Entre informação e manipulação
- 16 de outubro de 2024
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- Theillyson Lima
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Ao longo das eleições, a influência pode ser decisiva, levantando questões sobre até que ponto a mídia informa ou manipula o eleitorado.
Julia Viana
O papel do jornalismo durante as eleições é essencial para o bom funcionamento da democracia. A imprensa tem o dever de informar os cidadãos, apresentando as diferentes propostas políticas de maneira clara e imparcial, possibilitando que o eleitor faça uma escolha consciente. No entanto, há uma linha tênue entre informar e influenciar. Em um cenário em que a mídia é a principal fonte de informação para a maioria dos eleitores, fica a pergunta: até que ponto o jornalismo pode induzir o voto?
Nas eleições brasileiras, essa questão ganha relevância a cada etapa eleitoral. A forma como as notícias são apresentadas, as pautas escolhidas, os ângulos adotados e o destaque dado a certos candidatos ou temas têm o potencial de moldar a opinião pública de maneira sutil ou, em alguns casos, de maneira explícita. A ideia de um jornalismo imparcial e puramente informativo muitas vezes entra em choque com as realidades do ambiente midiático, nas quais disputas políticas, interesses econômicos e o sensacionalismo se entrelaçam.
O poder da pauta
Um dos mecanismos mais potentes de influência do jornalismo nas eleições pode se destacar a teoria da agenda setting. Esse conceito se refere à capacidade da mídia de determinar quais temas serão debatidos e discutidos pela sociedade. Em outras palavras, ao decidir o que é notícia, o jornalismo acaba sugerindo ao público o que é importante.
Nas eleições, esse poder de definição da pauta pode se tornar decisivo. Se a mídia dá maior atenção a temas como segurança pública, por exemplo, os eleitores podem ser levados a priorizar essa questão em suas decisões de voto, mesmo que temas como saúde ou educação tenham um impacto maior em suas vidas cotidianas.
A escolha das pautas muitas vezes reflete os interesses econômicos ou políticos das grandes corporações midiáticas. Nas eleições presidenciais de 2022, vimos esse fenômeno em ação quando a cobertura de temas relacionados às urnas eletrônicas e ataques ao sistema eleitoral moldaram o debate público. Essa abordagem criou percepções de insegurança e desconfiança, impactando a visão de certos eleitores sobre a legitimidade do processo eleitoral
No Brasil, o oligopólio midiático, em que um pequeno grupo de empresas controla a maior parte das informações que circulam no país, aumenta o risco de que a cobertura eleitoral esteja mais alinhada aos interesses dessas corporações do que ao interesse público.
A visibilidade dos candidatos
Outro aspecto relevante é o que chamamos de viés de cobertura, no qual os candidatos que recebem maior tempo de exposição na mídia naturalmente tendem a ser mais lembrados pelos eleitores. No Brasil, essa questão é particularmente sensível quando observamos a disparidade de cobertura entre os candidatos. A quantidade de reportagens, entrevistas e menções a certos políticos muitas vezes cria uma aura de inevitabilidade em torno de suas candidaturas, levando o eleitor a acreditar que eles são os mais viáveis ou os mais preparados. Outro ponto relevante a se destacar é a forma como os candidatos têm se posicionado na internet, deixando seus nomes em evidência.
Essa dinâmica foi evidente nas eleições presidenciais de 2018, quando alguns candidatos, como Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, dominaram as manchetes, enquanto outros, como Guilherme Boulos e João Amoêdo, receberam menos cobertura. O resultado disso é que o eleitor tende a associar maior visibilidade a maior relevância, o que pode direcionar seu voto de maneira involuntária.
Além da quantidade, a qualidade da cobertura também desempenha um papel importante, pois candidatos associados a escândalos, como foi o caso de Lula durante seu envolvimento nas investigações da Lava Jato, sofrem um desgaste de imagem que pode impactar suas chances eleitorais. Mesmo que as acusações sejam infundadas ou superdimensionadas, a repetição de tais narrativas cria uma percepção pública negativa. Ao mesmo tempo, candidatos que recebem uma cobertura mais positiva ou neutra, focada em suas propostas ou realizações, tendem a construir uma imagem mais favorável.
A linguagem das notícias
Além da escolha dos temas e da visibilidade dos candidatos, a linguagem utilizada nas reportagens também tem o poder de moldar a percepção pública. Termos como “favorito” pode criar a ideia de que determinados candidatos têm mais chances de vencer, o que pode induzir eleitores indecisos a votar neles, seja por um desejo de não desperdiçar o voto, seja por acreditar que a vitória desse candidato é inevitável.
Da mesma forma, adjetivos como “radical”, “polêmico”, “moderado” ou “pragmático” carregam conotações que afetam a percepção do público. A escolha dessas palavras não é neutra, e quando utilizada de forma repetitiva, pode acabar associando certos valores ou qualidades a determinados candidatos. Assim, o eleitor é influenciado de forma indireta a adotar uma visão mais positiva ou negativa de um político, conforme os rótulos que a mídia lhe atribui.
Os títulos e as chamadas de notícias também merecem atenção. Muitas vezes, o título de uma matéria é mais lido do que o conteúdo completo, e isso pode gerar uma visão distorcida dos fatos. Títulos sensacionalistas ou que destacam apenas uma parte da informação podem induzir o público a acreditar em algo que não reflete a realidade completa dos fatos.
Uma nova dinâmica de influência
O jornalismo digital e as redes sociais tornaram-se as principais fontes de informação para uma grande parte da população brasileira, especialmente entre os mais jovens. Plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp substituíram a mídia tradicional como canais predominantes de disseminação de notícias. No entanto, essa transição trouxe novos desafios, pois a rapidez com que as informações são compartilhadas e o fenômeno da viralização fazem com que certas narrativas ganhem força de maneira desproporcional.
Um fator crucial nessa nova dinâmica é o uso de algoritmos, que priorizam conteúdos com maior engajamento, ou seja, postagens que provocam mais reações, curtidas e compartilhamentos. Esse mecanismo favorece a criação das chamadas bolhas informativas, nas quais os usuários são expostos repetidamente a informações que reforçam suas crenças e preconceitos, bloqueando a diversidade de opiniões. Esse fenômeno foi amplamente observado durante as eleições de 2018, quando o debate público se fragmentou em múltiplas esferas, muitas vezes distorcidas por fake news, espalhadas sem controle pelas redes.
Essa dinâmica aumenta o risco de indução do voto, já que os eleitores ficam cada vez mais restritos a um fluxo constante de informações que confirmam suas ideias pré-existentes. A manipulação de informações através de fake news, como no caso das eleições de 2018, quando o WhatsApp foi usado para disseminar desinformação em massa, foi um fator significativo na formação das percepções eleitorais. A proliferação de deep fakes e a adulteração de vídeos e fotos agravam ainda mais essa situação, confundindo o eleitor e tornando difícil distinguir o verdadeiro do falso
A disseminação de fake news impactou não só o Brasil, mas outros países, como se viu nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, nas quais desinformações sobre Hillary Clinton circularam amplamente nas redes sociais, influenciando o comportamento eleitoral. No contexto brasileiro, as fake news que associavam Fernando Haddad e o Partido dos Trabalhadores a uma suposta distribuição de “kit gay” nas escolas ganharam tração nas redes sociais, afetando negativamente a campanha do candidato
O jornalismo, como pilar fundamental da democracia, carrega a responsabilidade de informar e promover o debate durante as eleições. No entanto, é inegável que, em diversos momentos, o jornalismo brasileiro acaba ultrapassando a linha entre informar e influenciar. Esse poder de influenciar a narrativa política tem implicações diretas no comportamento dos eleitores, tornando ainda mais importante o compromisso com a imparcialidade e a transparência durante o processo eleitoral.