True crime no TikTok: entre justiça e sensacionalismo
- 27 de novembro de 2024
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- Theillyson Lima
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O impacto das narrativas sobre crimes na plataforma.
Natália Goes
O crescimento das redes sociais transformou o ciberespaço, não apenas em relação às interações, mas também ao consumo de conteúdo. A chegada do TikTok facilitou aos criadores de conteúdo a produção de vídeos não tão longos quanto no YouTube e não tão curtos quanto os reels do Instagram, como os conteúdos de true crime.
A fácil produção de conteúdo e interação no TikTok, junto com os algoritmos inovadores, contribuíram para que a plataforma tivesse grande sucesso com o público jovem. A pandemia de COVID-19 também impulsionou o crescimento da rede ao fornecer entretenimento à população confinada.
Com um conteúdo sem muita produção, as pessoas se interessam pelo conteúdo true crime. Se você gosta do gênero suspense, no seu TikTok já deve ter aparecido pelo menos uma vez alguém contando sobre um crime. Tem quem não goste, tem quem ame e tem aqueles que assistem escondidos. Mas por que as pessoas gostam tanto desse tipo de conteúdo?
Voz às vítimas
O TikTok tem sido utilizado por familiares de vítimas e sobreviventes para compartilhar informações e suas vivências, além de servir de alerta e conscientização sobre pessoas desaparecidas e situações de perigo que um indivíduo possa enfrentar.
A norte-americana Sarah Turney, por exemplo, usou a plataforma para atrair atenção ao desaparecimento de sua irmã, Alissa Turney, ocorrido quando Sarah tinha apenas 12 anos. A polícia tratou inicialmente o caso como uma fuga voluntária, e o caso permaneceu sem solução por anos.
Sarah acredita que seu pai, Michael, seja o responsável e utilizou o TikTok para pressionar as autoridades, alcançar um público maior e buscar mais respostas. A situação cresceu de tal forma que Sarah criou o podcast Voices For Justice, no qual detalha o caso da sua irmã e aborda outros desaparecimentos.
Outro caso de voz às vítimas é o da Julie Murray, irmã de Maura Murray. Maura desapareceu em 2004 após um acidente de carro em uma estrada isolada em New Hampshire, nos Estados Unidos. Apesar de testemunhas terem visto Maura aparentemente perturbada no local do acidente, nenhuma pista definitiva sobre seu paradeiro foi encontrada desde então.
Julie percebeu que haviam lacunas e criou um perfil no TikTok em 2022. O vídeo que ela compartilhou no perfil @mauramurraymissing acumulou mais de 3 milhões de visualizações. Ela chamou mais atenção para relatar e buscar respostas sobre o que aconteceu com sua irmã.
Conteúdo sensacionalista
A curiosidade por crimes atrai milhões de pessoas, alimentada pelo mistério e suspense que esses casos despertam. Psicólogos indicam que o interesse por crimes está ligado à liberação de adrenalina no corpo, um hormônio que pode ser altamente estimulante e até viciante. O fascínio por desfechos e a satisfação em ver criminosos punidos contribuem para esse fenômeno, tornando o consumo de histórias criminais uma forma de entretenimento amplamente popular.
O sensacionalismo empregado por criadores de conteúdo potencializa essa atração. O prazer em desvendar enigmas, combinado com a acessibilidade de plataformas como o TikTok, torna esses perfis e hashtags incrivelmente populares. Criadores como Giulia Carvalho (@ehguilia), estudante de jornalismo, têm mais de 1,5 milhão de seguidores e vídeos com mais de 5 milhões de visualizações. Outros perfis de destaque incluem Tiago Santos (@enciclopediacasos), com números semelhantes, e Bryan Emmendörfer (@colecionadordeossos), que alcançou um impressionante marco de 14 milhões de visualizações em um único vídeo.
Além dos perfis, hashtags como #crimesreais, com mais de 22 mil publicações, #casoscriminais, com mais de 65 mil, e #truecrime, que ultrapassa 1 milhão de publicações, demonstram a magnitude do interesse pelo tema. O TikTok se consolida como um espaço onde o sensacionalismo, aliado à curiosidade humana, transforma casos criminais em fenômenos virais.
Impacto na sociedade
A ampla audiência e o formato acessível do TikTok têm desempenhado um papel significativo no compartilhamento de histórias de true crime. A plataforma permite que famílias de vítimas busquem justiça, conscientizem o público e pressionem as autoridades de maneira mais direta e eficiente.
Isso pode levar à reabertura de casos antigos e ao aumento do apoio público para investigações que, de outra forma, seriam ignoradas. Casos como os de Sarah Turney e Julie Murray mostram como essa visibilidade pode ser positiva, pois não apenas mantém a memória das vítimas vivas, mas também servem como alerta sobre perigos e questões de segurança.
Por outro lado, a popularização do true crime no TikTok traz alguns riscos. O consumo dessas histórias muitas vezes se limita ao entretenimento, reduzindo eventos traumáticos a conteúdo descartável para engajamento. Muitos criadores lucram com essas narrativas, ganhando dinheiro por meio de visualizações e publicidade enquanto exploram tragédias pessoais sem o consentimento das vítimas ou de seus familiares.
Essa prática não apenas perpetua o sensacionalismo, mas também pode revitimizar aqueles que têm suas histórias contadas de maneira inadequada, sem respeito pelo contexto ou pela dor envolvida. Quando a exploração financeira e o sensacionalismo se tornam prioridades, o sofrimento humano vira mercadoria, criando um impacto profundo na forma como a sociedade aborda questões de justiça e empatia.
Além disso, a plataforma não é um espaço ideal para consumo crítico de informações sobre crimes, pois, muitas vezes, os vídeos curtos simplificam ou distorcem fatos complexos. Levando à disseminação de desinformação, impactando negativamente as percepções do público e prejudicando investigações reais.