
Uma grande família volta para as telas
- 23 de abril de 2025
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- Theillyson Lima
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O remake do sucesso “A Grande Família” trouxe novamente a identificação na tela da televisão que o brasileiro não encontrava em outro lugar.
Nátaly Nunes
Uma dona de casa casada com um fiscal sanitário, pais de dois filhos, um folgado que não faz nada da vida e outra que é mimada e casada com um taxista que só usa roupas coloridas e se descombinando. Todos eles moram no subúrbio do Rio de Janeiro e o passatempo favorito deles é ir em uma pastelaria famosa por seu pastel de camarão sem camarão. Conhece essa família? Bom, se estiver muito difícil, eu te dou mais uma dica: jarra com um formato de abacaxi!
O que era para ser apenas uma homenagem, com apenas 12 episódios escritos, relembrando a série original que foi um marco na televisão brasileira, virou um grande sucesso que durou 485 episódios divididos em 14 temporadas. A Grande Família foi um dos melhores acertos da rede Globo. Para um remake acontecer, a história voltar na mídia e continuar a ser contada, existem alguns motivos que vão ser explorados ao longo dessa análise.
A base
Em 26 de outubro de 1972, às 21h foi ao ar o episódio “Meu Marido Me Trata Como Se Eu Fosse Uma Geladeira”. Nessa primeira versão, o programa era uma espécie de teatro, seguindo sem cortes. A série foi inspirada em “All in the Family”, um programa de televisão estadunidense que era remake da série britânica Till Death Us Do Part. Ao longo dos três primeiros anos, A Grande Família foi exibida em preto e branco e apenas no último ano a Globo passou a exibir em cores.
Dirigido primeiro por Milton Gonçalves e depois por Paulo Afonso Grisolli, os episódios foram escritos e criados por Oduvaldo Vianna Filho, mais conhecido como Vianinha, e Armando Costa.
O elenco era composto por: Lineu (Jorge Dória), Nenê (Eloísa Mafalda), Júnior (Osmar Prado), Tuco (Luiz Armando Queiroz), Bebel (Djeane Machado, depois Maria Cristina Nunes), Agostinho (Paulo Araújo) e Floriano (Brandão Filho).
Cada integrante da família Silva tinha uma personalidade específica e por conta da palavra “peculiar” ser usada muitas vezes como algo pejorativo, não irei usar, por mais que o significado seja “algo característico de alguma pessoa, algo próprio”. Digo isso pois eles foram feitos baseados no brasileiro real e a análise sobre essa identificação ser um dos objetivos da série está em alguns parágrafos abaixo.
Depois de 112 episódios, a série teve seu fim na quinta-feira de 27 de março de 1975. Um dos motivos foi a morte do roteirista Vianinha que era muito querido por todos do elenco e da produção. Assim, a Globo decidiu suspender a produção.
No ano de 1987, 12 anos depois do fim da série, foi feito um episódio especial de natal com os mesmos atores. Agora, os personagens estavam mais velhos e com outros problemas. Um detalhe curioso é que o ator Pedro Cardoso (que fez o Agostinho na segunda versão) apareceu nesse especial interpretando um estudante de teatro por quem Bebel se apaixonou por estar separada de seu marido.
Mudanças necessárias
A Grande Família, que em sua primeira versão tratava questões políticas explicitamente, foi alvo de censura. O alvo era o personagem Júnior (um terceiro filho do casal), que usava falas muito ativistas ou Lineu com queixas incisivas sobre economia. Até houve um episódio que precisou ser 100% descartado por ter muitos cortes nas falas desses personagens. Com isso, na versão seguinte, o personagem Júnior foi retirado sem apresentar um grande impacto no enredo.
O cuidado para fazer remakes tem que ser redobrado e essa questão foi respeitada na série. Isso não quer dizer que o diretor e os roteiristas estão fadados a continuarem com os mesmos personagens e situações, pois o sentido do remake é adaptar algo que já existe para uma nova realidade. A diferença é que ao fazer isso, é preciso mostrar claramente essa transição e responder o porque aconteceu, quando, onde e como. Não é necessário dar um sentido de continuidade, pois é uma nova obra, porém, com a mesma história.
Novo, porém igual antes
Entre os anos de 2001 e 2014 passava na televisão brasileira um dos programas de comédia mais longos da TV Globo, perdendo apenas para a Escolinha do Professor Raimundo. O remake de A Grande Família foi tomando força e no segundo ano de produção já passou a oferecer episódios inéditos e não mais roteiros adaptados.
Dirigido por Guel Arraes, o propósito da série foi se firmando. Agora a família Silva que antes morava em São Paulo, está no subúrbio do Rio de Janeiro, com um cenário mais característico e o que na primeira versão foi algo mais teatral, a segunda estava mais preocupada em retratar a família de forma mais espontânea, sem se preocupar com as câmeras e conseguir um movimento mais verdadeiro dentro da casa.
O elenco era composto por: Lineu (Marco Nanini), Nenê (Marieta Severo), Tuco (Lúcio Mauro Filho), Bebel (Guta Stresser), Agostinho (Pedro Cardoso) e os agregados que eram amados (e às vezes nem tanto) pelos personagens e pelo público, como o Beiçola (Marcos Oliveira), Mendonça (Tonico Pereira), Marilda (Andréa Beltrão) e o Paulão (Evandro Mesquita).
Em 2008 foi o primeiro seriado da Globo a ser transmitido em alta definição e acumulou diversos prêmios não só para o programa mas também para os atores.
Não houve um motivo específico para o fim da série. O ciclo foi se encerrando, os atores se cansando dos mesmos papeis e a história já havia sido contada até um certo ponto necessário.
Identificação e continuidade
Por mais que as pessoas gostem de séries, novelas e filmes que retratam uma realidade utópica, um programa divertido que representa o dia a dia do brasileiro faz sucesso pois eles se identificam. O gênero Sitcom (comédia de situação) mostrou nesta série a vida de uma família de classe média baixa. Não que A Grande Família mostrasse a melhor maneira de como encarar os problemas da vida, mas o simples fato de mostrar que eles existem prendia a atenção do público.
Outro grande motivo para o sucesso foi o respeito a continuação da história e dos personagens. Por ser uma série longa, a produção teve a oportunidade de fazer grandes mudanças na vida dos personagens, mas isso afasta o telespectador, muitas das vezes. Em A Grande Família os personagens foram crescendo e amadurecendo com a mesma personalidade, manias e jeitos.
Mesmo com a Bebel mais velha e madura, por exemplo, os vacilos de Agostinho ainda faziam ela ficar emburrada, voltar para a casa dos pais e pedir a separação, porém, a diferença é que agora ela tinha que pensar em seu filho adolescente e tentava seguir a vida. Por mais que o Tuco fosse preguiçoso, a sua trajetória não é só deitado no sofá, ele tenta fazer coisas novas, porém do seu jeito. O público não se cansou da mesma casa, mesma pastelaria e o mesmo táxi porque a vida real é assim. Não é toda hora que as pessoas mudam de casa, carro ou de convívio.
A marca registrada e os extras
A trilha sonora de A Grande Família foi feita especialmente para a série. Quando a primeira versão estava sendo feita, Boni (diretor da rede globo) pediu para a dupla Tom & Dito criarem uma música e em 1 semana ela já estava pronta. Na letra é possível identificar uma família que mesmo no meio de problemas continuam unidos. Um instrumental bem feito e específico faz até hoje todos se lembrarem da alegria que era a série.
A vinheta passou por diversas modificações, algumas em desenho animado, outras com edição de colagens, mas o diferencial foram os cantores. Começando pelos compositores Tom & Dito e na segunda versão foi carregada pelas vozes de Dudu Nobre, Ivete Sangalo e por fim Zeca Pagodinho.
Um extra que foi muito criticado pela mídia foi um filme produzido no final da sexta temporada. O que tinha como objetivo fazer um remake, criou um vácuo no meio da história (pois 3 meses depois do final da sexta temporada a sétima já estava no ar). A história do filme não tinha conexão alguma com as temporadas e a mídia interpretou como um episódio especial de 1 hora, que diferente da série, esse era pago e era preciso ir ao cinema para assistir. As pessoas não estavam com saudade, tudo foi acontecendo ao mesmo tempo, servindo apenas para acrescentar mais um “‘título’’.
Em contrapartida, muitos remakes que são feitos tempos depois do fim do produto original causam a dúvida no público de: como ficaria se fosse feito no auge da série juntando o sucesso dos personagens e da história? O filme da Grande Família é a resposta para essa questão! Infelizmente, eles caíram na armadilha de parecer um episódio de continuação e não um programa especial. Se ele fosse feito atualmente a resposta do público seria diferente, provavelmente mais positiva pois seria uma novidade e nostalgia.
Um ano depois do fim, no ano de 2015, foi lançado um almanaque com curiosidades sobre a série, mas sem muito sucesso. Essa falta de interesse do público pode ser explicada pelo mesmo motivo do filme. As pessoas ainda tinham fresco na memória tudo o que acontecia na série.
Em 2017 foi feito o Álbum da Grande Família, onde Lineu narra a história de alguns personagens e era reprisado episódios antigos logo em seguida. Foi passado na rede Globo e o público relembrou com carinho as histórias. Atualmente, o canal Viva passa um episódio por dia do seriado.
Tudo no seu tempo
Não é errado afirmar que alguns dos problemas que fizeram a série acabar um dia, são os motivos para não ter outro remake de A Grande Família. A série terminou com os índices de audiência bem altos e deixou um legado com as histórias dos personagens. Em entrevistas os atores comentam que até hoje são reconhecidos pelo papel que exerceram. Isso precisa ser preservado.
Remakes nem sempre são bem vistos, mas nesse caso, foi o remake que realmente construiu a história. Os roteiristas pegaram uma boa base e melhoraram tanto que proporcionaram um super acontecimento chamado A Grande Família. Mesmo nome de antes, mesma história de antes, porém agora, no momento certo.