BBC: Digna de inveja
- 5 de abril de 2016
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É fato consumado que o medo “vende”. Mas como fazer um bom jornalismo, esclarecer o público e fazê-lo refletir? A BBC parece guardar a resposta
Thamires Mattos
Peste bubônica, febre tofóide e amarela, malária, ebola, dengue, cólera, tuberculose, varíola, aids, gripe espanhola, aviária e H1N1. As maiores epidemias da história tem um rastro “invejável” de mortes, complicações no organismo e muito horror. Cada uma provocou diferentes reações sociais em seus períodos, mas uma prevalece: terror. Ao que tudo indica, o Zika Vírus não quer ser deixado para trás nessas estatísticas – nem a mídia. É fato consumado que o medo “vende”. Mas como fazer um bom jornalismo (não um livro do Stephen King), esclarecer o público e fazê-lo refletir? A BBC parece guardar a resposta.
A British Broadcasting Company (BBC) surgiu em 1922 na Inglaterra. Acompanhou o nascimento e a popularização do rádio, televisão e internet. Conseguiu continuar clássica, mas se modernizou. Hoje, seu leque de programações apresenta desde o famoso “Esquadrão da Moda” até telejornais renomados. No rádio, as informações minuto a minuto continuam, assim como uma forte vertente dramatúrgica; mas isso não impede a BBC de colocar em sua grade entrevistas com celebridades (sem falar de assuntos triviais). Na internet, ela traz uma plataforma multimídia invejável e, o melhor de tudo, é que já chegou ao Brasil.
Parece lógico mas, na BBC Brasil, o leitor é informado. Realmente informado, não aterrorizado. Dos dias 24 de fevereiro até 15 de março, dez notícias foram publicadas com a temática “Zika Vírus”. Muitas questões sobre o vírus ainda estão em aberto. Alguns estudos sugerem que a transmissão não ocorre apenas pelo vetor (aedes aegypti), mas também por relações sexuais. Atenção para o verbo: eles sugerem. Ao contrário de outros portais, a BBC faz questão de deixar isso claro. As provas são circunstanciais e fortes, mas, em muitos casos, não-científicas.
As reportagens não se restringem aos temas factuais envolvendo o Zika Vírus. Artigos científicos pautam as discussões do portal, o que exige do jornalista uma qualificação especial. A BBC é conhecida por trabalhar com conhecimentos específicos, jornalistas especializados. O número e qualidade de fontes também conta. Raramente são publicadas matérias com menos de três fontes. Tudo isso faz da apuração “bbciana” uma técnica refinada e digna de ser reproduzida.
Os diversos pontos de vista sobre o mesmo assunto devem ser relatados pelo jornalismo de qualidade. É possível perceber isso na BBC Brasil. No dia 1º de março, a reportagem “Governo ‘está chutando’ sobre Zika e pode protagonizar ‘escândalo global’, diz professor da USP” mostra a opinião de um epidemiologista renomado que critica a posição do governo brasileiro sobre a ligação entre o Zika e a epidemia de microcefalia em recém-nascidos. Na matéria, as repórteres Ruth Costas e Ingrid Fagundez montam um quadro de argumentos favoráveis e contrários ao posicionamento. As fontes tem, em sua maioria, embasamento acadêmico para comentar o assunto e revelar suas opiniões.
Mas a cobertura em profundidade sobre a epidemia não para por aí, afinal, não é só a saúde do brasileiro que está em jogo: o bolso, também. “Zika impulsiona ‘mercado paralelo’ de repelente” é o título da reportagem de 23 de fevereiro. Ela mostra que, com o medo do mosquito em crescimento, repelentes à base de icaridina são oferecidos pelo triplo do preço original. Oferecendo um panorama geral de sites para vendedores online, a apuração mostra que um comerciante vende o “kit repelente”, com 10 unidades, por mais de mil reais. Em contrapartida, as farmácias tem preços mais razoáveis – exatamente o contrário do pensamento popular, que acredita que produtos vendidos pela internet são, em geral, “barganhas”.
A questão das pílulas abortivas também é pauta. Ela cresceu desde o surto de microcefalia no país – o que significa maior procura de mulheres grávidas em regiões com alto índice de infecção por Zika pelo aborto. A reportagem “Epidemia de zika aumenta apreensão de pílulas abortivas enviadas ao Brasil” foi publicada no dia 26 de fevereiro, e explora o funcionamento de Organizações Não-Governamentais que oferecem atendimento a mulheres residentes em países que tem o aborto proibido ou restrito. Esse é o caso do Brasil, que só permite a prática quando a gravidez é fruto de estupro ou há risco de morte para a mãe.
Esses exemplos comprovam que a BBC pratica um jornalismo (que não deveria ser) diferenciado. Invejável, parece tirado de livros. Lá, o mito da imparcialidade quase vira fato, e os fatos viram educação.