A arte de se desprender
- 19 de abril de 2023
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- Theillyson Lima
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Um novo ponto de vista sobre a narrativa pode sim render um bom filme.
Bruno Sousa
Quem nunca emergiu em um livro favorito e viajou horas e horas nas páginas que eram descritas boas histórias de romance, aventura, drama e até terror? Eu mesmo quando pego qualquer livro que me interessa, nem vejo o tempo passar. A cada página lida é como se passassem cenas na minha cabeça imaginando os personagens, lugares e todo o contexto narrado na obra.
Curiosamente, existem milhares de filmes que existem a partir de uma adaptação literária e ajudam nessa interpretação ao abrir um leque de possibilidades. Dentro disso, nascem dois pontos de vista: a representação idêntica do livro e a adaptação livre. Não sei qual você é a favor, mas serei incisivo ao argumentar que a representação de forma livre garante mais possibilidades de descrever excelentes cenas e trazer de forma mais clara o que não ficou perceptível na leitura.
Imagine um diretor tendo que realizar a adaptação de um livro para filme. Conseguiu se colocar nessa posição? Agora pense em detalhes como figura de linguagem e abordagem literária. De que forma trazer todas as nuances que a ferramenta do texto apresenta? Por vezes, fica difícil a retratação da história. Por isso, para o diretor, roteirista e produtor, se torna melhor a reprodução livre. Dessa forma podem incrementar cenas e trazer para um contexto atual.
Nada melhor do que a experiência
Eu sempre gostei muito de cães, então, qualquer cachorro que eu via nas ruas eu queria levar pra casa. Lembro que minha mãe surtava. Só sei que isso me despertou o desejo de ler o livro “Marley e Eu”, que era uma febre na época. Lembro que cada capítulo era bem extenso e a história era repleta de detalhes.
Porém, quando saiu a adaptação cinematográfica do livro, dirigido por David Frankel e interpretada por Owen Wilson e Jennifer Aniston, senti algumas diferenças em relação ao livro original de John Grogan, sendo elas: simplificação do enredo do livro – deixando de fora muitos dos episódios e histórias menores que aparecem na obra literária -, além da narrativa linear e cronológica, enquanto o livro segue uma estrutura mais episódica.
O filme muda a localização da história de Michigan para a Flórida; muda a história de amor entre John e Jenny, tornando-a mais central na trama e apresentando uma versão mais idealizada do casamento dos dois. Também apresenta Marley como um cachorro mais comportado e carinhoso do que ele é retratado no livro, onde ele é descrito como um animal extremamente bagunceiro e destruidor. Para completar a lista, o final do filme é diferente do livro. Na literatura, a morte de Marley tem um tom mais sombrio e emocionalmente pesado. No filme, é mais suave e menos dramática. Apesar das mudanças, o que obriga o filme a seguir exatamente o que projetei em minha interpretação?
Muito mais que uma adaptação
A adaptação livre vai muito além de retratar páginas de livros em 2 horas ou 3 horas de um filme. Ela tem a missão de te fazer experimentar novos caminhos, despertar novos sentimentos e olhar o livro com outro ponto de vista. Como diz a autora Anna Maria Balogh, “o filme adaptado deve preservar em primeiro lugar a sua autonomia fílmica, ou seja, deve-se sustentar como obra fílmica, antes mesmo de ser objeto de análise como adaptação. Caso contrário, corresponderá ao que se costuma chamar significativamente de tradução ‘servil’, ou meramente ilustrativa.”
Além disso, existem vários pontos a serem analisados, um dos principais é o tempo de duração do enredo. Geralmente, um livro possui 200 a 300 páginas. Os filmes costumam ter aproximadamente 1h30min. Em alguns casos podem chegar a 3h de duração. É de se pensar, como fica essa adaptação? Então, é nesse momento que entra o corte dos personagens, a mudança de narrativa e um recorte específico da obra.
Um livro pode ter uma distância temporal gigante desde o seu lançamento até a produção da sua adaptação em um filme. Sendo assim, questões de época como política, contexto social e outros fatores, mudam com o passar do anos. A partir disso, o diretor tem a opção de trazer esse novo olhar e adaptar o filme para uma realidade próxima ao seu público.
Lembro bem do livro “Os Miseráveis”, lido durante as aulas de português da professora Dianaí na oitava série. “Os Miseráveis” (1862), de Victor Hugo, foi adaptado em filme em várias ocasiões, sendo a mais recente em 2012 pelo diretor britânico Tom Hooper. O romance épico segue a vida de Jean Valjean, um condenado que tenta se redimir de seus crimes, e aborda temas como justiça, pobreza e política.
A obra já teve várias adaptações livres ao longo dos anos, tanto no cinema quanto no teatro. Algumas dessas adaptações podem ter alterado a história original, personagens e eventos para se adequarem às demandas do formato ou para atender às preferências do público. Por exemplo, a versão musical de “Os Miseráveis” apresenta algumas alterações em relação ao romance original, como a inclusão de novas músicas e a redução de alguns personagens secundários. No entanto, apesar das adaptações, o livro de Victor Hugo continua sendo considerado um dos grandes clássicos da literatura mundial e é amplamente respeitado por sua profundidade, complexidade e impacto social.
Cada um consome o que prefere
Portanto, aqui expresso o meu ponto de vista em relação à adaptação livre em filmes, seguro de que essa forma de reproduzir obras literárias em filmes dá a oportunidade do diretor criar formas de alcançar o público-alvo provocando uma mistura de sentimentos, além de novas perspectivas sobre a obra que você leu.
Em conclusão, a adaptação de livros para filmes é um tema controverso, que gera muita discussão e opiniões divergentes. Penso que a adaptação livre é necessária para tornar a história mais atraente para o público, especialmente aqueles que não leram o livro original. Além disso, a liberdade criativa permite que os cineastas explorem novas ideias e possibilidades estéticas, dando vida a uma nova obra de arte, fazendo com que se veja algo diferente.