A Constituição não é pós-verdade, pode confiar
- 5 de setembro de 2017
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- Thamires Mattos
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No cenário atual, é preciso mais do que nunca de pessoas politizadas corretamente, então não tenha medo de saber a verdade, pense, pesquise e lide com fatos, apenas fatos
Thamiris Senis
Houve um tempo em que se você procurasse o termo “lava jato” no Google apareceriam apenas nomes de empresas que fazem o trabalho de lavagem em carros, ou então o Google lhe daria a opção de visualizar diversas fotos destes estabelecimentos. Mas hoje, se você pesquisar “lava jato” a primeira coisa que vai aparecer são várias notícias publicadas no site G1.com sobre o escândalo brasileiro. Se você não se recorda muito bem do que aconteceu, aqui vai uma breve introdução: a operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Calcula-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobrás, a maior estatal do país, já pode ter passado da casa dos bilhões de reais. O esquema durou pelo menos 10 anos.
Você também deve se lembrar do primeiro delator do caso, Paulo Roberto Costa, que era o diretor de Abastecimento da Petrobrás. Dois anos depois de sua delação premiada dar origem à abertura de inquérito contra 54 políticos no Supremo Tribunal Federal, o delator vive uma rotina bem tranquila em Petrópolis, na Região Serrana do Rio. Sem ser reconhecido, Paulo Roberto, agora, bate ponto uma vez por semana em uma escola particular do município para cumprir a pena de serviços comunitários.Sim, isso mesmo que você leu. O cara responsável por pegar a propina e passá-la adiante agora vive uma vida tranquila e sem ser reconhecido.
Por isso quando o assunto é delação premiada, possivelmente o adjetivo ‘premiada’ passa despercebido. Em nível de curiosidade, a delação premiada foi inserida no Brasil, inspirada na legislação italiana, que vê a delação como uma maneira de aumentar a eficácia e como um “auxílio” para combater a criminalidade. Isso pode até funcionar, na Itália. Porque aqui no Brasil o sujeito delator não é punido como criminoso, ele ganha regalias. Engana-se quem pensa que a delação é algo muito bom. E a delação é só um dentre todos os assuntos do tema Lava Jato que podem ser considerados frutos da pós-verdade.
A delação e a tal da pós-verdade
Apesar de ser muito usado recentemente, pós-verdade não é um termo novo. A palavra obteve fama graças ao Dicionário Oxford, feito pela universidade britânica, que anualmente elege uma palavra de maior destaque na língua inglesa. E a exemplo disso temos as delações, como já foi falado aí em cima. Acontece que a mídia propaga a delação como algo que contribui e muito para o bem, ou algo justo. Mas pare um pouco e pense!
Imagine que um ladrão entra em sua casa e rouba tudo o que você conquistou com muito trabalho e esforço, então, dias depois os policiais conseguem localizá-lo e prendê-lo. Você de imediato fica feliz, mas o oficial vai a sua procura e diz: “O meliante delatou os outros companheiros de furto, com isso [talvez] vamos extinguir os furtos no seu bairro. Por ter delatado, ele vai ganhar o direito de cumprir a pena em casa e prestará serviços comunitários para pagar a divida, os outros permanecerão presos”. Isso lhe parece justo? Afinal, você sabe que os furtos não cessariam, sempre surgem novos ladrões. Isso é um quadro de pós-verdade na mídia, que retrata a delação premiada como boa acima do que ela realmente é.
Então fica a indagação, quem a delação beneficia? O povo? A justiça? Não, apenas o delator, que em virtude disso ainda ganha o direito de não ser incriminado e nem processado pelos crimes que delatou. O que é muito estranho se você pensar que ele merecia o mesmo destino dos outros criminosos. Mas assim como a justiça, o juiz responsável pela Lava jato, Sérgio Moro, defendeu os acordos de delação premiada firmados e em um dos despachos relatou:
“crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosas”.
Moro, o salvador [sqn]
Ah, Sergio Moro! Como ficou famoso, o salvador do Brasil. Enquanto todos nós pensávamos que a salvação viria montada em um cavalo branco ela apenas veio montada em mentiras. Talvez a palavra ‘mentiras’ possa parecer muito forte, mas acredite, não é mais forte do que as inúmeras punhaladas dadas na constituição brasileira. Não estou aqui para defender partidos, estou aqui como uma mera jornalista, e talvez tão perdida como o povo brasileiro em meio a esse campo minado de corrupção. Mas como um juiz pode se encaixar nesse quadro de pós-verdade? Essa é uma questão difícil de responder se partir do principio que o juiz lida com os fatos. Mas talvez Millôr Fernandes já respondeu isso há anos. “A justiça é cega, sua balança desregulada e sua espada sem fio”.
Fatos estes que Moro não tinha. Ele detinha especulações e suas próprias certezas, o que não é suficiente para prender alguém, porque se a Constituição da República ainda vale, pode-se ver nela que para um cidadão brasileiro ser condenado é preciso que exista a materialidade do crime. Mas o que é a Constituição perto do herói da nação? Fatos sejam ditos, até mesmo o delator, Léo Pinheiro afirmou em uma audiência com o juiz Sergio Moro que o tríplex é propriedade da OAS. Portanto, o apartamento não pertence ao ex-presidente Lula. Porém, os adeptos da “pós-verdade” já concluíram que o imóvel pertence ao ex-presidente, e mais uma vez, tornaram morta a Constituição da República.
O áudio vazado irregularmente fez de Moro justiceiro, mas não provava nada. A rixa imposta entre o réu e o juiz, mostra que “sua espada é sem fio”. Entenda leitor, não estou aqui para defender Lula, estou aqui a fim de mostrar que a Constituição não é só um livro de cabeceira. É a lei. E que a pós-verdade é um mal da nossa sociedade. Em vista disso, faço das palavras do deputado federal, Silvio Costa, as minhas. “Não acredito que o juiz Sérgio Moro condene o ex-presidente Lula utilizando-se da ‘pós-verdade'”.
Infelizmente estamos vivendo a era do império da pós-verdade. Isso é um problema sem soluções fáceis. Afinal, estamos sendo a todo momento bombardeados de informações falsas, de “achismos” colocados como fatos. As redes sociais acabam se tornando as maiores aliadas na propagação de notícias incoerentes. E às vezes isso se torna normal porque é da natureza humana recusar fatos que contrariam a sua própria visão de mundo. Deixo aqui um apelo: não deixem a pós-verdade interferir no posicionamento político. No cenário atual, é preciso mais do que nunca de pessoas politizadas corretamente, então não tenha medo de saber a verdade, pense, pesquise e lide com fatos. Apenas fatos.