E quem disse que elas não são fortes?
- 21 de março de 2017
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- Thamires Mattos
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O programa da rede Record, The Love School, registra recorde de audiência e sem deixar hematomas ou ossos quebrados violenta suas espectadoras. No programa, a mulher é diminuída perante a sociedade
Victória Coelho
É véspera de feriado e fiz vários planos. Escrever este texto não fazia parte deles. Estava assistindo uma série e este último episódio me fez parar tudo e pensar mais uma vez sobre o tema sobre o qual hesito em começar a escrever. Misoginia é a pauta desta edição. O episódio da série que acabo de assistir me chocou, perturbou, humilhou. Parei de ver. Uma mulher sendo violentada ali, na tela do meu notebook. “É ficção”, você vai dizer. Ufa! Podemos respirar aliviados. Não. Isso não acontece só em seriados. Acontece todos os dias. E o que é pior: nós vemos, compartilhamos e vivemos isso.
Comecei a estudar esse tema e percebi que ele era tão real quanto intenso. Li, ouvi, reli sobre o assunto e descobri que o conteúdo, apesar de muito discutido, ainda é exposto de forma tão sorrateira. No contexto em questão, vem em forma de programa televisivo, usa religião como carro chefe de forma indireta e um casal aparentemente perfeito. Agarram-se na justificativa de ensinar, com um nome sugestivo: The love School – A escola do amor.
O programa veiculado pela TV Record é apresentado pelo casal Renato e Cristiane Cardoso, autores do best seller Casamento Blindado. No programa, o casal pode ser comparado à professores experientes e seus espectadores, a alunos desejosos por conhecimento. A disciplina em questão é complexa: felicidade entre casais. Entretanto, não há complexidade que Ricardo e Cristiane não tornem acessível. Tal habilidade é notória, The Love School registra recorde de audiência na emissora.
A temática é instigante. Afinal, ser feliz no amor é o objeto de desejo da maioria dos casais. Entretanto, este texto propõe-se falar de ódio, desprezo ou preconceito às mulheres. Contraditório? Um programa recordista de audiência e apreciado por milhões de mulheres sendo relacionado à violência contra a mulher. Incoerente? Porventura sabemos o que de fato é a misoginia, quiçá em que consiste a violência simbólica? Seria possível a religião, de forma indireta, e ódio ao gênero feminino andarem juntos? Esse turbilhão de indagações pode ser cessado em pouco mais de 40 minutos, no programa que traz consigo um tema atraente. como se tornar uma mulher forte?
A violência desse programa é invisível. Ela não quebra ossos ou deixa hematomas. Em The Love School, as mulheres são subjugadas em diversas situações. A reportagem de abertura é intrigante. Uma rápida contextualização na vida de duas mulheres conhecidas no país e no mundo. Ana Maria Braga e Suzana Vieira, ambas inseridas no mundo da fama e classificadas como lindas, inteligentes, poderosas e bem-sucedidas. Após todos esses adjetivos um adendo: solitárias. Ambas foram diagnosticadas como protagonistas do “mito da mulher forte”. Elas não tinham relacionamentos sólidos, mas sim, fracassados e por conta disso foram classificadas como solitárias.
Após a reportagem, Renato começa a falar – essa prática é comum –, já que Cristiane fala pouco e nunca introduz, tampouco, finaliza um assunto. Nesse cenário, é possível classificar Cristiane como a tão conhecida esposa bela, recatada e do lar, exercendo com maestria seu papel de submissão e dependência do marido.
Tais constatações foram questionadas pela própria Cristiane no programa “Como se tornar uma mulher forte”. Durante a transmissão ela argumenta que muitas pessoas não entendem o porquê de suas falas curtas e mínimas. Depois dirigindo-se a Ricardo continua: “eles acham que eu não sou forte por falar menos que você”. Ricardo rebate a afirmação da esposa de forma incisiva. “Agora eu vou falar para você, mulher, que é reativa, impulsiva, vítima de suas emoções. Você que não pode ver um homem falando de mulher que acha que ele é machista. Eu queria dizer que você é indesejável. Nenhum homem vai querer ter você por perto”. Incoerente? De forma alguma! O apresentador conclui epicamente. “E eu não estou te amaldiçoando, apenas alertando”.
Em outras situações, é nítido o discurso de que o tão sonhado “felizes para sempre” depende da mulher servil, obediente, passiva, submissa e “forte”, à luz do programa. Em outros programas a cena se repete, sorrateira, invisível e ao mesmo tempo tão intensa e cruel. A culpa é sempre dela. Em The love School, a mulher é diminuída perante a sociedade. A mesma sociedade que constrói todos os dias escolas que violentam mulheres sem que elas notem.
A violência está embutida nas entrelinhas do The Love School. O senso patriarcal é claríssimo nos discursos de Ricardo. A submissão é angustiante nas atitudes e singelos comentários de Cristiane. Se presenciamos uma reforma educacional nos últimos tempos, providenciem também, com urgência, uma para essa escola que prega um amor que, como mulher forte que sou, desconheço.