Adaptação do esporte no futebol feminino: progresso ou retrocesso?
- 30 de agosto de 2023
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- Theillyson Lima
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Inclusão, adaptação, cuidado, palavras que dividem opiniões no futebol feminino.
Natália Goes
O futebol femino tem crescido a cada dia no Brasil e no mundo, mas os desafios são muitos. No Brasil, de acordo com a Constituição Federal, todos têm o direito fundamental à prática de esportes, a despeito de sua raça, cor, religião, gênero e condição física.
O esporte é um direito social, que promove o desenvolvimento humano, a saúde, lazer e a integração na sociedade. Mas esse mesmo direito que hoje é para todos, nem sempre existiu. A trajetória das mulheres no futebol começou na década de 1920, quando elas começaram a ser aceitas em clubes de futebol.
Contudo o cenário do futebol feminino mudou em 14 de abril de 1941, no governo de Getúlio Vargas, quando através de um decreto o futebol feminino foi proibido no Brasil. Na época da ditadura militar, não era permitido a prática de lutas, futebol, futsal, futebol de areia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball pelas mulheres.
Esse banimento, por 42 anos, culminou em prejuízo para o desenvolvimento do esporte feminino no Brasil até hoje, em especial ao futebol feminino. Em consequência, existe uma discussão sobre possíveis adaptações para tornar as disputas mais atrativas, como ocorre em outros esportes.
Adaptações em outros esportes
Em alguns esportes a adaptação da atividade para as mulheres é algo que já se faz presente. No vôlei, poucos sabem, mas homens e mulheres não jogam com a mesma altura da rede. Os homens, por serem mais altos, jogam com a rede em uma altura de 2,4 metros. Em contrapartida, as mulheres, por serem mais baixas, têm a altura da rede adaptada em 2,2 metros.
No tênis, as partidas das mulheres chegam a no máximo três sets contra no máximo cinco sets para os homens. Outro esporte que tem adaptações é o golfe. Assim como o vôlei é adaptado à altura, o comprimento padrão de cada taco de golfe é um centímetro menor do que o padrão para homens. As bolas de golfe também têm menor compressão, tornando- as mais leves, isso tudo por conta do balanço das mulheres para a tacada que é menor do que dos homens. Os buracos também são mais próximos.
Se existem pequenas diferenças nessas modalidades, no basquete essa diferença se torna ainda maior. Enquanto na NBA (masculina) a linha dos três pontos fica a 7,05 metros de distância, na WNBA(feminina) essa distância é menor, ficando a 6,75 metros. Outra diferença no esporte é o peso da bola e o seu diâmetro, ao passo que para os homens a bola tem 74,5 cm e pesa 627g, para as mulheres a bola possui 72 cm e pesa 570g, ou seja, menor e mais leve.
Além disso, o tempo do jogo é diferente. Para os homens, o jogo é disputado em quatro períodos de 12 minutos, enquanto que para as mulheres a disputa é em quatro períodos de 10 minutos. Apesar da altura da cesta se manter em 3,04m na duas ligas, existe um movimento para diminuir a altura da cesta por conta da diferença de altura entre os jogadores femininos e masculinos. Em decorrência das diferenças de altura, praticamente não há enterradas na WNBA, o que deixa os jogos menos atrativos e, portanto, com menores públicos.
Enquanto a WNBA tem em média um público de 7 mil pessoas, a NBA conta com 17,5 mil torcedores, essa diferença reflete nos salários. Na WNBA os salários giram em torno de 72 mil dólares, enquanto na NBA o salário gira em torno de 525 mil dólares.
Adaptações no futebol feminino
Em meio a discussão de adaptações ou não, algumas ideias surgem. Confira um pouco sobre cada uma!
1.1 Adaptação por diferença fisiológicas
Diferente dos outros esportes citados acima, no futebol feminino não há mudanças em relação ao futebol masculino. Essa realidade torna, muitas vezes, a modalidade monótona, pouco competitiva e não atrativa para o público.
Considerando a diferença fisiológica das mulheres e homens, na qual as mulheres apresentam um percentual de gordura maior, menor estatura, menos força, velocidade, potência e resistência, é comum que a dinâmica do jogo seja completamente diferente, mesmo que as medidas do campo, número de jogadores e o tempo da partida sejam iguais entre o futebol feminino e masculino.
Para se ter noção dessa diferença, basta comparar que em uma partida de jogo de 90 minutos, as mulheres correm até 8,5 quilômetros, enquanto os homens correm cerca de 15 quilômetros, com maior intensidade e velocidade.
Essa diferença revela que é muito importante que as mulheres tenham sua programação de exercícios adequada, respeitando seu próprio ritmo. Por isso, existe a discussão sobre possíveis adaptações para que as partidas sejam mais atrativas, como ocorre em outros esportes.
1.2 Adaptação para a dinâmica do jogo
Para uma melhor dinâmica nas partidas existem algumas adaptações possíveis, como: diminuir em cinco minutos cada tempo ou fazer novas marcações nos campos de futebol, adaptando-os para as mulheres, fazer mais substituições, diminuir o tamanho da barra/ trave.
A trave tem 2,44 de altura, sendo que a goleira do Brasil tem 1,75. Uma mulher alta, porém, se fosse um goleiro do esporte masculino, seria baixo e nem entraria para seleção por não ter altura suficiente. A trave segue com o mesmo tamanho para homens e mulheres, causando durante os jogos, resultados em que as goleiras raramente alcançam um escanteio, cobrado com mais força e menos técnica, como tiros de meta, para fazer a bola alcançar a área.
O peso da bola é outra adaptação que seria importante, pois provavelmente teriam mais gols e jogadas longas, com isso as atletas se cansam menos, fazendo o final das partidas serem com maior nível técnico.
1.3 Adaptação dos treinos ao ciclo menstrual
Um outro motivo que merece atenção e adaptação no futebol feminino são os treinos dentro da rotina das atletas, cuidando e respeitando seus limites e condições em relação ao período menstrual.
Diferente dos homens, as mulheres dentro do período menstrual tem a performance reduzida, precisando de um acompanhamento personalizado. Porém, o futebol feminino brasileiro mostra que nem sempre existem departamentos médicos bem estruturados nos clubes à disposição das jogadoras.
A mulher tem mais energia e uma melhor performance na fase folicular e durante a ovulação. Na fase lútea, que antecede a menstruação, é mais comum que as mulheres sintam menos disposição, mas deixar de treinar não é o ideal. O melhor seria fazer adaptações de acordo com a fase do ciclo menstrual para um melhor rendimento das atletas.
Progresso ou retrocesso?
Diante do exposto, é nítido que homens e mulheres são diferentes em sua fisiologia, portanto, se faz necessário a adaptação do futebol feminino para respeitar as condições corporais femininas. O princípio da isonomia, no art. 5º da Constituição Federal, define que todos são iguais perante a lei, homens e mulheres.
Porém, a simples igualdade perante a lei não assegura condições igualitárias de acesso. Portanto, entende-se que “o tratamento deve ser igual para iguais e desigual para os desiguais, na medida de suas desigualdades”.
Sem adaptações ocorrem discrepâncias entre o futebol feminino e masculino. Penso que se houvesse algum tipo de ajuste, poderíamos ter efeitos positivos, diferentes dos resultados atuais. Penso também que se tivéssemos mais gols, tamanho de campo e número de jogadoras adaptados de tal forma que deixassem o jogo mais atrativo, estas mudanças provocariam progresso e uma série de oportunidades de negócios, geração de empregos, uma alavancagem na economia, tanto dos clubes como das atletas.
Bom seria ver as jogadoras fazendo propagandas milionárias assim como os jogadores masculinos e provocando as mesmas discussões de torcedores apaixonados pelos seus times nas versões femininas. Parece utopia pensar dessa forma, mas é fundamental que o Estado, a sociedade e as entidades esportivas trabalhem em conjunto para obter avanços e garantir o direito ao esporte de forma igualitária – e com suas devidas adaptações – a homens e mulheres mesmo dentro de suas desigualdades.