É o fim do caminho?
- 30 de outubro de 2017
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- Thamires Mattos
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Insensibilizados? Selvagens? Quem os deixou assim? A natureza, as civilizações, a mídia? Ninguém sabe, afinal, quem somos nós diante da dor dos outros?
Victória Coelho
“É pau, é pedra, é o fim do caminho”. O fim? Tem gente sem teto, comida, sem saber o que fazer. A casa treme, o mar avança engolindo tudo que vê pela frente. Há seres humanos em baixo de escombros e outros por cima deles em busca dessa mesma gente. Há corpos brutalmente assassinados no chão de boates, ao ar livre, em um restaurante de esquina. Quem matou? Matou porquê? Quem é que sabe. A terra grita o horror dos seres humanos. Seria o fim do caminho? Diante do caos, a fragilidade do homem fica em evidência.
Samuel Ramirez nasceu na colômbia, mas aos cinco anos chegou ao Sul do México para viver com a família. A pouca idade, não apagou as tremuras em forma de lembrança. Os terremotos fizeram parte da vida no menino de forma intensa. A assiduidade dos sismos de terra o deixou acostumado com a realidade atípica. Era natal, a terra tremia. Nos verões quentes, ou invernos rigorosos, os terremotos estavam lá. Sempre. “Eles eram fortes, mas nem tanto, não sentíamos os terremotos com tanta intensidade”, relembra.
A vida de criança conciliada com uma realidade incomum marcada por tremores constantes preparou Samuel e toda sociedade muito bem. Quando ele estava na escola, passavam por um processo de simulação de evacuação. Um terremoto fake era anunciado e todos precisavam sair o mais rápido possível dos locais. O preparo evidente deixou claro uma questão para o menino: os terremotos não iriam cessar.
Tremores insanos
O ano? 2017. Samuel cursa o ensino superior no Norte do México, mas os pais ainda continuam no Sul, onde a incidência de terremotos é maior. Lá da cidade de Morelos, uma ligação na madrugada anunciava o que o rapaz já esperava. O incomum? A ligação vinha do telefone fixo de sua casa.
– Filho, o terremoto está insano, estamos muito preocupados, desta vez ele está muito forte. Sinto a terra se movimento como nunca antes. As luzes estão oscilando e já não temos sinal de celular.
-Pai, não pode ser. Aqui não sentimos nada. Fiquem calmos. Vamos pedir a Deus por vocês.
A terra anunciou o que Samuel já sabia, afinal tudo isso era corriqueiro, normal. Contudo, terremoto como este, a família de Samuel nunca havia vivenciado. O pouco sinal de linha telefônica não era suficiente. Havia outros parentes espalhados pelo México e envoltos em destruição causada pelos terremotos. O recurso do estudante foi o noticiário. Estes, infelizmente deixaram a desejar. A cidade dos pais de Samuel não era grande. A destruição foi notada em casas singelas. Assim foi a cobertura da mídia. Pequena.
Apenas duas semanas depois do ocorrido na pequena Morelos, a capital foi atingida. O tamanho da cobertura midiática sobre o acontecido representou a grandeza dos prédios do Distrito Federal. Suntuosa. Seria uma disputa de quem cobre mais um desastre ou outro? “A mídia ajudou muito com a cobertura, pois pessoas informadas pela mesma se uniram para ajudar os afetados, mas por conta da simplória cobertura feita na cidade dos meus pais, muitos não ficaram sabendo e a ajuda foi inferior por lá”, comenta o estudante.
Marcelo Assunção, professor de Geofísica da Universidade de São Paulo (USP), ressalta a importância da mídia nesse tipo de situação, já que esse “boom” em catástrofes naturais é normal. A impressão de aumento se dá pelas informações veiculadas. “Às vezes parece que há um crescimento, mas é coincidência. Já ocorreram catástrofes anteriores maiores do que essas. O que tem acontecido é que qualquer coisa que ocorre no mundo tem uma exposição feita pela mídia muito maior do que nós víamos há alguns anos atrás”, explica.
Para benfeitorias ou não, a mídia protagoniza uma cobertura disforme. Fábian Thier, coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social, a Famecos, enfatiza este ponto. “Dependendo do lugar, se dá um tipo de valor diferente. Se é um país maior, com mais turista, mais dinheiro, ocorre um tipo de cobertura. Se for um país menor, mais esquecido a cobertura é outra, ” observa. A título de exemplo, o coordenador cita casos em países desenvolvidos. “Uma coisa é uma catástrofe acontecer nos Estados unidos, Inglaterra, Alemanha, França ou Japão. Outra coisa é acontecer em um país africano. Até porque, na África, essas catástrofes ocorrem com mais frequência e às vezes a gente nem vê isso nos noticiários”, complementa.
O ano? 2004.Terremoto na Indonésia. Mais de 100 mil mortos. Um ano depois, furacão Katrina. Poucos mais de 2 mil mortos. Assunção lista as diferenças entre um fenômeno e outro. “No terremoto, a terra treme devido às forças internas da terra. Os furacões são fenômenos puramente atmosféricos, resultado de ventos muito fortes que ocorrem no Atlântico. Uma não afeta o outro, são dois fenômenos independentes”, explica. Semelhanças? A terra anuncia um possível mal-estar. Que não para por aí, nem possui um fim previsto.
Terremoto no Haiti, Tsunami no Japão. Temporal na região metropolitana do Rio de Janeiro. Seria o fim do caminho? Furacão Irma, Maria…
Susto
A decisão de sair das terras tupiniquins e mergulhar no novo foi tomada pela dentista Camile Duarte e a família há quase oito anos. Diferentemente do caso de Samuel, as ameaças desta família no exterior aconteceram devido a um outro fenômeno: furacão. Nos Estados Unidos, por causa da constância de ameaças do gênero, as famílias estão sempre preparadas. Neste ano, alerta do governo de um furacão. O Irma. Janelas com fitas em formas de X prometiam proteção evitando que os vidros se quebrassem. Comida e água potável estocadas. Materiais de primeiros socorros reservados. Tanques de combustível cheios, caso houvesse alerta de evacuação. Geradores a postos e outra infinidade de coisas prontas. Tudo isso, esperando o pior acontecer. No Brasil, a família de Camile e de tantos outros brasileiros que vivem no exterior experimentavam a tensão da incerteza em saber que por maior que fossem as medidas de segurança, a natureza sempre acaba por vencer.
É guerra?
Em meio a tensão, um suspiro forte de alivio. O furacão havia desviado o olho de lá. Não em todos os lugares. Em meio aos estragos o governo da Flórida se mostrou presente. “O governo aqui trabalhou o tempo todo, deu apoio a população 24 horas e está trabalhando até hoje, porque os estragos foram gigantescos”, conta Camile.
O caos eminente é distribuído pela mídia com intensidades distintas, principalmente no Brasil que vive o distanciamento do fato. O ideal equilíbrio ainda parece distante. Contudo, a informação acertada garante ao menos uma característica diante das tragédias: conteúdos verídicos que fogem do sensacionalismo. Para Assunção, uma alternativa é a segmentação. “O que falta no Brasil são jornalistas mais especializados em assuntos de ciência. Os profissionais que cobrem terremoto, furacão, cobrem também assassinato, economia. É preciso um enfoque mais especÍfico, mais correto”, aconselha.
Inimigo da civilização
A selvageria da terra passou para o homem como doença. A fúria do mar e dos ventos se instaura naquele ser dito como civilizado. Puxa o gatilho e aponta para quem estiver na frente. Sem dó. Joga bomba. Explode tudo. Mata por que? Por quem? Ódio. Intolerância. Seriam os selvagens na destruição? Ou o homem na natureza? “É pau, é pedra, é o fim do caminho”, para o homem.
O ano? 2001. O horário? 8h46 (9h46, horário de Brasília),o primeiro avião comercial sequestrado pela Al Qaeda atingiu uma das torres do World Trade Center (WTC). Depois, mais um avião se choca de forma proposital. Cada torre contava com 110 andares. O horror e agonia que parou o mundo deixou 2.977 mortos. O que foi isso? Um acidente? Não, dizem que foi inimigo da civilização: o terrorismo.
16 anos depois, o ataque do 11 de setembro ainda é uma ferida aberta para os norte-americanos. Em meio a tentativas de cicatrização, o homem civilizado ataca mais. Assim como ocorrem catástrofes naturais, a constância de atentados é horripilante. Mata porquê? Por quem?
Qualquer dicionário carrega uma definição universal para civilização. “Conjunto das caraterísticas próprias da vida intelectual, social, cultural, tecnológica. Que são capazes de compor e definir o desenvolvimento de uma sociedade ou de um país. ”
Significados inválidos
Domingo à noite. Música ao vivo. Ar livre. Diversão na aparente natureza selvagem. Tiros nas costas, no peito, na cabeça. Maior massacre com arma de fogo nos Estados Unidos. Las Vegas perdeu mais de cinco dezenas de pessoas anônimas. Matou porquê?
A multifacetada humanidade ainda padece do horror. Causado pela natureza? Não, pelo homem. Que atropelou gente em Barcelona no dia 17 de agosto. Na confusão se procura por gente e um sentido para tamanha fúria. Matou por quem?
Os acontecimentos de padecimento atravessam oceano e explodem em tempo real nas terras brasileiras. As coberturas que vem de lá para cá ainda não são equilibradas. A principal questão que difere as coberturas de um lugar para o outro é estar in loco. Thier, da Famecos, observa que a cobertura feita aqui no Brasil de assuntos nacionais são apresentadas de forma real e humana, oposto à cobertura que o Brasil faz do que acontece fora. “Coberturas fora do Brasil que são feitas pela imprensa Brasileira, reproduzem de uma forma geral o que as agências de notícias entregam com alguma facilidade, ” enfatiza.
A cobertura de atentados é vista por Thier como um jornalismo de chute, já que quando se fala em atentados nunca se tem uma informação do início. Essas notícias acabam por ter um único objetivo. Ocupar espaço. “Não se aprofunda não se faz nenhum tipo de relação, nem um tipo de estudo. A impressão que eu tenho é de simplesmente mostrar o que aconteceu. E na verdade jornalismo é muito mais que isso”, constata.
Os atentados terroristas as catástrofes naturais possuem um denominador comum. O horror, a dor de perder tudo que se tem. Seja um bem, seja uma pessoa. Em meio a dor há sempre lentes focadas nos sofrimentos, repórteres com olhos e ouvidos atentos à frases de efeito que carregam consigo tudo de ruim, mas nem sempre esperança. A natureza mata, assim como o homem civilizado. Nesse fogo cruzado, de salve-se quem puder, a mídia está lá. Cumprindo o seu papel? Thier afirma que o excesso de conteúdo desse gênero gera um jornalismo mais imediato e superficial e um leitor insensibilizado. “Jornalismo sem ser contextualizado não é jornalismo. Uma história não começa quando o primeiro tiro é dado, ela tem contexto. Quando não há contextualização, a sensibilidade é deixada de lado, desumanizamos o processo. Isso gera um distanciamento”, reflete.
Existe um culpado?
Histórias da fúria da natureza ou do homem são contadas de forma constante. As centenas de milhares de mortos retratados neste texto de pouco mais de 10 mil toques revelam o que? Que o homem civilizado, aquele “capaz de compor e definir o desenvolvimento de uma sociedade ou de um país”, falhou? Ou que a natureza grita quase que sem voz que o homem também pode ser um dos culpados do caos gerado por ela? Que foi daqueles mortos? Quem matou e matou porquê?
Números não representam a dor do outro. Matérias e reportagens não cicatrizam as feridas abertas, de restauração impossível, já que a família que perde tudo no terremoto ou no furacão, pode ser a mesma que perde a vida em um atentado terrorista. Insensibilizados? Quem os deixou assim? A natureza, as civilizações, a mídia? Ninguém sabe, afinal, quem somos nós diante da dor dos outros?
“É mais fácil pensar no inimigo apenas como um selvagem que mata e depois levanta a cabeça de sua vítima para que todos vejam”, Susan Sontag.