Época de guerra
- 11 de novembro de 2015
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- Thamires Mattos
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Em um período de aproximadamente um ano a revista Época publicou cinco edições contendo fotos da presidente Dilma Rousseff como capa. As cinco capas sugerem uma narrativa contada sob o ponto de vista de um campo de guerra.
Kelson Brecht
Construir uma imagem em tempos atuais não é tão difícil. Afinal, há um certo tempo, não é mais necessário ir ao exterior de uma caverna, juntar punhados de terra colorida, molhá-los com gordura, voltar à caverna e espalhar a mistura sobre uma superfície rochosa, desenhando formas e padrões responsáveis por contar e exemplificar uma história. Não. Hoje em dia, basta arrancar um retângulo tecnológico do bolso, apontar para qualquer coisa (quase sempre um rosto…) e apertar um botão. Está aí: uma imagem pronta para construir – ou desconstruir – outra imagem no olhar receptor.
Em linguagem pura e simples, a imagem tem a capacidade de funcionar como um discurso em si mesma. O poder propagandista de uma imagem, e seus objetos e ícones, detém um potencial há muito explorado. No contexto da Segunda Guerra, por exemplo, é impossível não comparar as imagens propagandistas icônicas de Tio Sam e Hitler, ambos incorporando o sentimento nacionalista de países rivais. É como se Hitler se aliasse ao patamar idealizado e fictício de Tio Sam e este chegasse à realidade ao lado da figura de Hitler, tudo graças à imagem.
Também em momentos de guerra a propaganda gerada a respeito do adversário é essencial para a vitória. É apenas lógico utilizar a imagem do outro contra ele mesmo, desconstruindo-a no olhar de todo o público. E quando é chegada a hora de eleições políticas? Então, a linha tênue dividindo campo de guerra e debates ideológicos é rapidamente despedaçada. E é esta a postura adotada pela revista Época, a semanal da Editora Globo.
Em um período de aproximadamente um ano a revista Época publicou cinco edições contendo fotos da presidente Dilma Rousseff como capa. As cinco capas sugerem uma narrativa contada sob o ponto de vista de um campo de guerra. Esta, decerto com proporções épicas e colossais para poder sustentar tantos ataques, contra-ataques exemplificados nas imagens e títulos.
E é curioso enxergar apenas a presidente como a participante deste confronto. Em apenas uma única capa (que será analisada posteriormente) a presidente se encontra ao lado de um adversário, sendo este Aécio Neves. Nas fotos restantes Dilma está sempre sozinha sendo foco de ataques, aos quais é quase sempre representada como incapaz de suportar ou revidar.
Mas não é de hoje – ou do ano anteriormente citado – que Dilma é tratada de maneira frágil e vitimada pela revista. Na capa de uma das edições de maio de 2011 Dilma está à frente de um fundo preto, de olhos aparentemente fechados com uma expressão passiva e pacífica. No título lê-se A saúde de Dilma. Obviamente não é acidental usarem uma imagem com claras conotações fúnebres quando unidas às informações sobre a saúde da presidente. E é estranho contrastar esta foto e edição com outra lançada apenas dois anos antes, quando a revista também tratava da saúde da então candidata à presidência. Na capa de abril de 2009 vemos uma Dilma sorridente sentada ao lado de uma imagem religiosa. O título era A força de Dilma, aludindo à luta desta contra um linfoma.
Porém, durante as eleições do ano passado e a crescente desaprovação do governo, o foco na fragilidade da presidente e nas constantes incursões à ringues e campos de batalha tornaram-se foco da revista.
Começando com guerra declarada, Época em maio de 2014 diz Dilma vai à guerra. Em preto e branco e com postura, olhar e sorrisos decididos Dilma expressa a confiança de enfrentar um novo período de eleições, conforme exemplificado pelo subtítulo “A estratégia populista do governo para reagir à queda nas pesquisas e ao avanço da oposição”.
Já em períodos de debate em outubro de 2014, a revista fala sobre A eleição vale-tudo. Na capa, Dilma está frente a frente com Aécio Neves enquanto ambos parecem discutir, agressivos. O plano de fundo é o Palácio do Planalto ocupado por manifestantes em um tom de cores dessaturadas sugerindo um cenário caótico e quase apocalíptico. Nesse exagero todo seria até possível estampar a foto em uma capa de DVD com uma compilação dos debates políticos mais acalorados televisionados no Brasil.
Ainda no mês de outubro de 2014 a nova edição citava Dilma: “Estou disposta ao diálogo” . Na foto está o close em uma presidente alegre, olhos brilhando, em êxtase pela vitória nas eleições. A imagem de Dilma na foto, com expressão ébria, leva o receptor a enxergar a presidente com um olhar inadequado e distante. Causa um sentimento alheio capaz de impossibilitar o receptor de levar a figura representada a sério, graças a expressão facial quase-cômica. E o título “Estou disposta ao diálogo” automaticamente é ligado a esta Dilma com expressões alucinadas da foto. Uma presidente que antes era incapaz de dialogar, mas agora, extasiada, poderá ter conversas civilizadas.
Avançando para setembro de 2015, a capa da Época mostra a presidente sentada com expressão séria olhando para o relógio de pulso. A presidente sem poder, diz a revista. Na linha fina “Dilma se enfraquece e perde tempo ao lançar um pacote de ajuste equivocado – e deve enfrentar um Congresso cada vez mais hostil”. Novamente Dilma é enxergada como uma figura incapaz. Uma personagem sem ação enquanto senta, olha para o relógio, e “perde tempo”.
No mês seguinte, em outubro, Dilma está olhando através de uma janela com expressão de desaprovação e incômodo. Esta é Dilma sob ataque – Incapaz de fazer aliados no Congresso e acossada nos tribunais de Brasília, a presidente enfrenta sozinha a batalha decisiva para salvar seu mandato. E este é, até o momento, o último capítulo lançado a respeito das guerras encaradas por Dilma Rousseff. As quais a presidente, de acordo com a revista Época, demonstra ser incapaz de enfrentar sozinha.