Aprendemos brincando?
- 25 de novembro de 2019
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- Thamires Mattos
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Programas educativos trazem bons efeitos ao público infantil; no entanto, são necessários alguns cuidados
Rafaela Vitorino
O sociólogo contemporâneo Daniel Bell define que a humanidade passou por três grandes transformações, denominadas da seguinte forma: Vapor, da manufatura ao mecânico; Química, do mecânico ao elétrico; e, por fim, Tecnológica, do elétrico ao eletrônico. Apesar de cada transformação ter ocorrido em seu tempo e representado mudanças significativas, é fato que a era Tecnológica trouxe transformações muito mais rápidas e velozes. Não à toa, diversas vezes, até os mais conectados acabam se perdendo. Ainda assim, a maior parte da população aderiu e tem se adaptado às novas mudanças, inclusive à ideia de que tudo acontece muito rápido. Com as crianças, não é diferente. As variações tecnológicas trazem a todo momento modernas novidades, cada vez mais digitais e conectadas. O surpreendente é que são cada vez mais adaptadas à antigas formas de fazer as coisas.
Há eras, o ensino e o aprendizado fazem parte do cotidiano humano. Está, na realidade, intrínseco a ele. Pode-se dizer que estamos aprendendo constantemente, mesmo sem querer. Ainda assim, o tempo também formalizou e colocou em padrões os modos de ensino. Passamos a frequentar escolas, assistir aulas e ler livros. Mas não parou por aí. As formas de aprendizado acompanharam a tecnologia, trazendo filmes, desenhos e, até mesmo, jogos como umas de suas ferramentas. Seria essa a perfeita mescla entre diversão e aprendizado? E, ainda, seria a brincadeira um elemento importante para a aprendizagem? Para a pedagoga Elza Araújo, a resposta da última pergunta é afirmativa. “Enquanto brinca, a criança aprende mesmo não tendo consciência disso. Quando ela assiste um desenho, se coloca nos papéis que vê e a aprendizagem também ocorre”, explica.
Embora essa consciência não seja tão nítida, as crianças vão aprendendo a escolher. Na cabeça dos adultos, não faz sentido optar por um desenho apenas divertido, quando se pode escolher algo com o qual irá se divertir e aprender ao mesmo tempo. Gessica Ferreira é mãe de Sofia e Maria. De acordo com ela, Sofia, de cinco anos, demonstra claramente uma preferência por desenhos mais educativos, mas nem sempre é assim. Por isso, ela incentiva e procura colocar as filhas em contato com as programações que considera apropriadas. “Faço isso sempre que possível, porque ali elas estão inteiramente ligadas no que está passando. Essa é uma oportunidade de colocar algo que não seja apenas um passatempo, mas, sobretudo, construtivo”, explana.
Conforme a idade avança, a criança aprende a escolher, mesmo que, por vezes, acabe por não tomar as melhores decisões. Dessa forma, percebe-se que a orientação dos pais é necessária, inclusive para nutrir uma consciência que permita realizar boas escolhas. Além disso, os pais também podem fazer uma seleção prévia, permitindo que o filho escolha, mas, de forma limitada. “Nós não nascemos sabendo escolher, precisamos aprender. Desde pequena, é preciso deixar a criança fazer escolhas dentro das possibilidades que apresentamos”, instrui Elza.
Ariane Oliveira também é pedagoga e trabalha diretamente com produtos destinados ao público infantil. Ela explica que “a criança não consegue distinguir o que é bom e o que é ruim, principalmente nas fases iniciais do seu desenvolvimento emocional e cognitivo. É nesse período que ela é facilmente influenciada. Por isso os adultos devem filtrar o que a criança vê e ouve”.
Adriana Maricado de Souza, em sua dissertação “Programas educativos de televisão para crianças brasileiras: critérios de planejamento propostos a partir de análises de Vila Sésamo e Rá Tim Bum”, apresentou uma visão positiva acerca do gênero educativo televisivo. As pesquisas citadas ao longo da dissertação demonstram que os programas têm boa influência sobre o aprendizado das crianças que os assistem com frequência. Em suas conclusões, ela afirma que “o resultado destas pesquisas sugere que a televisão é um poderoso instrumento educativo na sociedade contemporânea e pode ser utilizada para desenvolver habilidades essenciais para o aprendizado escolar”.
Cuidados
Entretanto, por mais que existam opções educativas, os efeitos de expor a criança à tecnologia podem ser nocivos se não estiverem controlados. As dificuldades podem ser maiores dependendo da idade das crianças. Bebês, por exemplo, dispõem de diversas opções de desenhos e programas desde o nascimento. No entanto, a Academia Americana de Pediatria alerta que crianças com menos de 18 meses não devem ser expostas a nenhum tipo de tela. De um ano e meio a cinco anos, o recomendado é apenas uma hora, dividida ao longo do dia. A partir dos seis anos, os pais podem definir os limites. É importante ressaltar que o tempo usado para tarefas escolares não precisa entrar na contagem.
As tecnologias trazem benefícios, desde que usadas com moderação e acompanhamento da família, e sem esquecer da importância de fornecer outras atividades e diversão sem tela. “Por mais educativos que [os programas] sejam, elas são apenas crianças. E crianças precisam ir para a areia, brincar com objetos, desenhar, sair de casa, conversar entre família e fazer outras atividades”, frisa Gessica.
Outro cuidado a ser tomado é com a publicidade, presente tanto na televisão como na internet, pois as crianças são mais vulneráveis e podem ser persuadidas mais facilmente. Muitas vezes, há perigos no estímulo de consumo de alimentos não saudáveis e incentivo ao consumismo. Além disso, no mesmo trabalho citado anteriormente, Adriana apresenta uma visão crítica acerca da qualidade técnica dos programas televisivos: “A televisão brasileira está recheada de programas de péssima qualidade para qualquer segmento do público, característica mal disfarçada por uma técnica razoável na média”.
Portanto, deve haver um filtro feito pelos pais. Para isso, eles “precisam conhecer os desenhos para avaliar ou definir critérios se a criança pode assistir ou não. Deixar que a criança escolha o que vai assistir não é seguro. Primeiro, é preciso ver se condiz com a idade, quais valores ela irá aprender com determinado desenho, entre outros”, observa Elza.
É importante que, além de escolher os programas, os pais ou responsáveis também participem do momento com a criança, principalmente quando ela é menor. Explicar o assunto tratado e fazer comparações com a realidade da criança, por exemplo, fazem com que ela se sinta parte do processo e absorva melhor o conteúdo.