Desafio racial
- 13 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Negros, indígenas, amarelos, todas as raças, afora os caucasianos, são minoria nos meios de comunicação
Daniela Fernandes
Um casal decide passear por algumas regiões brasileiras. Partem da cidade de São Paulo, bairro da Liberdade e berço da colônia japonesa no Brasil. Em seguida, descem para Gramado, cidade gaúcha cujos habitantes, em sua maioria, são descendentes de alemães. Ao final da rota, seguem rumo à São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, local diferenciado por ter 90% do município com população indígena. Já em Salvador, na Bahia, última parada, desfrutaram do lugar onde vive a maior comunidade de afrodescendentes do mundo, fora do continente africano.
Essa trajetória de viagem mostra um pouco da miscigenação brasileira. Característica intensa desde o Brasil Colônia. Fica a dúvida: seria esta terra de misturas uma nação racista? Para Juarez Tadeu de Paula Xavier, doutor em “Integração da América Latina” pela USP e coordenador executivo do Núcleo Negro UNESP para Pesquisa e Extensão, somos racistas. Ele enfatiza que o país não sabe lidar com essa pluralidade de raças. “Nosso país é racista devido a adoção de uma política lenta que vigora desde 1850. Política gradual e restritiva para o fim da escravidão e a agressiva política de substituição populacional, com as ondas migratórias de 1870 a 1930”, explica.
Desta população brasileira formada pela miscigenação do branco português, o negro, o indígena e, também, pelos imigrantes europeus e asiáticos nasce o falso discurso de harmonia na diversidade. Uma equivocada ideia de que este é um país de sintonia entre raças e onde não há racismo.
Um pouco de história
A ausência de racismo devido a mistura de raças é um dos principais argumentos dos preconceituosos. Além disso, há quem diga que os atos preconceituosos evidenciados nada mais são do que uma “vitimização exagerada” que enxerga racismo em quaisquer acontecimentos.
Em outubro de 2012, Danilo Gentili, apresentador de tv e comediante, ofereceu banana a um internauta negro. O episódio, para alguns, não passou de piada. Porém, para os mais conscientes, foi uma atitude ofensiva e de extremo preconceito. Fato ocorrido em pleno século XXI, mas retrato de um comportamento racista que tem origens muito mais antigas.
A abolição da escravatura data de 13 de maio de 1888. Na época, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, jornalista e jurista, afirmou que as consequências dos mais de 300 anos de cativeiro perdurariam por outros 100 anos. Uma estimativa equivocada. Previsão mais assertiva foi feita por Machado de Assis. O escritor dizia que o negro, após a abolição, não conquistaria plena liberdade porque continuaria excluído do projeto de construção da identidade nacional e, também, que as estruturas opressivas aos escravos se (res)significariam na opressão e exclusão dos “cidadãos negros”.
O jornalista Carlos Medeiros, em palestra proferida em agosto deste ano no programa Café Filosófico (produzido pela CPFL), é categórico ao afirmar que para compreender a discriminação racial no Brasil é preciso analisar os signos racistas perpetuados ao longo da história do país. “Nossa história nos mostra que o mestiço era considerado um ser degenerado, fadado à extinção. Disto nasceu também a ideia do embranquecimento social. No imaginário do povo seria preciso uma intensa mestiçagem com supremacia de brancos a fim de extinguir os negros da sociedade”, argumenta. O jornalista, que já foi coordenador especial de promoção da igualdade racial no município do Rio de Janeiro, acrescenta que o discurso de um Brasil paraíso da tolerância vem do fato de a população comparar a situação do país com casos mais cruéis como o dos EUA.
Os presságios dos intelectuais citados, de fato, se confirmou. Hoje, apesar de todo um discurso de democracia racial é nítida a rejeição não só ao negro, mas também a qualquer raça não caucasiana.
Representação de raças na mídia
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em relatório referente ao perfil dos jornalistas do Brasil, afirma que a categoria é representada por 5% de negros, 18% de pardos, 2% de amarelos, 1% de indígenas e mais 2% que se enquadram na classificação “outros”. Ao todo, há 28% de jornalistas que não são brancos.
Como disputar espaço na mídia se não há representação igualitária? Por outro lado, como a mídia brasileira aborda o racismo?
Para Rosane da Silva Borges, jornalista e pós-doutoranda em Ciências da Comunicação pela USP, “por mais que a mídia saiba da desigualdade racial existente no país, há uma dificuldade da imprensa em reconhecer que esta é uma questão estrutural. Essa dificuldade provoca um problema, já que eles partem do pressuposto de que o racismo é algo isolado e que por esse motivo deve ser minimizado”, reflete.
Casos isolados de racismo que ganham espaço na mídia, como o recente acontecimento com a jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, corroboram o a visão que a mídia tem sobre a questão. O fato de o racismo não ser considerado uma questão estrutural. A jornalista, foi alvo de comentários agressivos na página do Facebook do Jornal Nacional e, para o caso específico, a Globo encabeçou uma campanha em defesa ao respeito racial. Um caso isolado e “glamourizado”. Mas e a situação da empregada doméstica agredida diariamente?
Racismo em pauta
Na opinião da jornalista e militante de movimento sociais, Alicia Rodrigues, “a desigualdade racial no Brasil é um assunto que demorou a ser visto pela mídia como um debate relevante para a sociedade brasileira em geral. Contudo isso não significa que a abordagem é feita adequadamente. Muitas vezes a forma de falar sobre racismo é racista”, analisa.
Uma das explicações para isso é que é quase impossível alguém que não sofre racismo escrever ou falar sobre tal assunto. De acordo com levantamento feito pelo Fenaj, há poucos representantes nos meios de comunicação que falam com propriedade sobre a temática.
Para Rosane, aumentar a pluralidade dentro das mídias democratiza o debate. “As políticas públicas, políticas de representatividade, políticas de visibilidade e o uso adequado dos meios de comunicação é essencial para a mudança do olhar midiático sobre o racismo”, observa. É fato que o racismo já está em pauta, todavia, seu viés deve ser reajustado à realidade, um desafio.
Outro problema potencializado pelos meios massivos está relacionado aos estereótipos que televisão e cinema reforçam. Medeiros é enfático ao declarar que os “filmes-favela e as novelas fortalecem estereótipos racistas no Brasil. A teledramaturgia presta um desserviço”. O jornalista acredita que até mesmo os vilões racistas (personagens grosseiros, machistas e canalhas) não servem como denúncia a situação da questão racial no país. Afinal, nenhum telespectador se identifica verdadeiramente com tais personagens e, portanto, não se enxerga racista. “O fato é que muitas destas pessoas são racistas sem perceber. O racista nem sempre é agressivo, as vezes o comportamento é sutil e interiorizado por uma cultura e educação centenárias”, complementa.
Injúria racial x racismo
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, “embora impliquem possibilidade de incidência da responsabilidade penal, os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes”. O primeiro faz parte do Código Penal brasileiro. Já o segundo é previsto na Lei n. 7.716/1989. Injúria racial se define como ofensa a honra de alguém com base em elementos que referenciem à raça, cor, etnia religião ou origem. Por sua vez, o crime de racismo é reconhecido em relação a uma coletividade. É ação criminosa que atinge a um grupo indeterminado de indivíduos e que discrimina toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e não prescreve.