E seguindo a canção
- 15 de maio de 2018
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- Thamires Mattos
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Na dor, a poesia de uma canção ensina que a luta nunca foi tão necessária
Victória Coelho
“Para não dizer que eu falei das flores”
Me perdoe, Geraldo Vandré, mas não consigo ver flores, tampouco alguma cor que elas trazem consigo. Era 11 de setembro. Tudo em cinza, pó e morte. Nem o vermelho do sangue de corpos frios e sem vida dava para ser notado. As torres gêmeas deixaram um memorial, saudade e perguntas ainda sem respostas. Na história de Nova York, o 11 de setembro de 2003 pode ter sido um dos piores da história. Para os chilenos, também era 11 de setembro, mas o ano foi 1973. À semelhança do ataque terrorista, teve cinza, bomba e morte. No Chile, o palácio do governo foi bombardeado. Um violento golpe de estado se iniciava. Em meio ao caos, o suicídio do presidente Salvador Allende.
Allende foi o primeiro presidente marxista a ser eleito pelo voto popular. Eleito quatro vezes consecutivas, o socialista provocava um sentimento de euforia e representatividade na classes populares e nos partidos de esquerda, afinal um de seus maiores objetivos no poder era o de redistribuição da renda. Entretanto, o plano falhou e uma possível consequência rondavam o Chile e o governo de Allende: um golpe militar de direita, até mesmo financiado pelos Estados Unidos. “E foi dito e feito”. Desequilíbrio na economia, desemprego e o desabastecimento de itens básicos. Cada uma dessas retrancas soavam como música aos setores de extrema direita.
Era hora de agir. Os companheiros da terra do Tio Sam trabalhavam nos bastidores. Dois anos antes do golpe, iniciaram um bloqueio econômico ao Chile. Conspiração? O Caminho até o golpe estava traçado. Tudo bem planejado e comandado pelo general Augusto Pinochet,comandante e Chefe do Exército chileno, nomeado pelo próprio Allende.
“As flores no chão”, ou não!
Há quem diga que o período comandado por Pinochet deixou o Chile em seus melhores dias econômicos e seus piores de valorização da vida. A ditadura implacável deixou 3000 mortos, 35 mil torturados e outros muitos desaparecidos, sem contar os chilenos exilados. No massacre, a violação dos direitos humanos predomina e a justiça some. O ditador governou o Chile durante longos e massacrantes sete anos. Viveu acumulando perdas de imunidade e um série de julgamentos, em contraste,conquistou a posição de senador vitalício. Em 2011, a justiça perdeu para morte e o Chile se partiu em dois. Para alguns, a morte do papito Pinochet, para outros, o fim da vida do homem mais detestável do país. Justiça não foi feita. Augusto Pinochet morreu sem ser julgado.
A mídia chilena trabalhou na calada e lutou com suas armas mais poderosas: o silêncio, ou melhor, com a versão oficial do governo militar. Ouvir os dois lados da história não foi prioridade, tampouco apuração no que remetia a violação de direitos humanos. Apesar do massacre, o espreme que sai sangue dos jornal não acontecia. Era só o silêncio que gritava em meio a torturas e assassinatos. Nas notícias tímidas e acusações discretas, o maior jornal de circulação do Chile, El Mercurio, foi apontado como veículo que participou da articulação do golpe. Cúmplices? Quem ousava quebrar o silêncio era silenciado. Quem fazia parte da mídia e optou pela apuração e verdade nua e crua das coisas teve papel crucial, bem como consequências desastrosas.
“Somos todos iguais”
E o ser igual na dor pode nos fazer semelhantes. Assim como o Chile, o período da ditadura na Argentina durou longos e massacrantes sete anos. A afinidade que o Argentina tem com Chile em períodos de horror se dá também pelo cinza, bomba e morte. Assim como um presidente tirado de cena. Era 28 de junho de 1966 quando a ditadura começou. Arturo Illia foi derrubado. Com ele um país, no sentido literal.
Para os mais “íntimos”, agentes do poder, a ditadura era chamada de revolução. Nesse tempo, os militares tiveram suas atividades legalizadas no país. Quem comandava toda essa “revolução” eram três generais: Juan Carlos Onganía, Roberto Marcelo Levingston e Alejandro Agustín Lanusse. Eles tinham por principal objetivo, ficar no poder enquanto todos os problemas argentinos existissem. Enquanto o milagre não acontecia, uma derrocada se instaurara. Os partidos políticos foram colocados como fantoches em posição de estátua. Direitos políticos, sociais e civis foram extinguidos do mapa, assim como seres humanos.
Nesse meio tempo, presidentes entraram e saíram de cenas como fantasmas. De forma rápida e causando medo. Diante disso, o povo foi “bater panela” para que eleições diretas acontecessem. Democracia? Em vão. O grupo militar alterou as leis eleitorais e o candidato que o povo tanto sonhara foi impedido de se eleger. O que também foi barrado pelos que estavam à frente do poder foi a democracia, o direito de ir e vir e por mais assustador que pareça, a vida.
As milhares de torturas, desaparecimentos e mortes revelam mais uma vez que pior que direitos humanos violados, são as perguntas sem resposta. Uma delas se refere aos quase 100 jornalistas mortos, vítimas do regime e considerados subversivos pelo mesmo. Jornalistas que trabalhavam secretamente, em busca de informar, alertar e humanizar. Assim como no Chile, houve uma parcela da mídia que se rendeu ao sistema.
“Não espera acontecer”
Qual mãe espera perder um filho e viver na amarga incerteza de sua vida? Há incontáveis mães no Uruguai que perderam a esperança de um dia ver seus filhos de novo. Eles foram engolidos pela ditadura. O ano? 1973. Longos e massacrantes 12 anos. Assim como nas outras ditaduras tratadas no texto em questão, houve mortos, torturados e desaparecidos. Bem como, cinza, bomba e sangue. Não houve direitos humanos.
Na década de 50, o Uruguai entrou em uma crise econômica e social. Nessa mesma época, houve a “guerra de guerrilhas”, um movimento extremo, causado por conflitos ideológicos de grupos sociais e de extrema direita. Enquanto tudo isso acontecia, as forças armadas iam tomando forma e poder, desenvolvendo influência política. E como em outros golpes, foi inesperado. Só aconteceu. Militares apoiados pelo presidente Juan María Bordaberry. O Golpe de Estado aconteceu. De imediato, os protagonista do golpe fecharam o senado e câmara dos deputados. A mídia mais uma vez se dividia entre os que compravam a vida e publicavam o que “deveria ser dito”, e os que fizeram barulho quando o que mais queriam era o silêncio. Jornalista mortos, torturados e desaparecidos. Impunidade a policias e militares.
“Vem, vamos embora.”
É o que se pode tentar fazer. Já se passaram mais de 40 anos desde os períodos de ditadura militar no Chile, Argentina e Uruguai. Países que dividem a América do sul e feridas que não cicatrizaram. Países que tiveram vidas brutalmente tiradas sem explicação. Ambos sofreram golpe. Esses mesmos, sofrem a dor de desaparecidos sem uma notícia sequer. Torturas com sequelas visíveis e profundas. Mortes cruéis. Nesses países, a mídia compartilhava a ordem do “cala boca”.
Hoje, no caos das cicatrizes profundas surge a ordem de aceitar o perdão de quem nunca pediu. Chile, Argentina e Uruguai carregam consigo direitos humanos violados, bem como justiça. Milhares dos que fizeram “democracia” com as mãos. Esses mesmo, que “lutaram” pelo bem da nação, seguem impunes. Alguns deles, voltaram ao pó da terra sem que a justiça fosse feita. Contudo, nessas mais de quatro décadas o mundo mudou. O povo ganhou voz. E a mídia avança aos poucos. Sem determinismo e pessimismo, essa edição do canal da imprensa é uma prova disso. Nada justifica uma ditadura, tampouco, quem utiliza a fraqueza do outro para se manter em pé. Diante de tudo isso, o que restaria seria ir embora? Eu decido ficar. Falar, escrever e cantar por justiça. “Caminhando e cantando e seguindo a canção”.