
E o que se passa na cabeça dela?
- 3 de setembro de 2025
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- Theillyson Lima
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O peso que as redes sociais têm na vida de crianças e adolescentes que ainda estão aprendendo a viver, ocasionando procedimentos estéticos.
Nátaly Nunes
Ela acorda cedo, vai para a escola diariamente, passa a tarde nas redes sociais e a sua vida é baseada em rolar o feed e se comparar com mulheres mais velhas que fazem procedimentos estéticos e que tem a rotina dos sonhos.
Isso já basta para essa adolescente se entristecer e ter um sentimento ruim de que a sua vida não está boa o suficiente, o seu modo de agir não condiz com o “resto do mundo” e que o seu corpo não é tão bonito assim. Segundo dados da instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health (RSPH), 70% dos jovens falaram que o Instagram fez com que eles se sentissem pior em relação à própria autoimagem, seguido da informação de que o simples compartilhamento de uma foto, impacta negativamente no sono e aumenta o medo de não conseguir vivenciar aquilo que viu compartilhado.
O tempo passa e ela vira alguém influente dentro dessa mesma rede social. Agora, o processo mudou. O mesmo público que aclamava uma mulher adulta, começa a pressionar uma menina bem mais nova a agir como se fosse a outra. A jovem, como personagem principal, não tem outra alternativa a não ser se moldar aos parâmetros.
Fora os casos de quando todo esse processo nem chega a acontecer, porque desde o útero, já havia uma rede social com seu nome, fotos de ultrassom e centenas de milhares de seguidores na esperança dela nascer logo para poder falar “tadinha, achei que ela seria mais bonitinha, quando crescer vai ter que arrumar esse nariz”.
Como elas lidam com tudo isso?
É só passar a faca!
Equilibrar a rotina como estudante do ensino médio e consultas ao cirurgião plástico não deveria ser algo recorrente. O assunto na roda de amigas que se baseia apenas em como um preenchimento a deixaria mais bonita não deveria ser algo recorrente. Silicone nos seios como presente de 15 anos não deveria ser recorrente. Ou deveria?
Liz Macedo, Antonella Braga, Duda Guerra, Júlia Petroni e várias outras meninas com menos de 17 anos não só acham que deveriam, como foram lá e fizeram! Não é preciso procurar muito para encontrar essas influenciadoras que seguem um padrão de beleza previsto (e até mesmo predestinado) pelas redes sociais e influenciam outras a fazer o mesmo. Dentro das diversas camadas que isso transmite aos outros e a elas mesmas, vamos focar no porquê elas fazem isso.
De início, é importante lembrar que: cirurgia plástica não é apenas estética e existem profissionais especializados em crianças exatamente por isso. O ponto principal é: até que ponto é aceitável modificar seu corpo apenas por estética? Se algo te incomoda, não é errado ir lá e arrumar. O que preocupa são as verdadeiras motivações dessas meninas mais novas em fazer esses procedimentos (sem querer entrar em casos que mulheres adultas fazem o mesmo, porque elas já sabem muito bem suas intenções quanto a isso). Os casos aqui discutidos “não eram necessários” de acordo com os críticos da internet (sim, os mesmos que pressionaram para elas fazerem).
A Folha de São Paulo fez uma reportagem com esses nomes dessas influenciadoras que citei relacionados aos procedimentos estéticos. No título vem o mesmo questionamento: “Mas isso é necessário?” e o texto traz a análise de um psicólogo e uma dermatologista.
A médica conta que as adolescentes chegam na consulta com referências retiradas das redes sociais e que já chegou a recusar fazer procedimentos em adolescentes pois percebeu que a motivação não era saudável e fora da realidade.
Insatisfação contínua, frustração e pressão extra são alguns dos desafios enfrentados pelos adolescentes, apontou o psicólogo para a Folha. Ele diz que nessa fase da vida a identidade ainda está em construção e que os procedimentos parecem ser a única solução naquele momento. O objetivo? Quase sempre é querer seguir os padrões estéticos.
Na Dinamarca, desde 2022 os influenciadores foram proibidos de promover produtos e procedimentos estéticos que são considerados inadequados para menores de 18 anos. A lista é grande e abrange tatuagens, clareamento dental, depilação, produtos emagrecedores e, fugindo um pouco do assunto do parágrafo, mas dentro do assunto do texto como um todo, eles não podem nem postar publicidade de sites para encontros amorosos. A multa para quem desobedece pode passar de 20 mil reais, convertendo.
No Brasil, quando o assunto é idade mínima para fazer uma cirurgia plástica, é preciso pensar primordialmente no intuito. Os critérios avaliados normalmente são o quadro geral de saúde, comprometimento físico e saúde emocional. Por exemplo, bebês de 3 meses podem realizar cirurgia para corrigir o lábio leporino. Aos 7 pode corrigir a orelha de abano e outros casos. Portanto, a idade não é o fator principal. No ano passado, o governo do Mato Grosso do Sul passou a ofertar no SUS procedimentos plásticos para crianças e adolescentes com o objetivo de combater o bullying em escolas.
Esses procedimentos não precisam necessariamente envolver grandes cirurgias. Neste ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) fez um documento científico com orientações sobre rotina de cuidados (skincare) autocuidado e cosméticos para crianças. O estudo aborda sobre o uso da maquiagem em crianças, que deve ser usada com cautela pois a pele ainda está em desenvolvimento e esses produtos podem interferir no processo natural. Sobre descolorir o cabelo, a idade mínima é 12 anos, porém, com produtos específicos, mas o recomendado é evitar colorações e química até os 15 anos. Outro ponto interessante no texto é a explicação sobre o uso de antitranspirantes, que só pode ser usado após os 12 anos. Antes disso, apenas o uso de desodorantes é permitido para mascarar o mau cheiro.
“O lado ruim de elogiar crianças por sua beleza”, um texto disponível na BBC, analisa a influência dos comentários sobre a aparência na infância. A conclusão foi que além dos comentários trazerem consequências (mesmo que seja de boa intenção) o exemplo dos pais e a crença sobre o próprio corpo deles interfere significativamente em como a criança vai se enxergar.
A matéria também trouxe um estudo no qual crianças de 3 a 5 anos foram expostas a algumas formas de corpo (magro ou gordo) e foram questionadas sobre quais seriam malvadas ou gentis, quais eles convidaram para o seu aniversário ou não. Na resposta, elas escolhiam as formas maiores para representar as características negativas.
Ao olhar para as crianças, raramente existem “imperfeições” no rosto ou no corpo delas. Em resposta à pergunta do título da matéria da Folha: não, não é necessário! E essa resposta é bem clara e objetiva, basta olhar para a aparência das adolescentes (que volto a dizer: está em desenvolvimento) e não apresentam as modificações que anos vividos trazem, como rugas ou manchas.
O produto de milhões
Vender a imagem de crianças como se fosse uma mercadoria faz com que elas pensem que realmente são mercadorias. Ao aparecer em um story, por exemplo, se expondo, sabendo que ao final do dia o pix vai cair na conta de seus pais por ter feito isso, faz os filhos terem uma falsa noção do seu real valor (que deveria ser incalculável).
Agora, observe o absurdo: você sabia que existem filhos com a certeza de que seu valor é incalculável? Crianças que se valorizam pois os pais desde sempre reafirmaram não só com palavras mas com atitudes que demonstram um resguardo da sua imagem. No caso, o absurdo é isso estar cada vez mais difícil de encontrar.
O termo adultização pode às vezes nos dar a ideia de que eles estão apenas agindo como adultos. Mas nos principais casos eles têm mesmo são atitudes pornográficas. Repare bem nos casos e coloque um adulto no lugar, muitas das posições, danças, falas e vestimentas, não estão presentes no cotidiano da maioria dos adultos, e sim de conteúdos 100% sexuais.
“A banalização da sexualidade reflete na construção das emoções, nas relações afetivas e no estabelecimento de papéis dentro de uma casa, por exemplo”, explica a psicóloga Daniela Prestes em uma matéria para o Hospital Pequeno Príncipe.
Olhemos agora para o ambiente cultural em que eles vivem. Quem será o corajoso a levantar pautas de denúncias contra o fácil acesso que as crianças têm a músicas/shows com conteúdo adulto? Quem vai impedi-los de assistir facilmente no celular vídeos inapropriados para menores? Não ironicamente, na própria internet, o que não falta são profissionais falando sobre os malefícios diretos dessa exposição na vida da criança no presente e no futuro.
É importante lembrar que a adultização não acontece apenas porque vai ser postado nas redes sociais, falar para uma criança de seis anos que ele é o orgulho da família porque é cheio de namoradinhas traz inúmeros malefícios pois nessa idade eles não estão preparados para esses estímulos. As crianças estão em constante desenvolvimento e não estão preparadas para diversos incentivos.
Espero, acima de tudo, que este texto sirva para deixar claro que as crianças sofrendo esse tipo de abuso não estão só na tela do celular com milhões de seguidores. Não são casos pontuais. Eles estão na praça da sua cidade, na festa de aniversário do seu filho, na escolinha. Isso é falta de instrução correta, isso é um roubo de identidade e um roubo a infância que resulta em adultos com seríssimos problemas.