A complexidade do voto americano
- 4 de setembro de 2024
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- Theillyson Lima
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Sistema eleitoral americano é moldado não apenas pelo voto popular, mas por artifícios que favorecem aqueles que controlam o jogo.
Isabella Maciel
As eleições presidenciais nos Estados Unidos são um espetáculo mundial, observadas de perto não só por sua importância geopolítica, mas também pela teia de regras e processos demorados. No entanto, a complexidade do sistema americano vai além de um simples processo eleitoral, ela revela um mecanismo no qual o poder é moldado não apenas pelo voto popular, mas por artifícios que favorecem aqueles que controlam o jogo. E é aí que entra o “Gerrymandering,” uma prática que, curiosamente, passa quase despercebida pela mídia brasileira, apesar de ser uma pauta muito discutida nos Estados Unidos.
Primeira etapa
O caminho para a Casa Branca começa bem antes da eleição geral, com as primárias e caucus. Estes são eventos nos quais os eleitores de cada estado escolhem os delegados que representarão os partidos Democrata e Republicano na corrida presidencial.
Cada estado define suas próprias regras para essas votações, o que significa que as primárias podem ser abertas (qualquer eleitor pode votar) ou fechadas, conhecida como caucus, que acontece um encontro informal, onde eleitores discutem e votam publicamente em um local chamado precinto. Pode ser uma escola, ginásio, igreja, centro comunitário. Esse sistema permite uma grande diversidade de métodos e práticas eleitorais ao longo do país.
O delegado é uma figura eleitoral, de relevância para a zona eleitoral escolhida. Geralmente membros ativos de um partido, influentes e engajados na política.
Essa fase determina quem vai enfrentar a batalha final. No entanto, ao contrário do que acontece no Brasil, não é o voto popular que define o vencedor; são os delegados eleitos durante essas primárias e caucus que decidem quem avança.
O voto indireto
Após as primárias, os candidatos eleitos concorrem na eleição geral, na qual o conceito de voto indireto através do Colégio Eleitoral, o coração do sistema eleitoral americano, pode causar confusão. É aqui que o verdadeiro jogo começa. Enquanto no Brasil o presidente é escolhido diretamente pelo voto popular, nos EUA, os eleitores na verdade escolhem delegados que votarão no presidente por eles. Cada estado tem um número específico de delegados, proporcional à sua população. Na maioria dos estados, o candidato que ganha a maioria dos votos populares leva todos os votos dos delegados, numa dinâmica conhecida como “winner takes all” (o vencedor leva tudo).
Esse sistema pode, e já levou, à eleição de presidentes que não conquistaram a maioria dos votos populares, um verdadeiro tapa na cara daquilo que entendemos como democracia. Exemplos recentes como a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton em 2016 são a prova de que, nos Estados Unidos, ganhar mais votos não necessariamente garante a vitória.
Gerrymandering
Um dos aspectos menos discutidos pela mídia brasileira é o “gerrymandering”. O termo, criado em 1812, se refere à manipulação das fronteiras dos distritos eleitorais para favorecer um partido político. Esse processo é geralmente realizado pelas legislaturas estaduais, que redesenham os distritos a cada dez anos com base no censo.
Nos Estados Unidos, essa prática pode distorcer significativamente a representatividade no Congresso, permitindo que um partido mantenha poder de maneira desproporcional ao apoio popular. É uma manobra que desafia os princípios democráticos ao transformar a geografia política em uma arma estratégica. É como se, antes mesmo do primeiro voto ser contado, o jogo já estivesse manipulado.
O gerrymandering pode resultar em “packing” (concentração de eleitores de oposição em poucos distritos) ou “cracking” (dispersão de eleitores de oposição em muitos distritos), distorcendo assim a representação eleitoral e favorecendo o partido dominante. Esse método não só compromete a representatividade democrática, mas também contribui para a polarização política, ao criar distritos com baixa competitividade eleitoral.
Apesar de sua relevância, a mídia brasileira praticamente ignora essa questão. Enquanto jornalistas nos Estados Unidos e em outros países dissecam as ramificações do gerrymandering em suas democracias, os veículos de comunicação brasileiros frequentemente deixam de explorar como práticas semelhantes poderiam influenciar o resultado das eleições. A ausência de uma análise profunda sobre o tema sugere uma falha na responsabilidade da mídia em educar o público sobre táticas e o impacto que isso gera no estado onde ocorrem as votações.
O Gerrymandering distorce a vontade popular e, ironicamente, se esconde sob o manto da legalidade. Enquanto os Estados Unidos se vendem como o berço da democracia moderna, essa prática mostra que, na realidade, o poder é mais uma questão de controle territorial do que de verdadeira representatividade. A ausência de uma discussão mais profunda sobre isso é uma falha na mídia brasileira, considerando o impacto que isso tem na política americana. Entender esses processos é fundamental para uma análise crítica e completa das eleições americanas.