A culpa não está nas estrelas
- 19 de abril de 2023
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- Theillyson Lima
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Um romance fiel a sua origem e próximo das histórias de amor da realidade.
Camylla Silva
Antes de qualquer coisa, isso não é um resumo. Muito menos uma resenha. Essa é a análise de uma história adaptada. Agora, se a adaptação é diferente ou não, você terá que ler até o final para descobrir. Eu até poderia dividir as histórias para você comparar essas alterações. Mas, na verdade, é sobre isso que eu quero abordar nesse texto. Contém spoiler!
Enredo
A Culpa é das Estrelas é um romance para jovens adultos publicado em 2012, por John Green. O livro tornou-se um best-seller instantâneo e foi adaptado para o cinema em 2014. A adaptação foi dirigida por Josh Boone e estrelou Shailene Woodley interpretando o papel de Hazel Grace, e Ansel Elgort como Augustus Waters. Na época, o filme foi um dos temas mais discutidos entre os fãs do livro, entusiastas e críticos do cinema.
A história é de Hazel Grace Lancaster, uma garota de 16 anos que vive com câncer há muito tempo. Tudo começa quando seu cotidiano, cruelmente monótono com os tratamentos, constantes maratonas de reality shows e incontáveis releituras do mesmo livro, de repente é transformado quando descobre que está com depressão – que para Hazel, não é um efeito colateral da doença, mas sim de estar morrendo. Deste modo, a jovem é forçada a participar de um grupo de apoio para jovens com câncer.
Lá, Hazel conhece Isaac (Nat Wolff), um jovem que está prestes a conseguir uma cirurgia que o deixará cego, e Augustus Waters, um garoto de 17 anos que perdeu uma perna devido a um osteossarcoma. É por este que Hazel se apaixona.
Os dois formam um relacionamento próximo e se unem devido às suas experiências compartilhadas com o câncer. Eles viajam para Amsterdã para conhecer o autor favorito de Hazel, Peter Van Houten (Willem Dafoe), que está recluso desde a publicação de seu livro, An Imperial Affliction, que Hazel tanto ama.
É exatamente este “amor granada”, como Hazel autodenomina, que tem prazo para explodir, o que encanta a adaptação cinematográfica. O que talvez seria “apenas mais um filme sobre amor e o câncer” se tornou na verdade, um exemplo de romance próximo da realidade e uma adição que tenta aproximar os jovens e adolescentes com câncer de uma pessoa comum.
Abordagens
A forma como John Green aborda o tema tem um jeito “cru” e real. São feitos questionamentos sem rodeios relacionados ao câncer, através da narradora – que é a própria Hazel Grace – e o autor conta exatamente como é a vida dela. O livro também apresenta uma mesclagem de um humor ácido com toda a história de romance a uma história do câncer. E é esse equilíbrio entre os dois focos que faz com que o livro se torne um sucesso.
Apesar do filme trazer muitos assuntos e muitos tópicos relacionados ao câncer, afinal, os protagonistas têm a doença na trama, simultaneamente, ele tenta suavizar a abordagem. De forma geral, não há tanto o lado real do câncer e nem a luta da pessoa não ser mais ela mesma – até porque não tem como você ser a mesma pessoa até o final.
Enquanto no livro não há só momentos difíceis ou muito leves, mas um retrato da realidade de pessoas com a doença. Não são momentos necessariamente pesados, mas que com certeza vão fazer o leitor pensar e refletir sobre aquilo.
Performances
As atuações na adaptação de “A Culpa é das Estrelas” foram universalmente elogiadas por críticos e fãs do livro. Shailene Woodley dá um desempenho de destaque como Hazel Grace, capturando a vulnerabilidade, força e inteligência da personagem.
A Hazel do filme é a mesma do livro. Ela tem um humor cômico e debochado, mas, ao mesmo tempo, entrega uma atuação excelente, principalmente na cena em que ela embate com Peter Van Houten. Quando Hazel, Gus e Isaac fazem o funeral do Gus, ela lê um elogio fúnebre para ele e é um dos textos mais bonitos do livro. Uma passagem que sempre faz qualquer um chorar, e a adaptação soube traduzir perfeitamente tudo que foi passado no livro, cada importante detalhe que foi escrito, foi adaptado de uma forma fluida e comovente. A atriz Shailene entrega tudo, falando sobre as estrelas e o infinito, o amor e Augustus Waters.
“… você não imagina o tamanho da minha gratidão pelo nosso pequeno infinito. Eu não o trocaria por nada nesse mundo. Você me deu uma eternidade dentro dos nossos dias numerados, e sou muito grata por isso”, pág. 215.
Já Ansel Elgort é igualmente impressionante como Augustus Waters, trazendo charme, carisma e humor ao papel, o que, ao mesmo tempo, transmite a profundidade emocional do protagonista. Um personagem bem criado, que obviamente conhecemos através do olhar da Hazel, mas que também conhecemos muito sobre a personalidade e coisas que gosta, na paixão por metáforas, frases de impacto e por sempre falar coisas engraçadas.
Gus é leve, por isso é tão trágico o caminho que essa história leva depois que o livro e o filme começam, porque você simplesmente, se apaixona por Gus. A química entre Shailene e Ansel é um dos pontos mais fortes do filme. Os dois funcionam muito bem juntos e são perfeitos não só no papel deles, mas para contracenar um com o outro. Somente com o livro é difícil imaginar um Gus, mas ao assistir o filme é quase impossível ter outra escolha de ator para interpretar o personagem.
Discrepância de cenas
O filme foca muito na história de Hazel, (fazendo sentido, já que é a narradora do livro). Mas, ao mesmo tempo, temos uma reviravolta na história. Todo mundo acha que ela é a única que está com a situação mais grave de saúde. Mas no fim, Gus acaba ficando pior. É nesse momento que a gente acompanha uma jornada sobre o seu estado de saúde. No filme há um equilíbrio menor, se comparado ao livro, pois as coisas ficam bem mais sobre a Hazel, do que realmente sobre a Hazel e Gus.
Além disso, falta um contexto sobre os pensamentos de Hazel com relação a sua mãe não querer viver mais para si. Na cena em que Gus liga chamando Hazel para participar da falsa cerimônia de seu enterro, sua mãe não a deixa sair por querer que a filha se cuide. E é nesse momento que há uma discussão, Hazel descobre que sua mãe está mudando alguns hábitos e aprendendo a fazer outras coisas além de focar só no tratamento – uma cena que fica solta por não ter contextualização e profundidade no assunto.
Uma mudança feita para caber no meio do filme é sobre o personagem de Isaac, que é amigo de Hazel e Augustus. Diferente do livro, ele teve um papel menor no filme. Seu enredo é condensado e algumas cenas que estavam no livro foram cortadas do filme. Embora essa mudança possa desapontar os que amavam o personagem de Isaac, era necessário manter o filme focado no enredo principal de Hazel e Augustus.
A Culpa é das Estrelas é responsável por ter uma das cenas mais icônicas de todas, que fazem parte tanto do livro quanto do filme. O tão esperado jantar especial de Hazel e Gus, no qual provam champanhe e apreciam todas as metáforas de que eles estão “bebendo as estrelas”. Mas é interessante que nessa cena, colocaram o monólogo de Gus sobre estar apaixonado, um texto praticamente copiado e colado no filme.
“Estou apaixonado por você e não quero me negar o simples prazer de compartilhar algo verdadeiro. Estou apaixonado por você, e sei que o amor é apenas um grito no vácuo, e que o esquecimento é inevitável, e que estamos todos condenados ao fim, e que haverá um dia em que tudo o que fizemos voltará ao pó, e sei que o sol vai engolir a única Terra que podemos chamar de nossa, e eu estou apaixonado por você”, pág. 130.
Apesar de no livro acontecer em um momento diferente – quando eles estão no avião indo para Amsterdã – a mudança funciona incrivelmente bem e Ansel entrega uma atuação simplesmente fantástica.
A culpa não é das estrelas
O título da obra é uma referência ao poeta William Shakespeare que escreveu em A Tragédia de Júlio César: “A culpa, meu caro Brutus, não está nas estrelas mas está em nós mesmos.” Nesse sentido, a frase é invertida, como se Green quisesse mostrar que Hazel e Gus não têm nenhum controle ou culpa sobre o destino que os espera.
Estamos lidando com dois adolescentes que tinham muito o que viver ainda, mas que são repetidamente confrontados com a morte e doenças terminais. Um sentimento de injustiça paira sobre eles, o que é palpável porque eles suportaram muito sofrimento desde suas juventudes.
No entanto, a parceria entre eles consegue superar os diversos obstáculos que enfrentam, permitindo que aprendam sobre o amor e se divirtam mesmo com todas as suas limitações.
Fidelidade à obra de origem
Um dos desafios da adaptação de “A Culpa é das Estrelas” foi capturar os temas complexos e as emoções do romance. A história trata de assuntos pesados, como amor, perda e mortalidade, e era importante para os cineastas lidar com esses temas com sensibilidade e nuances. O filme conseguiu isso de uma forma poderosa, em parte, graças ao elenco e à atenção do diretor aos principais detalhes.
Outro desafio da adaptação do romance foi traduzir para a tela, os monólogos e pensamentos internos dos personagens, pois o romance é escrito na primeira pessoa do ponto de vista de Hazel, e grande parte da história se passa em sua mente. Os cineastas enfrentaram esse desafio usando a narração em off para capturar os pensamentos e sentimentos de Hazel, e essa técnica funcionou muito bem no contexto do filme.
Embora algumas mudanças tenham sido feitas na adaptação, como cortar as linhas de diálogo, o roteiro do filme permanece fiel ao livro. As mudanças foram necessárias para se adequar à produção e não alteraram significativamente a história ou os personagens.
Os dois atores capturam a essência de seus personagens e sua química na tela é palpável. As atuações foram fortes, a direção foi sólida e o filme foi bem recebido pelos fãs do romance e pelo novo público. É uma prova do poder da história de John Green que conseguiu ser traduzida de forma tão eficaz para a tela, sendo uma das adaptações mais amadas até hoje.