TikTok: o guia de turismo desenfreado
- 27 de novembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Entre o glamour e a superexposição, a plataforma redefine o turismo, impactando as escolhas dos usuários e a vida econômica dos moradores locais.
Isabella Maciel
Viajar é um dos prazeres mais esperados na vida de quem trabalha duro durante o ano. As férias oferecem a oportunidade de se desconectar, explorar novos lugares e criar memórias. No passado, as escolhas de destino eram baseadas em indicações de amigos ou programas de TV. Com o avanço da internet, o Google tornou-se o principal aliado na busca por informações, mas a era digital trouxe algo ainda mais dinâmico: redes sociais como o TikTok estão redefinindo a forma como o turismo é consumido e promovido.
Nos últimos anos, a plataforma de vídeos curtos consolidou-se como uma ferramenta de influência no setor de viagens. De acordo com dados do TikTok, 83% dos usuários afirmam que foram inspirados a visitar destinos que não estavam no radar antes de verem vídeos sobre eles, e 60% seguiram adiante com os planos.
O algoritmo está moldando nossas escolhas de maneira tão persuasiva que, ao invés de decidir conscientemente para onde viajar, estamos apenas seguindo tendências?
Essa viralização, embora traga benefícios econômicos para os destinos, pode também ter efeitos colaterais. Quando um local ganha fama repentina, a superexposição impacta diretamente a vida econômica e social dos moradores locais. Preços sobem, infraestruturas são sobrecarregadas, e comunidades antes tranquilas enfrentam desafios para se adaptar à nova realidade.
O impacto do conteúdo viral no turismo
Um exemplo é o da Southwest Airlines, nos Estados Unidos. A companhia aérea investiu diretamente no TikTok, contratando influenciadores para promover destinos acessíveis e criando links de compra direta na plataforma. A estratégia é eficaz porque transforma usuários comuns em embaixadores, gerando um conteúdo que parece mais autêntico do que um anúncio tradicional. Porém, o sensacionalismo frequentemente presente nas redes sociais mascara as relações comerciais por trás das recomendações, levando os consumidores a confiar cegamente em opiniões pouco objetivas.
Na América do Sul, o TikTok ajudou a impulsionar destinos como Buenos Aires. Em 2023, quase 700 mil brasileiros visitaram a capital argentina, representando 24% do turismo global da cidade. O volume de visitantes é resultado de fatores como a proximidade geográfica e o câmbio favorável, mas o hype digital teve um papel crucial. A superexposição impacta diretamente na economia local, alterando preços e, muitas vezes, criando desafios para os moradores. Para eles, o turismo pode ser tanto uma bênção quanto uma maldição, especialmente quando a infraestrutura local não acompanha o crescimento da demanda.
Esse aumento na exposição dos destinos, no entanto, não é homogêneo. O TikTok apresenta duas realidades: ao mesmo tempo que glamouriza lugares, criando imagens bonitas que podem ser irreais, também viraliza conteúdos que exploram os defeitos de pontos turísticos, destacando problemas ou dificuldades. Essa oscilação entre extremos, do perfeito ao problemático, evidencia o sensacionalismo como parte inerente da narrativa da plataforma, no qual a regra é provocar emoção e engajamento, independente do impacto real sobre o destino.
Hype, economia e a realidade dos moradores locais
O hype digital aumenta a economia em torno dos destinos, mas também gera efeitos colaterais. A superlotação é uma consequência direta da viralização. Cidades como Veneza e Santorini enfrentam a pressão do turismo de massa há décadas, mas a aceleração promovida pelas redes sociais aumentou o problema.
A infraestrutura, já fragilizada, não consegue acompanhar o aumento de visitantes. Pequenos negócios locais, embora se beneficiem no curto prazo, podem acabar sendo substituídos por grandes cadeias internacionais, prejudicando a autenticidade cultural e econômica da região.
Mesmo em cidades menos saturadas, como Buenos Aires, o crescimento acelerado de turistas transformou bairros residenciais em centros de grande atividade comercial. Isso pode ser observado em áreas como Palermo Soho, antes uma vizinhança tranquila e agora uma das zonas mais visitadas da capital argentina.
O aumento do custo de vida, impulsionado pela demanda turística, afeta diretamente os moradores. Além disso, a saturação de pontos turísticos e a busca incessante por experiências “instagramáveis” geram um consumo rápido e superficial dos destinos.
O consumo do turismo no TikTok
A dinâmica do TikTok prioriza tendências passageiras, nas quais um destino pode ser descartado tão rapidamente quanto foi descoberto. Essa dinâmica temporária molda o comportamento dos turistas, que frequentemente escolhem lugares para visitar com base em vídeos curtos, sem uma pesquisa mais aprofundada. Por trás de cada vídeo viral, há uma combinação de algoritmos e estratégias de marketing que promovem uma visão idealizada e, muitas vezes, superficial dos lugares.
Os influenciadores desempenham um papel importante nesse processo. Com suas recomendações aparentemente autênticas, eles ajudam a popularizar destinos, mas muitas vezes ignoram aspectos importantes, como os desafios ambientais e sociais. Lugares como Bali, na Indonésia, sofrem com a superexposição digital. A ilha, famosa por suas paisagens paradisíacas, enfrenta problemas de infraestrutura e poluição agravados pelo turismo em massa.
Além disso, o consumo rápido de conteúdo no TikTok gera frustrações entre os turistas. Destinos frequentemente não correspondem à imagem idealizada apresentada nos vídeos. Isso ocorre porque a plataforma utiliza recursos visuais e narrativos imediatistas para maximizar o impacto emocional.
A responsabilidade de viajar conscientemente
Viajar é, antes de tudo, um ato de descoberta e conexão com culturas diferentes. No entanto, a forma como o TikTok molda o turismo atual transforma esse ato em uma busca por validação social.
A responsabilidade de equilibrar o desejo de explorar e os impactos gerados pela viagem recai tanto sobre os criadores de conteúdo quanto sobre os consumidores.
Para evitar os extremos, tanto a idealização quanto a superexposição de problemas, é necessário um consumo mais consciente do conteúdo digital. Antes de planejar uma viagem baseada em tendências, é importante considerar os impactos da escolha, pesquisando além do que o algoritmo oferece. Isso inclui buscar informações sobre a realidade local, infraestrutura e os desafios enfrentados pelos moradores.
O hype imposto pela plataforma impacta não só as escolhas dos turistas, mas também a vida econômica e social dos moradores locais. Embora seja empolgante explorar lugares que parecem saídos de um sonho, é essencial reconhecer que a realidade nem sempre corresponde ao que é mostrado nos vídeos.
Um futuro sustentável para o turismo digital
O TikTok trouxe uma nova perspectiva para o turismo, democratizando o acesso à informação e inspirando milhões de pessoas a explorar o mundo. No entanto, essa democratização vem com desafios. O sensacionalismo da plataforma deve ser equilibrado com uma abordagem mais sustentável e responsável.
Cabe aos usuários não apenas seguir tendências, mas também valorizar experiências autênticas e respeitar as comunidades locais. Ao escolher destinos com consciência, podemos garantir que o impacto do turismo seja positivo, tanto para quem viaja quanto para quem recebe. Afinal, viajar é mais do que acumular fotos ou vídeos: é sobre entender, respeitar e se conectar com o mundo de maneira genuína.