Caos, contradição e unilateralidade
- 5 de abril de 2016
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- Thamires Mattos
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No jornalismo imparcialidade é utopia. No fim das contas publica-se apenas o que interessa. Carta Capital, apesar de noticiar com equilibrio (na maior parte do tempo), também comete deslizes.
Ana Flávia da Silva
O país adoeceu. Em um período de crise, polêmicas, escândalos e caos na política brasileira, as preocupações se estendem também à saúde que, na situação atual, apresenta problemas que capazes de trazr sequelas para a atual geração e inclusive para as próximas. O Zika Vírus, diagnosticado pela primeira vez no Brasil em 2015, chega para tornar ainda mais evidente um despreparo do governo quanto ao tema da saúde. Com o aumento considerável dos casos, em 2016, a mídia viu um prato cheio para os mais diversos tipos de atuação.
O vírus que se tornou notícia no final do ano passado começou a ganhar maior destaque conforme seus seus males ou mecanismos de controle foram sendo descobertos.Sua relação com a microcefalia, a polêmica questão do aborto envolvida e problemas posteriores relacionados à síndrome de Guillain-Barré, são exemplos dos desdobramentos da situação.
A semanária Carta Capital, conhecida e apreciada por aqueles que gostam de uma abordagem mais aprofundada devido ao estilo que procura informar e ao mesmo tempo fazer uma análise crítica sobre o assunto, não deixou o Zika de fora. Em 3 de fevereiro o tema foi capa da edição com o título Deu Zika, um tanto quanto informal, e rendeu a matéria Haja mosquitos, de seis páginas com direito a um breve histórico do vírus, infográficos e até uma entrevista pingue-pongue com o infectologista Rivaldo Venâncio, diretor da Fiocruz em Mato Grosso.
Este cunho crítico próprio da semanária já é notável logo na linha fina da reportagem: com epicentro no Brasil, o Zika ameaça tornar-se epidemia global graças também ao descaso de quem haveria de cuidar da saúde pública. Todos sabem quem é que cuida da saúde pública, e apesar de seu posicionamento a favor do governo Dilma notória em sua linha editorial, desta vez a revista jogou a maior parte da culpa para o governo. Uma colocação um tanto contraditória para a revista brasileira que é conhecida por suas convicções de extrema esquerda, favoráveis ao governo atual.
Contudo, em toda a mídia é possível ver uma espetacularização da atual situação, principalmente por conta de sua relação com a microcefalia, que segundo estimativas chegará a 15 mil casos até o fim de 2016. Por conta disso, o que se vê nos meios de comunicação é uma busca constante pelo culpado da epidemia. Em Carta Capital não foi diferente, e estes mesmos traços acusatórios são encontrados com facilidade em outros textos, tornando o periódico, que busca se distanciar das outras revistas do país, mais próximo ao senso comum.
Como se o caos da política atual já não fosse o suficiente, o país ainda encontrou mais um transtorno em grandes dimensões para ter com o que se preocupar. A revista menciona: o Brasil se tornou o epicentro de uma epidemia que já atinge cerca de 23 países. Sendo assim, todos os pontos potencializam o medo da população, a indignação e “revolta” contra um governo que, como se não bastasse ser alvo de escândalos e chacotas em todo o mundo por corrupção e negligências, agora também é culpado por sua própria mídia pela falta de controle da epidemia.
As medidas tomadas pela própria presidente Dilma Rousseff foram vistas como insuficientes e quase nulas, pelo que se lê no periódico. Em 15 de janeiro um orçamento de 500 milhões de reais foi aprovado que, somado aos recursos já previstos, pode chegar a 1,87 bilhão utilizados em 2016 para tentar diminuir a expansão do vírus. Sendo assim, uma vez que os lixões – ponto pouco comentado – são tão responsáveis pela proliferação dos mosquitos quanto a água parada nas casas, os apelos e esforços por parte do governo, em sua maioria direcionados a população com o intuito de eliminar os criadouros domésticos, foram claramente desmerecidos.
Algumas das contradições e críticas ainda se acentuam devido a forma em que se cita as falas do atual Ministro da Saúde, Marcelo Castro (também deputado licenciado pelo PMDB). O ministro foi intitulado “colecionador de gafes” e considerado difícil de se levar a sério. Suas colocações malfeitas são citadas de boca cheia, principalmente por conta de seus comentários a respeito das mulheres. Há enfâse em falas de Castro quando afirmou que mulheres estão mais vulneráveis por andarem com as “pernas de fora” ou que era preciso “’torcer’ para que as mulheres fossem infectadas pelo zika antes do período fértil, como forma de ganhar imunidade enquanto a vacina não está disponível” . É preciso admitir que foram declarações um tanto quanto polêmicas.
Contudo, as críticas não sobraram apenas para o governo. No dia 17 de fevereiro a Carta publicou em seu site uma matéria com o título “Se não por direito, ao menos por compaixão” , se referindo a questão da legalização do aborto nos casos de chances de microcefalia ou má formação. A matéria atacava a posição da igreja católica em contraposição aos pronunciamentos do Papa Francisco que ressaltou a necessidade de compaixão no dito “ano do jubileu”. Demonstrando uma posição totalmente parcial e acusadora, perguntas como “Será que temos o direito de decidir pela vida de outras pessoas dessa maneira?” ou “Isso é ser cristão?” tiveram destaque. A enfâse até deixou de ser a igreja Católica, e as críticas se dirigiram inclusive o cristianismo como um todo. E, sem nem ao menos mostrar uma justificativa da igreja para tal posicionamento, utilizou um viés com fins de transformar a imagem da igreja e dos bispos, fazendo-os parecer cruéis e hipócritas. Afinal, fazem parte de uma instituição que prega a compaixão e – supostamente – não a pratica.
Tendo como objetivo informar e relatar os fatos, o maior anseio do jornalista é alcançar, ou pelo menos ir em busca da imparcialidade. Para isso, há sempre dois lados – ou mais – a serem ouvidos. Duas histórias ou versões. Infelizmente, no jornalismo brasileiro atual a imparcialidade se tornou utopia e apenas se publica o que é favorável por trazer mais lucros, audiência ou qualquer tipo de benefícios. Carta Capital, apesar de noticiar com equilibrio (na maior parte do tempo), também comete deslizes. Sejam eles na busca pela imparcialidade, ou em seus posicionamentos políticos – às vezes mais acentuados, outras vezes não. Porém, tais deslizes não deixam de ser perceptíveis e até lamentáveis.