A democracia da TV aberta
- 24 de abril de 2024
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- Theillyson Lima
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Os canais abertos de televisão permanecem como a forma mais acessível de se obter informações de qualidade no Brasil.
Paula Orling
A televisão aberta é a maior fonte de conteúdo para os brasileiros. Por não ter custo para seu consumo, ser acessível para pessoas de diferentes faixas etárias, ser fonte de informação confiável e diversa, a TV aberta ainda é o melhor meio de informação de mais da metade dos cidadãos brasileiros.
Até julho do ano passado, 123,8 milhões de residências brasileiras possuíam pelo menos uma TV com acesso à canais gratuitos. Esse número subiu em mais de 20 milhões em relação a 2000, o que revela que, diferente do suposto por muito, a TV aberta não está perdendo o seu posto nos lares brasileiros. Pelo contrário, a TV aberta ainda é o melhor recurso para boa parte dos 36 milhões de brasileiros que não têm acesso à internet, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2022. É importante destacar que “ter internet” não significa acesso à banda larga ou Wi-Fi de qualidade, que possibilita acesso às plataformas de streaming.
Neste sentido, apenas 43% dos brasileiros consomem produtos nos streamings. Ao somar o valor de todos os planos básicos das plataformas no Brasil, o valor é de R$ 199,19 ao mês, ainda com anúncios e propagandas. Caso a pessoa escolha assinar todos os melhores planos, o valor sobe para R$ 493,68 ao mês. O valor das assinaturas “premium” equivale a 34,96% do salário mínimo brasileiro de 2024.
Democratização das plataformas de streaming
Quando inclui-se o fator da pandemia, a disparidade na utilização dos streamings é ainda maior. Especialmente nos anos de 2020 e 2021 o Brasil intensificou muito o uso das tecnologias para se adequar ao “novo normal”. Esta realidade também esteve presente no aumento do uso dos streamings. Mesmo assim, o acesso não foi, e continua não sendo, democrático.
De acordo com dados levantados em pesquisa pela Folha de São Paulo, 94% dos brasileiros das classes A e B têm acesso às plataformas, enquanto apenas 43% das classes C e D acessam. Além disso, uma pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) determina que os jovens são os que mais consomem produtos veiculados nas plataformas de streaming, enquanto os idosos são os que mais dependem da TV aberta para receberem informações.
Com o objetivo de alcançar mais pessoas e ser mais assertiva, a TV aberta se propõe a criar a TV 3.0. Esta iniciativa pretende fazer com que os canais abertos continuem gratuitos, mas passem a oferecer maior interatividade. Os espectadores terão a oportunidade de interagir no chat usando o controle remoto, assistir aos esportes que acompanham pelo ângulo favorito e até mesmo comprar uma peça de roupa que viram na novela das 19h.
Na teoria, este parece um grande passo da TV brasileira rumo ao desenvolvimento tecnológico. É bem verdade que existem muitas novidades positivas neste sistema, mas ainda existem questões a serem discutidas. A principal delas se resume na falta de acessibilidade causada pela inexistência de acesso à internet ou o acesso precário.
Vantagens da TV aberta
Existem características da TV aberta que facilitam seu consumo pelos que não são nativos digitais. Uma vez que o horário da programação é fixo, basta decorar – ou anotar – o horário da programação e apertar o botão de ligar. Desta forma, pessoas sem instrução digital, com destaque para os idosos, têm acesso a conteúdos de qualidade.
Ao comparar a TV aberta e as plataformas de streaming percebe-se a universalidade da aberta. Os streamings utilizam o machine learning (aprendizado de máquina), sistema que faz com que algoritmos “aprendam” quais são os interesses do espectador. Assim, sugerem conteúdos cada vez mais de acordo com os gostos individuais. Neste sentido, estas plataformas afastam o público cada vez mais da universalidade da informação, entregando apenas um nicho informacional e favorecendo a alienação.
Ao contrário deste sistema, a TV aberta não permite, até o momento, que o público tenha tanta autonomia na escolha dos produtos aos quais assiste. Desta forma, conteúdos diversos e plurais alcançam mais de 40% das residências brasileiras, de acordo com dados de 2022 do IBGE.
Os maiores canais abertos da televisão brasileira incluem em sua programação conteúdos que atendem a públicos diferentes. É comum encontrar rotinas que incluem programações para crianças, jovens, adultos e idosos. Além disso, existem programas que integram todo o Brasil, apresentando aspectos culturais de uma região em outra. Os jornais de abrangência nacional informam pessoas do centro-oeste do que acontece no norte, por exemplo. As linguagens também são diversas, permitindo que todos os públicos acessem informações de qualidade.
Credibilidade da TV aberta
Apesar de muitos questionados especialmente durante a pandemia e as últimas eleições presidenciais, os canais abertos ainda adentram as casas de milhões de brasileiros. Uma pesquisa da TecBan e do Instituto Datafolha aponta que a televisão é a fonte em que os brasileiros mais confiam. 39% dos entrevistados declararam confiar mais nas propagandas e outros conteúdos da televisão do que em outras fontes de informação.
Além de entregar informações de qualidade, normalmente com forte embasamento de cientistas e pesquisadores das áreas discutidas, a TV linear brasileira também influencia o comportamento da população. Primeiro de tudo, os canais abertos nacionais desenvolvem a cultura local ao reservaram os horários nobres para a produção local, especialmente no formato das telenovelas.
Além de exaltar a cultura brasileira em sua programação, a TV aberta também ajuda a desenvolver costumes no povo brasileiro, moldando o pensamento da população. Neste sentido, as telenovelas são aspectos chave. Em primeiro lugar, a televisão brasileira reserva seus horários nobres para transmitir conteúdos criados aqui mesmo no Brasil – especialmente as novelas – que refletem a cultura do país e permitem que o público se identifique com a mídia. Ainda, a TV aberta é criadora de opiniões.
A rede aberta brasileira sempre foi uma lançadora de tendências. Quem nunca achou um colar de veludo por causa da Juliana Paes no papel da Bibi de A Força do Querer? Ou viu a tendência das tiaras da Valentina de Carrossel. As novelas sempre foram chave para a moda popular, mas este impacto da TV aberta tem perdido este propósito. Pouco a pouco, a TV Globo, Rede Record, Band e várias outras buscam seguir as tendências já existentes, com o objetivo de ter seus produtos mais aceitos pelas massas.
Diante do exposto, a televisão aberta é a principal fonte de conteúdo para muitos brasileiros, oferecendo acesso gratuito a uma diversidade de programação para pessoas de todas as idades e classes sociais. Mesmo com o aumento dos serviços de streaming, a TV aberta continua como uma fonte confiável de informação e entretenimento, especialmente para aqueles sem acesso à internet ou com conexão limitada.
É verdade que ainda existem milhares de pessoas sem acesso à TV aberta e, por isso, é papel do Ministério da Cultura reforçar o investimento nos canais abertos de televisão, além de investir na democratização da internet.
Embora a proposta da TV 3.0 prometa maior interatividade, é importante abordar questões de acessibilidade para garantir que todos os espectadores possam participar das inovações. Além disso, a credibilidade e influência da TV aberta na formação de opinião e cultura brasileira continuam a ser aspectos fundamentais, reforçando seu papel constante na mídia do país.