
A exaustão dos filmes de super-heróis
- 16 de outubro de 2025
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- Theillyson Lima
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Saturação, mudanças no consumo e crise criativa colocam em xeque o modelo que sustentou Hollywood por mais de uma década.
Amanda Talita
Durante quase duas décadas, os filmes de super-heróis dominaram o cinema mundial, com bilheterias bilionárias e legiões de fãs. Eles estabeleceram padrões de sucesso, ditando o ritmo das estreias e consolidando uma linguagem própria de entretenimento: personagens familiares, tramas interconectadas e efeitos visuais de alta qualidade transformaram as salas de cinema em extensões dos universos Marvel e DC. Cada lançamento era tratado como um acontecimento cultural, com estreias simultâneas em vários países e campanhas publicitárias que movimentavam bilhões de dólares.
Porém, o que parecia uma ascensão constante começou a mostrar sinais de desgaste. A saturação de lançamentos, a repetição de fórmulas narrativas e o crescimento do streaming alteraram a relação do público com o gênero.
Em constante declínio
Em 2025, pela primeira vez desde 2011, nenhum filme de super-herói arrecadou mais de 700 milhões de dólares em bilheteria mundial, evidenciando a saturação do público. De acordo com analistas, o fenômeno é consequência do esgotamento de narrativas previsíveis e da grande quantidade de lançamentos simultâneos no cinema e no streaming.
Um exemplo representativo dessa queda é As Marvels (2023), continuação de Capitã Marvel (2019), com Brie Larson, Iman Vellani e Teyonah Parris no elenco. Depois de duas semanas em exibição, o filme arrecadou apenas 200 milhões de dólares, valor inferior ao custo de produção de 220 milhões, fazendo com que se tornasse a pior bilheteria da Marvel. Nem o carisma de Larson, protagonista de Vingadores: Ultimato (2019), foi capaz de atrair o público necessário.
A questão ultrapassa a situação de um único filme. Os enredos previsíveis, heróis em crise existencial, lutas sem fim e efeitos digitais genéricos afastaram até os fãs mais dedicados. Séries do Disney+, como Wandavision e Loki, que iniciaram com propostas audaciosas, acabaram se conformando às mesmas estruturas previsíveis dos filmes.
A comparação com outros gêneros destaca o desafio: enquanto Marvel e DC apostam em sequências e multiversos, filmes originais como Barbie (2023) e Oppenheimer provam que o público ainda aprecia roteiros inovadores e narrativas cativantes. Por exemplo, Barbie arrecadou mais de 1,4 bilhão de dólares nas bilheterias, superando todos os lançamentos de super-heróis do ano. Até o cineasta Martin Scorsese, crítico da “pobreza criativa” dos blockbusters de heróis, ironicamente empatou em bilheteria com As Marvels com seu longa Assassinos da Lua das Flores, que custou menos e foi melhor recebido pela crítica.
O gênero enfrenta, portanto, um ponto de inflexão: não se trata apenas de nostalgia ou efeitos visuais, mas da necessidade de renovar histórias e personagens, equilibrando originalidade, profundidade dramática e apelo visual para reconquistar o público.
O ano de 2025 consolidou esse esgotamento. Mesmo com estreias aguardadas, como Superman, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos e Capitão América: Admirável Mundo Novo, nenhum desses filmes superou os 700 milhões de dólares. O Superman de James Gunn liderou as bilheterias com cerca de 604 milhões, seguido por Quarteto Fantástico (469 milhões) e Capitão América 4 (412 milhões). Para efeito de comparação, títulos lançados há menos de uma década, como Pantera Negra (2018) ou Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021), ultrapassaram facilmente a casa de 1 bilhão.
Antiquado + saturado
A estrutura baseada em franquias e multiversos, que antes era o motor de engajamento, passou a ser um obstáculo: o espectador casual se sente perdido entre tantas conexões, séries derivadas e arcos paralelos.
Tal mudança reflete não apenas uma saturação do público, mas também transformações profundas nos hábitos de consumo. Com o crescimento das plataformas de streaming, a experiência coletiva de ir ao cinema vem sendo substituída por formas mais individuais de entretenimento. Séries, vídeos curtos e produções sob demanda competem diretamente com os grandes blockbusters. Segundo analistas, a geração Z, que antes compunha quase um terço do público dos filmes da Marvel, hoje representa apenas 29%, uma queda sutil, mas simbólica.
O crescimento do streaming e a consolidação de experiências digitais mais breves e interativas, como jogos e redes sociais, transformaram a maneira como consumimos entretenimento.
Esse processo foi acelerado pela pandemia. Com o fechamento dos cinemas e lançamentos sendo transferidos para plataformas de streaming, os espectadores se habituaram a assistir a produções de grande porte em casa, com menor custo e maior comodidade. Atualmente, ir ao cinema é reservado para ocasiões verdadeiramente especiais, filmes com inovação estética, narrativas originais ou fortes apelos emocionais. Nesse contexto, o modelo convencional dos blockbusters de super-heróis aparenta ser menos interessante.
Ademais, o aumento dos preços dos ingressos e da pipoca tornou a experiência no cinema mais exclusiva. Segundo a National Association of Theatre Owners (NATO), a frequência de público jovem nos cinemas norte-americanos caiu 15% desde 2019. O mesmo movimento se repete no Brasil: de acordo com a Ancine, 2024 registrou queda de 12% no número de ingressos vendidos em relação ao período pré-pandemia.
Redesenho de estratégias
A Marvel divulgou uma diminuição na quantidade de lançamentos por ano e o retorno ao foco em filmes independentes, que possuem menos ligações internas. Por outro lado, a DC, agora sob a direção criativa de James Gunn, está desenvolvendo um novo universo compartilhado com menos foco na amplitude e mais na consistência da narrativa. O objetivo é reavivar o interesse por meio de narrativas sólidas, e não apenas por efeitos visuais.
Ainda assim, existem exceções. Guardiões da Galáxia Vol. 3 (2023) conseguiu concluir sua trilogia de forma digna, arrecadando 845 milhões de dólares e recebendo críticas positivas. Por outro lado, Loki, que ficou restrita ao streaming, manteve sua relevância e demonstrou que o interesse por super-heróis não sumiu completamente, apenas mudou de formato. A expectativa para 2024 e 2026 é que filmes como Deadpool 3, Vingadores: Doomsday e Homem-Aranha: Um Novo Dia, possam reanimar o entusiasmo, principalmente com o retorno de figuras emblemáticas como Hugh Jackman, Henry Cavill e, possivelmente, Robert Downey Jr.
Mas os estúdios sabem que apenas nostalgia e efeitos não bastam. O público exige histórias envolventes, novas perspectivas e personagens mais humanos, exatamente o que Stan Lee, criador de boa parte dos heróis da Marvel, defendia nos anos 1960. “O herói é aquele que enfrenta o próprio fracasso”, dizia Lee. Hoje, a frase parece ecoar na própria indústria que ele ajudou a construir.