerância
Thaís Alencar
Assim que o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff começou, a grande discussão que se estabeleceu foi se o PT estaria sendo alvo de um golpe político ou não. As opiniões dividiram famílias e destruíram amizades. As redes sociais talvez tenham sido o grande palco das exibições. É provável que nunca dantes tenha se visto o povo brasileiro tão engajado na política. Os argumentos podem até não ter sido os melhores, mas só o engajamento já valeu alguma coisa.
A mídia brasileira, é claro, não poderia ficar de fora do assunto. Imparcialidade ao dar a informação foi um principio bem esquecido por aqui. Cada veículo defendia a sua linha editorial e não seria demais dizer que a cobertura deste processo todo só colocou mais lenha na fogueira da discussão. E como se posicionaram os veículos de comunicação internacional?
A fim de ter acesso a uma visão externa sobre toda esta conjuntura política, vamos analisar o jornal espanhol El Pais. A primeira coisa digna de destaque é o volume de informação produzida. A busca por “Golpes Políticos” rendeu 1263 resultados; “Golpe no Brasil”, 678. Os materiais são os mais diversos. Reportagens, colunas, entrevistas, dentre outros. É interessante notar também a postura desta equipe de jornalismo diante de um tema tão polêmico. Apesar dos colunistas defenderem fortemente a ideia de que o país atravessou um golpe político, as matérias são bem equilibradas.
Não digo equilibradas pelo fato de abordarem os dois lados da situação no mesmo texto, até porque nem sempre é possível. Mas, a maneira como o tema é tratado não é agressiva. A impressão que se tem é que a equipe de jornalismo de El País entendeu que é possível discordar de uma ideia, sem afrontá-la. Além disso, é encontramos matérias inteiras mostrando outro ponto de vista. Quando este espaço de discussão não é aberto através de reportagens, as entrevistas entram como meio de trazer à tona muitas vezes uma forma de interpretação inédita, por meio de fontes diferentes. “Aloysio Nunes: ‘Golpe no Brasil é corrupção na Petrobrás e presidente que não cumpre lei’”, publicada em 22 de abril de 2016 e “‘Hoje os golpes são suaves, através dos poderes econômicos e do judiciário’”, divulgada em 23 de março do mesmo ano, são exemplos do espaço oferecido aos dois lados do debate.
O objetivo de cada matéria, não é impor ao leitor o que pensar, mas permitir que ele tire suas próprias conclusões a respeito do que foi mostrado. Por meio disso, é possível perceber o exercício jornalístico maduro que se aproxima do ideal de promover discussão e crescimento entre as pessoas sem incitar a discórdia e intolerância. Um jornalismo que não procura desesperadamente a audiência ou que conhece muito bem o perfil de seus leitores e sabe como agradá-los.
Além do texto impecável, a forma do El País abordar um assunto é sempre diferenciado. Eles discutem sim o que “todo mundo” está discutindo, no entanto sem ser repetitivos e sempre buscando trazer algo novo. Por exemplo, enquanto os outros tentavam defender a existência (ou não) de um golpe, El País colocava em discussão quais seriam as possíveis consequências dos rumos que o Brasil estava tomando, no caso, a deposição ou não da presidente.
O jornal espanhol como veículo de comunicação pode ser comparado a um variado cardápio. Enquanto, ao recorrer à mídia brasileira, nos sentimos sufocados e sem opção de um caminho a seguir, El País abre horizontes. Desperta a criticidade e a consciência tão necessárias para atravessar um momento político como este. Qualquer leitorse sente a vontade diante do material deste periódico pelo simples fato de que eles sabem discordar sem desrespeitar quem pensa diferente
Em meio a feroz guerra de posicionamentos e opiniões este jornal surge de maneira a ser um espaço de trégua, onde é possível ter uma visão mais ampla e menos contaminada por paixões. Através desta maneira de trabalhar, El País tem cumprido o papel de promover a livre discussão e assim, contribuir com o amadurecimento do pensamento critico da nossa sociedade. Uma boa fonte de informação para quem deseja ter uma visão diferenciada do caos político que envolve o nosso país.