As vantagens de uma crise
- 5 de abril de 2016
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- Thamires Mattos
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O Zika Vírus tratado como combustível para divulgações em massa
Ronaldo Pascoal
O início do ano no Brasil é marcado não apenas pelos desfiles das escolas de samba, mas também pelos inúmeros casos de ataque do Aedes aegypti, registrados logo nos primeiros meses. O assunto é antigo e há anos o mosquito faz parte da vida das famílias brasileiras. No entanto, nunca antes foi dada tanta atenção ao tema como agora.
A questão tomou proporções internacionais quando foram encontradas ligações entre o mosquito, o Zika Vírus e a microcefalia. Último boletim de epidemiologia divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou um aumento entre os meses de janeiro e fevereiro de 46% em casos de microcefalia, com relação ao mesmo período do ano passado. A porcentagem equivale a 170 mil casos a mais do que em 2015. Até o momento o Brasil apresenta mais de 4 mil casos possíveis de malformação do feto ligados ao vírus, sendo 863 casos confirmados. 1.349 que foram descartados por não apresentarem sinais de infecções e 2.056 casos ainda estão sendo investigados.
Há pouco mais de 2 semanas, Cabo Verde confirmou o primeiro caso de microcefalia provavelmente ligado ao Zika, na África. Desde outubro do ano passado, mais de sete mil casos de Zika Vírus foram registrados no país africano. As informações são da agência Reuters.
O ciclo
O Aedes aegypti e a Dengue já são companheiros constantes na pauta brasileira. Em 2015, por exemplo, a doença atingiu 1,5 milhão de pessoas, enquanto em 2014 foram 587,8 mil casos de acordo com balanço do Ministério da Saúde. O causador deste incomodo persistente é bem menor do que os problemas causados. Medindo menos de um centímetro de comprimento, preto e com manchas brancas pelo corpo, o Aedes aegypti é originário do Egito, e seu reconhecimento data do século XVI, período das grandes navegações que além dos tripulantes e escravos, transportavam também mosquitos infectados.
A Dengue foi à porta de entrada para o mosquito se alojar no país, mas a Febre Chikungunya e a Febre Zika, também são enfermidades ocasionadas pelo vetor. No caso da Zika, o incômodo começou em 1947 quando o primeiro caso da doença foi registrada em macacos na Floresta Zika, em Uganda. Sete anos depois, na Nigéria, foram identificados os primeiros casos em humanos. De lá para cá o vírus se alastrou e em 2007 atingiu a Oceania, a França em 2013 e o Brasil teve seus primeiros casos registrados em 2015, no Rio Grande do Norte e na Bahia.
A oportunidade da mídia
Editorias de saúde em jornais e revistas são abastecidas todos os anos com notícias sobre o mosquito e suas doenças. A semanária Veja, por exemplo, fez 40 menções ao Zika Vírus em suas reportagens e artigos, incluindo matérias de capa, nos ultimos 6 meses. O diário Folha de São Paulo citou o vírus em 36 reportagens e Carta Capital utilizou 20 matérias para falar do assunto, durante o mesmo período. Já o jornal O Estado de São Paulo teve 925 publicações relacionadas ao tema. Além de jornais internacionais como o El País que abordou a questão em mais de 100 reportagens, assim como a inglesa BBC que apresentou mais de 200 matérias sobre o assusnto.
De acordo com a jornalista e doutora em Sociologia, Helena Cristina Maximo, a maneira como os meios de comunicação tratam essa informação gera insegurança no público, pois trata-se de divulgações baseadas muitas vezes em especulações de informações que dependem de uma série de confirmações científicas. “Há uma tendência midiática em tomar suposições e hipóteses como verdades absolutas, o que torna o discurso compartilhado pelos meios de comunicação pouco reflexivo e pouco aberto ao debate”, explica.
Em meio a tantas publicações Ágatha Lemos, editora associada da revista Vida e Saúde e mestre em Informação e Comunicação em Saúde, enfatiza que há disputa entre os veículos de comunicação quando utilizam títulos e manchetes carregadas de possíveis sensacionalismos. Exemplos disto são títulos como: “O mundo se curva ao Aedes” e “Zika Vírus se propaga de forma explosiva nas Américas”, divulgados por periódicos de renome nas últimas semanas. “Nesse caso, em que todos os veículos estão falando do mesmo tema, é preciso encontrar uma maneira de se destacar”, admite a jornalista. A abordagem adotada por esses veículos também não é feita sem interesses. “É impossível a mídia não dar destaque ao tema em uma época em que a própria sociedade tem muito acesso à informação”, complementa.
Ágatha defende a ideia de que as grandes publicações não são apologias a uma espécie de terrorismo e sim reflexos do cenário atual. “Não dá para dizer que estão fazendo do tema um terrorismo. Acontece que o jornalismo é mais um ator social e como tal, apresenta e reapresenta a realidade”, acrescenta.
De acordo Helena, a mídia faz sim um alarmismo em cima do assunto. Segundo a doutora há sensacilnalismo e isto é resultado de uma tentativa da grande mídia de se vender à sociedade como uma fonte confiável de informação. “A grande mídia está longe de cumprir seu papel social no Brasil. Isso porque, além de sensacionalista, ela dissimula seus posicionamentos políticos numa aura de imparcialidade”, enfatiza.
Helena ainda lembra sobre as premissas da Teoria do Agenda Setting (um dos ramos da pesquisa em comunicação). Este conceito de agendamento estuda a ligação entre a mídia e o público e aponta que a mídia é capaz de determinar (por meio de enfase e esquecimento de pautas) os assuntos que as pessoas discutirão, no público e privado, e, consequentemente, a opinião popular. Para Helena a publicação reiterada de notícias acerca desse tema cria uma preocupação pública que altera comportamentos e posicionamentos. “Podemos identificar, por exemplo, mudanças de planos turísticos em razão das notícias, que acabam gerando um certo temor acerca dos locais repetidamente identificados como focos da doença”, declara.
O doutor e Coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Marcos Boulos, acredita que a repercussão dada ao tema é desnecessária. No entanto, não acredita que as divulgações em massa possam atrapalhar as pesquisas que estão sendo realizadas. “A mídia divulga o que tem ouvido falar, mas isso não atrapalha as pesquisas em andamento. Apenas faz um alarde maior do que o necessário”, reforça.
O Infectologista e Diretor Clínico do Hospital Adventista de São Paulo, doutor Dorival Duarte, fala dos fatos por trás das divulgações. Para ele, as ligações entre o vírus e a microcefalia são reais. “O Zika constitui-se um risco especial para as mulheres grávidas, uma vez que se encontra relacionado com a aparição de microcefalia”, pontua. Duarte também faz questão de confirmar que a epidemia existe e, portanto, a mídia não está criando monstros que não existem. “Sem nenhuma dúvida estamos diante de uma epidemia, cujo impacto só não é maior pela baixa multiplicação do vírus dentro de um organismo”, ressalta.
Ainda de acordo com Ágatha, o assunto vai continuar sendo divulgado pois o problema não é apenas dos brasileiros. “É inevitável falar especialmente quando países diferentes passam pela mesma situação. Ou ainda quando toda a América do Sul se vê ameaçada pelo mosquito”, acrescenta. Para a editora, enquanto houver gente sendo contaminada, pessoas morrendo ou países descobrindo novas ligações, o Zika será pauta.
Já para Helena, o assunto do Zika Vírus logo será dissipado, pois essa é uma das características da grande mídia brasileira. “Depois de um tempo, o assunto vira notícia velha e não causa mais interesse para os grandes veículos de comunicação”, opina.
Minha Culpa?
Cartilhas de prevenção, programas na TV, palestras em escolas entre outras medidas preventivas são fornecidas nos últimos anos, entretanto, o Aedes aegypti continua comendo nas casas brasileiras. Atualmente há pouca informação consistente sobre o Zika Vírus e estudos têm sido feitos para saber como a enfermidade funciona e quais os meios para contê-la. Boulos argumenta sobre a dificuldade em saber mais sobre o vírus. “Não sabemos muito bem como o Zika funciona pois é uma doença nova”, afirma. O Coordenador ainda lembra sobre o papel do Estado na luta contra a epidemia. “Temos que fazer um papel educacional e alertar a população porque o mosquito está dentro da casa das pessoas”, completa.
Ágatha acredita que é reducionismo dizer que o problema se resolve apenas conscientizando a sociedade. “Por que ninguém explora a porcentagem imensa de comunidades que vivem com esgoto a céu aberto? ”, reflete. A jornalista lembra que a responsabilidade precisa ser cobrada da sociedade e seus representantes. A mídia deixa a desejar ao mostrar apenas um lado do problema. “Esgoto, lixo, problemas de infraestrutura que geram enchentes, enfim, há muita coisa envolvida. É um reducionismo relacionar o Zika Vírus apenas ao comportamento coletivo”, frisa.
Helena acredita que a maneira como a mídia tem tratado este assunto tem influência até mesmo na cobrança do público com relação a seus representantes. “O público certamente vai cobrar ações políticas nessa direção, em todos os níveis de estado, pois acaba entendendo que esse é um dos temas mais importantes para que os seus representantes se posicionem”, ressalta.
Boulos garante que as medidas preventivas são tomadas todos os anos, mas que cabe ao cidadão desempenhar um papel importante nesta luta. “Trabalhamos há mais de uma década nesse controle, mas o cidadão tem que ser um vigilante sanitário”, enfatiza. Para o especialista a solução do problema está em controlar o mosquito. Inclusive planejamentos já estão sendo realizados nesta direção. Duarte aponta a reprodução avançada do mosquito, como um empecilho para o controle. “A dificuldade de controle existe porque estamos diante de uma infecção cujo vetor se prolifera rapidamente”, adverte.
Teorias
O assunto é polêmico e o excesso de exposição abre espaço para especulações e teorias conspiratórias, além de reacender discussões sobre a legalização do aborto por exemplo. Para a mestre Ágatha Lemos, trata-se de um assunto sério que precisa ser tratado de uma maneira interdisciplinar e menos unilateral e que ainda continuará rendendo pautas. Boulos lembra a impossibilidade de indústrias farmacêuticas estarem sendo beneficiadas com a doença, pois ainda não há tratamentos feitos através de fármacos acessíveis para comércio público. Entretanto, Duarte enfatiza as chances pontenciais para as empresas que descobrirem a cura do problema. “Os grupos de investigadores, ou o laboratório que desenvolver uma vacina eficaz, serão economicamente recompensados”, reflete.
Critérios de seleção
Outro assunto que merece ser analisado se refere à forma como a seleção de pautas sobre o tema é feita nas redações. Ágatha Lemos explica que a posição de órgãos oficiais contribuem para definir os assuntos a serem divulgados. Por exemplo, nos casos de Ebola, a OMS considerou o problema resolvido. Assim sendo, os veículos de comunicação diminuíram suas postagens sobre o tema. “Quando instituições oficiais, como a Organização Mundial da Saúde e até ONU declaram que o problema foi superado, no que tange à editoria de saúde, o assunto perde um pouco de força”, comenta.
No cenário atual, as atenções da mídia estão voltadas para o Zika, pois a epidemia superou as anteriores. “No caso do Zika, ele é o desafio de saúde pública de ordem praticamente global do momento”, ressalta a jornalista.
A história se repete
Vale lembrar que o mundo já enfrentou outras epidemias que também foram alvo de teorias e questionamentos. O Ebola, vírus descoberto em 1976, foi considerado uma epidemia em países africanos em dezembro de 2013. Após um ano as divulgações diminuíram e hoje pouco se lê sobre a doença, entretanto, o problema continua. Depois de zerada a contagem de infectados, a OMS informou mais uma família contaminada em Guiné. Em comunicado o orgão evita falar sobre o fim da epidemia e diz que Serra Leoa, Libéria e Guiné ainda estão sob riscos de focos emergentes. Ainda de acordo com a OMS, até o ano passado 11 mil mortes foram registradas por Ebola.
Outra epidemia que já assolou o país foi a Influenza A H1N1 (Gripe Suína ou Gripe A), que em 2009 teve seu nível de pandemia elevado para seis, pela OMS. Na época a doença também recebeu forte exposição, ganhando capas de jornais e revistas. Depois do índice de divulgações ter diminuído, o tema volta a ocupar espaço nos veículos midiáticos e a ascender discussões sobre sua força.
No que concerne a Zica Virus, microcefalia e Brasil ainda é muito cedo para classificar como boa ou ruim a atuação da mídia. Fato é que há exposição elevada do tema, mudança de comportamentos sociais advindos da divulgação dos conteúdos na mídia e muita especulação a respeito dos caminhos que a doença deve e pode seguir.