A capa de revista imita a vida
- 21 de março de 2017
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- Thamires Mattos
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A relação das semanárias com temas como o empoderamento feminino e a constante violência simbólica disseminada nos discursos midiáticos, fruto de um contexto histórico/cultural misógino
Thamiris Senis
Desde 1960 o movimento feminista vem tomando conta das ruas, e também das capas de revistas e pautas jornalísticas. Recentemente as mulheres perceberam que a luta contra o machismo ainda não acabou, por esse motivo resolveram juntar forças para dar fim aos assédios (vulgo fiu-fiu), objetificação da mulher e desigualdade entre os gêneros. A mídia, como sempre, estava lá para cobrir cada avanço que o movimento alcançava. O que intriga, no entanto, é o porquê de em plano século XXI, pós as já citadas conquistas femininas, a grande mídia ainda tenta enfiar “goela a baixo” o discurso da submissão feminina. Porque, em tempos de pós-modernidade, 2016, a revista Veja (semanária mais importante do país) resolve lançar uma matéria sobre Marcela Temer, atual primeira-dama do Brasil, intitulada “Bela, recatada e do lar”?
Você provavelmente se lembra desse caso. Talvez nunca tenha lido a matéria na integra, mas soube do que se tratava pelos diversos memes criados no Facebook (que aliás eram bem engraçados) assim como a matéria inteira que exaltou a primeira dama por ser uma mulher bem recatada vivendo sempre na sombra de seu marido. Uma excepcional mulher do lar, simplesmente porque sempre leva seu filho, Michelzinho, na escola, organiza viagens para a família e tem um diploma de bacharel em direito que nunca foi usado. E o mais importante, ela é bela pois “a primeira-dama, 43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco e gosta de vestidos na altura dos joelhos…” (Veja, 2016).
Veja também tem um projeto anual que se chama Veja Mulher. É uma edição especial voltada apenas para o público feminino com pautas que eles acreditam ser relevantes para o universo da mulher. Mas se esse era o objetivo da revista, ele acabou ficando só no projeto mesmo. As edições não trazem nenhum conteúdo diferente das revistas femininas que estamos acostumados a ver, ou seja, sexualidade, saúde, beleza, maternidade, etc. Questões importantes que afetam [de verdade] a vida das mulheres como seu ingresso no mercado, a dupla jornada ou a desigualdade salarial entre homens e mulheres não são discutidas.
Além de Veja, temos o exemplo da IstoÉ que, no fim de 2016, publicou matéria intitulada “As várias faces da mulher brasileira”. O texto era composto por uma pesquisa que entrevistou mulheres de 44 cidades diferentes do Brasil. Este estudo identificou cinco perfis mais comuns entre as brasileiras. O primeiro era representado por 25% das mulheres, as conservadoras; o segundo lugar ficou com as tradicionais; em terceiro encontramos as promissoras; ocupando o quarto lugar na pesquisa e também nas classes sociais temos as desprovidas. Por último, mas não menos importante, as lutadoras. Longe de mim gerar polêmicas neste texto, mas terei de me valer do clichê. “Algo de errado não está certo”. Por que esse desejo de querer classificar as mulheres em padrões e estereótipos criados sem embasamento algum? E se uma desprovida também é uma promissora? E se eu não me encaixo em nenhuma delas, sou o que?
Para a felicidade da nação feminina brasileira, algumas revistas tem um discurso menos machista. É o exemplo de Carta Capital que, desde janeiro de 2014, vem colocando assuntos pertinentes do universo feminino em pauta. A revista fez questão de cobrir todas as passeatas feitas sobre o tema da igualdade dos gêneros, além de explica-las de forma bem simples, com especialistas. Tudo isto sem tomar nenhum partido, o intuito apenas de explicação. Foram feitas matérias mostrando como o Brasil evoluiu com a entrada da mulher no mercado de trabalho, para conscientizar de que as mulheres não podem ganhar menos que homens sendo que fazem o mesmo trabalho. “A representação da mulher na mídia e em produtos” foi o título de uma matéria produzida pela revista, que apontou mais de três casos de propaganda, aonde a mulher era objetificada, e isso serviu para mostrar para todas as mulheres que não podemos simplesmente comprar uma camiseta que diz “pense e aja como um homem” só porque ela é da Prada.
Assim também são produzidos os conteúdos da revista Época. A semanária no último ano produziu interessante matéria abordando com detalhes o ressurgir do feminismo no século 21. O texto trabalhou contextos históricos, para fazer o leitor entender o porquê de o movimento feminista voltar à tona. Matérias intituladas “como garantir que haja mulheres negras nos cursos de engenharia”, “homicídio de mulheres negras aumentou em 54% em 10 anos”, “mulheres ricas e escolarizadas também apanham”, “a culpa é delas. É o que pensam brasileiros sobre a violência contra a mulher”, entre outras, são exemplos do destaque que a revista dá ao tema. Todas elas com o propósito de fazer o leitor refletir sobre a realidade machista. O interessante é que, em nenhum momento, a semanária ergue a bandeira feminista. Afinal, lutar pela equidade entre os gêneros não é um papel apenas do feminismo ou só da mídia, mas todos nós.
A sociedade se afundou em tudo o que é machista e misógino, mas infelizmente não enxergamos isso, pois todos os ataques à figura feminina são mascarados com um “é só uma matéria” ou “isso é só uma capa inofensiva. Pare de procurar pelo em ovo”. Não podemos ser conformadas, simplesmente não podemos. As revistas, propagandas, marcas, vão oferecer aquilo que o público compra. Em vista disso, abra seus olhos, chega de machismo!