Driblando preconceitos: a cobertura da Copa do Mundo Feminina
- 30 de agosto de 2023
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- Theillyson Lima
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Muitos dizem que a mulher não era capaz de falar sobre esportes. No entanto, ao longo do tempo, esse estereótipo mudou e novas perspectivas entraram em campo.
Camylla Silva
A Copa do Mundo Feminina tem ganhado mais destaque gradualmente nos últimos tempos, refletindo a crescente valorização do futebol feminino. Parte desse reconhecimento vem da fervorosa cobertura jornalística e midiática diante do evento, que passou por mudanças em relação à distribuição de conteúdo, reforço, inclusão das próprias vozes e presença feminina na tela.
Em meio ao evento, fica evidente que a visibilidade de jovens atletas é o fator essencial para abrir as portas de oportunidades e divulgação do esporte. Essa visibilidade também atua como combustível que impulsiona a modalidade mundialmente, servindo como motivação para futuras gerações e derrubando preconceitos.
Se formos comparar os dados históricos da cobertura da Copa do Mundo Feminina de 2019 – que, mesmo sendo a primeira vez transmitida em TV aberta no Brasil – com o panorama presente, torna-se evidente o progresso alcançado. A edição anterior já havia conquistado avanços consideráveis na visibilidade do futebol feminino, portanto, a Copa desse ano assumiu um papel ainda mais emblemático.
A transmissão da partida de estreia da seleção brasileira, que estabeleceu recordes de audiência tanto na TV Globo quanto em outras plataformas, ilustra de maneira clara o interesse gradativo do público e das mídias pelo futebol feminino.
Distribuição de conteúdos
A distribuição de conteúdo ao longo dos anos experimentou uma transformação notável, principalmente impulsionada pela atenção às plataformas de streaming. Enquanto no passado o reforço era limitado aos canais tradicionais, como emissoras de televisão abertas e fechadas, atualmente, o streaming revolucionou a acessibilidade aos jogos.
Isso permitiu que os fãs acompanhassem as partidas em seus dispositivos, a qualquer hora e em qualquer lugar. A transmissão em TV fechada também se modernizou, com canais esportivos aumentando sua cobertura e investindo mais na Copa do Mundo Feminina.
A consolidação das plataformas digitais como meio de distribuição de conteúdo esportivo também teve impacto nas perspectivas para a Copa do Mundo FIFA Qatar 2022, fazendo com que o torneio fosse o único com maior abrangência em cobertura e transmissão online. Em contrapartida, a Copa Mundial Feminina de 2023 foi marcada por ser a mais digital da história.
Só no Brasil, vários Youtubers escolheram o ambiente digital para realizar a cobertura completa do maior evento esportivo do mundo. Um exemplo claro foi a Cazé Tv, canal de streamer do Casimiro Miguel, comentarista esportivo e humorista. Agenciado pela Live Mode, o canal foi o veículo que transmitiu todos os jogos da Copa do Mundo, somando 16 patrocinadores com o Player. Além disso, trouxe nomes experientes para a cobertura, como a repórter e apresentadora Fernanda Gentil, correspondente da Cazé Tv na Oceania, e o narrador Luis Felipe Freitas.
A Ronaldo TV, canal multiplataforma do pentacampeão Ronaldo, também participou da cobertura. O Fenômeno apresentou conteúdos inéditos em parcerias com nomes influentes que acompanham a modalidade, trazendo mais visibilidade para o evento. Assim, entraram na cobertura as Dibradoras, a artista Gabi Fernandes, as jornalistas Bibi Molina, Jay Oliveira e Isa Labate e muito mais. Ronaldinho contou ainda com vídeos exclusivos das jogadoras Marta e Tamires.
Mudança na cobertura
A trajetória rumo à igualdade de gênero no jornalismo esportivo tem sido gradual, mas expressiva. As primeiras edições da Copa do Mundo Feminina viram uma escassez de vozes femininas na mídia esportiva, refletindo os estereótipos de que as mulheres não eram capazes de compreender ou falar sobre esportes.
No entanto, ao longo dos anos, houve um aumento notável no número de mulheres participantes como jornalistas, comentaristas e analistas. Isso contribuiu para uma perspectiva mais abrangente e inclusiva na cobertura, desafiando os preconceitos de gênero e trazendo novas dimensões ao debate esportivo.
A TV Globo, por exemplo, reuniu um time de mulheres só para a cobertura do Mundial Feminino. Após o torneio de 2019 que atraiu muita audiência, com 39 milhões de telespectadores envolvidos com o futebol brasileiro, a expectativa da Globo para 2023 não poderia ser diferente: a vontade era de superar os recordes estabelecidos. A emissora reuniu 3 narradoras e 8 comentaristas, enquanto em 2019 só havia uma apresentadora para todas as transmissões.
A presença da mulher no telejornal esportivo
A presença limitada de mulheres na cobertura esportiva no Brasil é uma realidade incontestável. Do mesmo modo, é a maior complexidade que as mulheres lidam ao ingressar nesse âmbito. Elas enfrentam assédio, discriminação, expectativas quanto aos padrões esteticos e desconfiança constante. A realização de um trabalho eficaz torna-se significativamente mais difícil quando se deve superar tantos obstáculos, os quais não deveriam ser inerentes ao trajeto de qualquer carreira profissional.
Os veículos de comunicação têm muito a ganhar com o crescimento da presença feminina nos programas esportivos, uma vez que a diversidade inevitavelmente enriquece as discussões. Além disso, o diálogo sobre o empoderamento das mulheres está em evidência como nunca antes, e a inclusão delas em papéis historicamente sub representados não apenas oferecerá maior visibilidade e audiência aos programas e emissoras, mas contribuirá para a construção de uma narrativa mais inclusiva e representativa.
É indiscutível que qualquer iniciativa nesse sentido deve ser conduzida de maneira coerente e apropriada. No entanto, é importante destacar a diferença entre abordagens bem planejadas e não planejadas, como o caso ocorrido em abril de 2018 no canal Esporte Interativo, onde um reality show foi realizado para selecionar uma mulher para narrar apenas um jogo.
Esse tipo de estratégia pode resultar na espetacularização do processo de seleção, o que pode acarretar em desafios adicionais para as candidatas, ultrapassando os limites do contexto esportivo. Isso apenas reforça a segregação que as mulheres enfrentam no jornalismo esportivo, onde até mesmo sua entrada é tratada de maneira diferenciada e complicada.
Um exemplo positivo de inclusão de mulheres em novas coberturas esportivas – com grande repercussão – foi quando a Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, escolheu uma mulher para cobrir uma partida da Série B do Campeonato Brasileiro. O fato virou notícia em todo o país. Muitas pessoas quiseram entrevistar a narradora e a direção da rádio para saber tudo. Foi uma forma louvável de atrair audiência através da participação das mulheres.
A mudança sempre traz medo e desconfiança. Muitos aspectos da nossa realidade que prevalecem hoje eram ideias absurdas, estranhas, repreensíveis e incompreensíveis no passado. Vivemos numa época de questionamentos construídos socialmente, e são necessárias mudanças de pensamento e comportamento para que tudo fique equilibrado. A participação efetiva das mulheres nos meios da mídia esportiva, em igualdade de condições com os homens, é apenas uma dessas mudanças tão necessárias.
A busca constante por igualdade no esporte
Com a visibilidade da seleção feminina em pauta, a questão da inclusão e igualdade no cenário esportivo ganha relevância. A participação das mulheres em cargos de liderança, como treinadoras e dirigentes, traz à tona a discussão sobre diversidade. Essa presença diversificada contribui para uma perspectiva mais abrangente dentro do esporte, promovendo decisões mais justas e inclusivas em todas as dimensões do jogo. A pluralidade de opiniões na tomada de decisões se torna fundamental para efetuar mudanças importantes e enfrentar a desigualdade no futebol.
Outro aspecto de grande importância é o impacto social da Seleção Feminina. Conforme as atletas ganham visibilidade, suas vozes adquirem relevância em questões que extrapolam o âmbito esportivo, como a luta contra a violência de gênero, a busca por igualdade salarial e a rejeição ao assédio. O alcance de suas mensagens, ampliado pelo sucesso nas competições esportivas, possibilita sensibilizar a sociedade em relação a causas que vão muito além do campo, do futebol e da mídia.