Somente o jornalismo é confiável?
- 16 de outubro de 2024
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- Theillyson Lima
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Veículos de jornalismo e não jornalísticos têm explorado o interesse do público em política como forma de gerar lucro.
Gabrielle Ramos
Em meio à disputa pelos cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores das eleições municipais brasileiras, uma variedade de temas vem à tona. Desde o que cada candidato defende a polêmicas, são assuntos que ganham destaque na imprensa em seus mais diversos formatos.
No entanto, a cobertura das eleições não se limita aos meios de comunicação tradicionais. Famosos, perfis em redes sociais e até plataformas digitais têm se destacado como vozes influentes no debate eleitoral brasileiro. Mas será que isso representa um risco? Afinal, cabe ao jornalismo o papel de informar com precisão e ajudar as pessoas a formar opiniões conscientes.
Debate sem propósito
Entre os diversos recursos que o jornalismo pode usar para informar e fomentar o discurso de opiniões, o debate eleitoral se destaca. Para os candidatos, esta é uma oportunidade de atrair a atenção dos eleitores e consolidar votos. Apesar disso, os veículos de comunicação não têm a obrigação de convidar todos os candidatos registrados na Justiça Eleitoral.
De acordo com a legislação eleitoral, apenas os candidatos que tenham representação de no mínimo cinco parlamentares no Congresso Nacional devem ser convidados pela imprensa para os debates. Isso significa que candidatos como Pablo Marçal, que disputou a prefeitura de São Paulo, não precisam ser necessariamente incluídos nos convites.
Entretanto, os debates realizados na internet não são regulamentados pela legislação eleitoral, ficando a cargo dos organizadores a definição das regras e dos convidados. No final de setembro, o Flow Podcast, pioneiro no formato de mesacast no Brasil, promoveu o oitavo debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo.
Na ocasião, Pablo Marçal foi advertido três vezes e expulso pelo jornalista Carlos Tramontina, convidado a ser mediador do debate. A situação gerou confusão no estúdio, e o assessor de Marçal agrediu o marqueteiro de Ricardo Nunes, outro candidato. Sendo que no início, o debate já havia atrasado devido a um desentendimento sobre o número de assessores dentro do estúdio.
Em entrevista à CNN, Tramontina explicou que a expulsão de Pablo Marçal ocorreu porque o candidato violou as regras previamente acordadas. Ou seja, ele poderia interromper os candidatos que ofendessem os outros durante suas falas. Entretanto, José Luiz Datena, que também concorria ao mesmo cargo, promoveu ofensas e não foi interrompido, apenas advertido ao final de sua fala.
Nos comentários dos vídeos no canal do YouTube: O Antagonista, muitos internautas apontaram que a postura do apresentador foi parcial. A maioria das reações se concentrou nessa crítica, sem abordar as propostas ou os pontos defendidos pelos candidatos durante o debate.
A mesma realidade foi vista em outros debates, como o da TV Cultura, que protagonizou cena de agressão quando Datena atingiu Marçal com uma cadeira. Isso mostra que a maioria dos debates, sendo eles promovidos ou não por veículos jornalísticos, geraram alguma polêmica.
Ou seja, o jornalismo tem perdido parte de sua função primordial, ao priorizar eventos que, embora tenham como objetivo informar, desviam o foco para a cobertura de discussões e agressões. Por outro lado, se até mesmo os veículos de imprensa estão convidando pivôs de confusões, é de se esperar que a mídia não jornalística siga o mesmo caminho. Afinal, confusões atraem audiência, e a audiência gera lucro.
Muitos surfam na onda
Para aumentar a audiência, as visualizações, os likes e os compartilhamentos, muitos aproveitam o momento das eleições brasileiras. Exemplo disso são os vídeos que se espalharam rapidamente nas redes sociais após o episódio da cadeirada.
Ao invés de gerar uma reflexão sobre a postura agressiva dos candidatos em diversas ocasiões, transformou-se em memes e propagandas. Isso mostra, que em muitos casos a temática das eleições não é abordada com caráter sério e consciente. Pelo contrário, é considerada mais um mecanismo para aumentar o alcance nas redes sociais.
Combate a desinformação
Apesar disso, não se pode afirmar que toda a cobertura não jornalística é negativa. Afinal, há diversas pessoas, incluindo influenciadores com maior ou menor alcance, que se dedicam a usar as mídias para abordar questões políticas de forma construtiva.
Alguns perfis que seguem essa abordagem incluem o do sociólogo Jeulliano Pedroso. Além de ser comentarista na Jovem Pan Curitiba e colunista do portal RicMais, Pedroso utiliza suas redes sociais para publicar vídeos explicativos e opinativos, principalmente sobre economia e política, temas que ganham ainda mais destaque com as eleições.
Outro exemplo é Maria Fernanda Schmidt, estudante de Direito, que utiliza seu perfil no Instagram, com mais de 430 mil seguidores, para discutir diversas questões, principalmente relacionadas à política e atualidades.
Já o humorista Maurício Meirelles, em parceria com profissionais de recursos humanos, entrevistou candidatos à prefeitura de São Paulo de forma descontraída. Com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, ele usou sua visibilidade para promover uma reflexão entre seu público, trazendo um formato diferente do convencional.
Atualmente, a internet e as redes sociais desempenham um papel fundamental no dia a dia das pessoas, inclusive para se manterem informadas sobre as notícias. Nesse contexto, perfis como estes se destacam como uma alternativa, principalmente para a geração Z, que não costuma acompanhar noticiários pelo rádio ou televisão.
Embora não sejam jornalistas, esses perfis podem estimular o interesse desse público sobre essas temáticas. Isso pode os levar a buscar mais informações, tanto nas redes sociais quanto em outros meios de comunicação.
A queda do antigo Twitter
O Twitter sempre exerceu uma forte influência na formação da opinião pública. Mas, após a aquisição da rede social por Elon Musk, a dinâmica da rede social mudou. Segundo um estudo realizado por quatro universidades dos Estados Unidos, o número de postagens com discurso de ódio dobrou na plataforma, agora chamada de X.
Em meio ao cenário eleitoral, tanto nos EUA quanto no Brasil, o aumento da desinformação no X tem preocupado especialistas. Afinal, a atuação da rede social contraria os mecanismos criados em 2020, que tinham como objetivo lidar com desinformação durante a eleição.
Nos EUA, a atuação do X ainda é preocupante, pois a plataforma continua em operação. Já no Brasil, a realidade é diferente. A plataforma ficou suspensa do dia 30 de agosto até 8 de outubro no país. Isso certamente trouxe um impacto direto nas eleições, já que muitos eleitores utilizavam a rede social para consumir conteúdos relacionados à política.
Por um lado, a suspensão reduz a propagação de conteúdos falsos, limitando a exposição das pessoas a informações não verídicas. Isso é especialmente relevante ao considerar o impacto que a plataforma teve nas campanhas eleitorais de Jair Bolsonaro em 2018. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, o ex-presidente usou o Twitter de forma estratégica para promover informações falsas.
Em contrapartida, restringe o espaço daqueles que a usavam para promover debates construtivos, com o objetivo de informar e estimular um diálogo saudável. É por isso que muitos reclamam da suspensão do aplicativo em outras redes sociais. Tanto influenciadores que dependiam da plataforma para gerar renda quanto os próprios usuários.
Essa dependência do X para consumir conteúdos sobre política, por vezes, pode parecer sem sentido. Afinal, o jornalismo está presente em vários espaços. Mas com a crescente desconfiança na imprensa, muitos acreditam que ela não é imparcial e tende a tomar partido. Como resultado, preferem buscar fontes alternativas de informação.
A cobertura não jornalística oferece conteúdos que muitas vezes não são tão frequentes no jornalismo tradicional, como entrevistas individuais com candidatos. No entanto, comparar o desempenho dessas entrevistas com o de debates é injusto. Isso ocorre porque o ambiente dos debates, com todos os políticos reunidos, é mais propenso a gerar tensões e confusões.
Porém, na realidade atual é possível realizar um debate civilizado? Isso se torna ainda mais complexo ao considerar que até os próprios políticos têm se aproveitado desse ambiente para conquistar notoriedade. Por outro lado, se um debate ocorre sem confusão, muitos o consideram sem graça. Isso mostra que é difícil saber o que é melhor fazer.
Apesar de ser função do jornalismo informar e incentivar a formação de opiniões, outros mecanismos também podem auxiliar nesse papel. Mas há uma linha tênue entre o que pode ser perigoso e o que realmente enriquece o jornalismo. Afinal, a internet é um espaço onde qualquer pessoa pode se expressar e até mesmo se tornar referência para os outros, mesmo sem embasamento. É por isso que é essencial ter cautela com os conteúdos consumidos e priorizar as fontes confiáveis.