A terra dos “pardos” racistas
- 13 de outubro de 2015
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- Thamires Mattos
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Indignação seletiva é o “fim da picada”, tanto quanto o discurso de ódio ao “assistencialismo” em um país de latifundiários
Sou parda. Nomenclatura meio injuriante, reconheço, mas que serve aos fins de exemplificar minha condição. Brasileira, filha, neta e bisneta de portugueses e africanos que misturaram seus genes indiscriminadamene. Fruto de um país dado a miscigenação e à funesta consequência disto: racismo velado.
Há tempos veio o discurso das cotas, a primeira protagonista de telenovelas negra, o primeiro negro a presidir o STF, ataques midiáticos aos torcedores racistas “macaquinhos”, o caso da jornalista hostilizada em redes sociais. Toda vez que emerge das mídias a bandeira contra o racismo nesta sociedade pretensamente “harmônica” e mestiça não faltam também os estarrecedores e nojentos discursinhos da “indignação seletiva”.
Todos se indignam, se horrorizam contra situações de preconceito denunciadas pelas mídias e se engajam em campanhas via redes sociais contra o ato. As famosas campanhas do hashtag . Mas não consigo engolir um discurso tão seletivo, pouco fundamentado, carente de verdadeira preocupação e engajamento. Não é possível indignar-se contra a situação de Maju, por exemplo, sem revoltar-se quando a questão é com o menino da periferia, com o porteiro ou a empregada doméstica.
Talvez você se indigne por causa de Maju, mas passe longe do menino negro e sujinho na rua. Preciso estabelecer, caro amigo, que isto é falta de entendimento. Ausência de percepção de que a discriminação brasileira é naturalizada. Para compreendê-la seria preciso olhar profundamente para a perpetuação de signos racistas nascidos de uma colonização de exploração. De signos e comportamentos reforçados ao longo da história deste país elistista formado por negros, mas dominado por uma população parda que prega o embranquecimento social.
“O Brasil é um país de harmônia social. Não somos como os norte-americanos e suas milícias racistas”. Sinceramente, a questão nos EUA é mais limpa, melhor que a nossa. Lá sempre existiram leis e políticas racistas. Lá o racismo sempre foi senso comum. Aqui, gostamos de tapar o sol com a peneira. Há não muitos anos atrás, se um negro denunciasse ser vítima de preconceito era considerado complexado e até criminoso. Porque fomos e somos germinados sobre a bandeira de uma “democracia racial”. Nada poderia ser mais inverídico.
Todo o problema se avulta, principalmente, pelos estereótipos reforçados pela mídia. Filmes e novelas fortalecem o negro favelado, o negro inculto, ou a sorte de um negro “milagroso” que ultrapassou as cercas entre as classes. Mas isto é um desserviço social. Provocando, ao contrário do que se pensa, o aumento deste sentimento de diferenciação. Quando uma novela cria um vilão racista estereotipado, por exemplo, ela não está denunciando o racismo existente no Brasil. Ao contrário, ela mascara a situação. Ninguém se identifica com o personagem grosseirão, maldoso, machista e racista. Ao contrário, a audiência gosta de pensar: “não sou assim”. E realmente não é. Os racistas brasileiros são muito mais bonzinhos e humanos. São aqueles que no íntimo pensam que um negro dirigindo uma mercedes é o motorista.
A edição do canal nesta quinzena pretende tratar a questão do racismo e a relação do tema com as mídias. Como somos construídos ou desconstruídos em nossa criticidade quanto ao tema via meios de comunicação?
Fato é que somos um país de negros e pardos, um país de muitos pobres e poucos ricos, um país de falsa democracia e corrupção. Um país terrivelmente iludido pois, para além de todas as questões sociais que prefere varrer para debaixo do tapete (situações nascidas do processo de construção desta nação), também se acredita branco e um lugar de democracia racial.
Andréia Moura
Editora-Chefe do Canal da Imprensa