A ética na cobertura de tragédias
- 5 de junho de 2024
- comments
- Theillyson Lima
- Posted in Análises
- 0
Qual é papel da mídia na cobertura jornalística de tragédias no Brasil?
Natália Goes
Depois de 2019, parece que, em todo início de ano, os brasileiros esperam por uma tragédia. Há quem diga que estamos em um ciclo de notícias ruins. Todos ficam estáticos em frente a TV esperando as notícias para saber o que de fato aconteceu, o que está acontecendo ou o que ainda vai acontecer.
Neste momento, o jornalismo tem o dever de informar a população. Para ganhar audiência, precisa ser algo inusitado. As tragédias, guerras e crimes são notícias que trazem a audiência e a comoção que os veículos de comunicação querem. Com esse tipo de cobertura jornalística, os limites da ética são questionados.
A última tragédia que tivemos foram as enchentes no estado do Rio Grande do Sul, uma das mais chocantes dos últimos tempos. Nas manchetes, só se falava disso, além de reportagens e fotografias mostrando o drama dos atingidos e/ou sobreviventes para recomeçar.
Alinhamento com outros veículos
A cobertura jornalística de tragédias, apresenta desafios éticos profundos que revelam vários pontos de preocupação e discussão. Um ponto é o alinhamento dos veículos de comunicação, como a RBS, que é um braço da Rede Globo.
O alinhamento dos veículos de comunicação favorece um viés político específico, criticando os políticos de esquerda. Essa parcialidade distorce a compreensão pública dos eventos e também contribui para uma polarização política grandiosa, que pode complicar a verdade e desviar o foco das necessidades imediatas das vítimas.
Minimização do papel do Estado
Outro aspecto problemático na cobertura da tragédia do Rio Grande do Sul é a ênfase no voluntariado e nos atos heróicos dos cidadãos, enquanto minimiza ou critica a atuação dos governos locais ou federais.
Embora o trabalho voluntário seja importante, a narrativa dos veículos de comunicação sugere que o estado está ineficaz ou até atrapalhando as doações e cria um ciclo de desinformação e desconfiança nas instituições públicas. A cobertura deveria ser equilibrada entre o reconhecimento do voluntariado e as ações do governo, evitando a disseminação de fake news e a criação de pânico econômico.
A tendência de despolitizar a tragédia ao enfatizar o voluntariado e desvalorizar o papel do estado impede uma discussão mais profunda sobre questões ambientais e políticas públicas que são essenciais para evitar futuras tragédias. Por isso, os grandes veículos de jornalismo deveriam promover uma compreensão integral dos eventos.
Sensacionalismo
O sensacionalismo nas coberturas jornalísticas de tragédias é vital para o aumento da audiência e é eticamente questionável. Os jornalistas aprendem nas universidades que a cobertura deve evitar a divulgação de detalhes mórbidos ou sensacionalistas, respeitando a dor das vítimas e suas famílias.
Essa é uma regra que está prevista no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em que diz no capítulo 1, artigo II que o jornalista não pode divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.
O foco deve ser informar de maneira equilibrada e humana, sem transformar a tragédia em espetáculo, mas o bom senso não é ensinado nas universidades.
Disseminação de fake news
Com uma cobertura desequilibrada, a proliferação de fake news é acelerada nas mídias. Os danos das notícias mentirosas são grandes. Comparando com outras tragédias, como as de 2011 no Rio de Janeiro e de Brumadinho em 2019, é evidente que a desinformação pode aumentar o sofrimento das vítimas ou atingidos e dificultar a ajuda adequada, como na tragédia do Rio Grande do Sul.
Independente do veículo de informação, a cobertura das tragédias deve ser feita com empatia, precisão e respeito, sempre colocando o interesse público acima da busca por audiência ou velocidade na divulgação das notícias.
É possível impor limites na cobertura de tragédias?
É evidente que o jornalismo enfrenta desafios para equilibrar a necessidade de informar com responsabilidade ética e o respeito às vítimas. A cobertura de tragédias que deveria ser conduzida com sensibilidade, evitando o sensacionalismo e a desinformação, não tem acontecido dessa forma principalmente no Rio Grande do Sul.
Porém, uma estrutura regulatória clara pode ajudar a garantir que a cobertura jornalística cumpra seu papel social de informar de maneira responsável e ética. A mídia deve refletir criticamente sobre suas práticas e buscar um jornalismo que contribua para a compreensão e solução dos problemas, em vez de aumentar conflitos e desconfianças.
Para isso, um passo importante para alcançar um jornalismo mais ético e responsável é a regulamentação das mídias. Resta saber: até quando o Brasil irá ignorar essa necessidade?